Category: João Filho

  • Ilustração: Intercept Brasil

    Nas eleições municipais de 2016, o Novo estreou na disputa eleitoral prometendo um novo jeito de fazer política. Os fundadores vendiam a ideia de que o partido era resultado de um movimento espontâneo formado por profissionais liberais, que queriam superar a chamada “velha política” por meio de práticas inovadoras e com base em uma agenda ultraliberal que reduziria a pó o papel do Estado na sociedade. “O Novo é diferente, é top, é moderno. E tem gente nova, honesta e liberal”, dizia a letra de um jingle de campanha do partido.

    Qualquer analista minimamente informado conseguiu enxergar que estávamos diante de um engodo. O Novo nasceu na onda antipolítica que tomava conta do país naquele momento — a mesma onda que pariu o bolsonarismo. O discurso moralista e antipolítica atraiu os reacionários que mais tarde viriam a apoiar com unhas e dentes também o bolsonarismo. O destino do Novo estava escrito nas estrelas.

    Um partido fundado por ricaços do alto escalão do mercado financeiro, formado majoritariamente por homens brancos do sul/sudeste que têm ojeriza ao Estado, jamais poderia ser considerado uma novidade na política. À época, escrevi que o Novo já nascia velho e que não passava de “um PSDB que ainda não sujou o sapatênis de camurça na lama”. Hoje estamos aqui, 7 anos depois, vendo o Novo com o sapatênis enlameado e sentando no colo do bolsonarismo junto com os tucanos. Essa era fácil de prever. Não há nada mais cliché na história da política nacional do que ricaços atuando como linha auxiliar da extrema-direita.

    Nas eleições de 2018, João Amoedo, o principal fundador do partido, declarou voto em Bolsonaro, mas prometeu que o partido se manteria “independente e vigilante”. É claro que isso não aconteceu. Durante os 4 anos trágicos de extrema-direita no poder, o Novo se mostrou um parceiro fiel de Bolsonaro, sendo um dos partidos que mais votou a favor dos projetos do governo na Câmara. A fidelidade era tanta que a Gazeta do Povo, jornal que hoje defende as bandeiras do bolsonarismo, chegou a chamar o partido de “queridinho do presidente Bolsonaro”.

    Quando viu as primeiras gotas de lama caindo em seu sapatênis, Amoedo ficou assustado. A atuação carniceira do seu então correligionário Ricardo Salles, no Ministério do Meio Ambiente de Bolsonaro, estava jogando por água abaixo a tentativa do Novo de se apresentar com um figurino moderninho no cenário político. Numa tentativa de recalcular a rota, o partido expulsou Salles alegando que o ministro estava muito alinhado ideologicamente ao bolsonarismo. O curioso é que, dois anos antes, Amoedo não viu problema em lançar Salles como candidato a deputado federal pela sigla com uma campanha que prometia balas de fuzil “contra a esquerda e o MST”.

    ‘Não há nada mais cliché na história da política nacional do que ricaços atuando como linha auxiliar da extrema-direita’.

    Essa tentativa tardia de mudar os rumos da sigla não adiantou nada. O Novo virou parte integrante do bolsonarismo, com seus políticos endossando as políticas mais absurdas. Haja vista o papel do partido durante a pandemia. Zema, o único governador eleito pelo Novo, em Minas Gerais, foi um dos únicos do país a endossar o negacionismo assassino de Jair Bolsonaro. Adriano Silva, de Joinville – o único prefeito eleito pela sigla – seguiu na mesma linha e atacou medidas de contenção do vírus como o lockdown.

    Assustado com o monstro que ajudou a criar, Amoedo se desfiliou. No fim de novembro do ano passado, ao apagar das luzes do governo Bolsonaro, o ex-banqueiro pegou o chapéu e saiu da legenda declarando voto em Lula para livrar a democracia de mais quatro anos de Bolsonaro. Afirmou que o Novo virou linha “auxiliar do bolsonarismo”, como se isso já não estivesse evidente desde os primeiros meses de governo. Essa inocência performática não me engana. O fato é que esse Frankenstein ultraliberal tentou salvar a própria biografia antes de ser engolido pelo monstro fascista que ajudou meticulosamente a criar.

    ’Após o fracasso nas últimas eleições, a sigla anunciou que não irá mais manter aquela que foi a sua grande marca: a rejeição à grana do Fundo Partidário’.

    Com a saída de Amoedo, o Novo não precisa mais se preocupar em manter a aparência moderninha. Agora está livre para ser o que sempre foi sem medo de ser feliz: um partido ultraliberal na economia e reacionário na política e nos costumes como qualquer PL da vida. Após o fracasso nas últimas eleições, a sigla anunciou que não irá mais manter aquela que foi a sua grande marca: a rejeição à grana do Fundo Partidário. Essa prática estúpida, calcada na antipolítica, finalmente caiu por terra dentro do partido. Pode-se debater sobre os valores e o modo como os partidos usam esse dinheiro, mas rejeitá-lo como princípio é pura demagogia. O trabalho partidário é essencial para a democracia, custa caro e é fundamental que o Estado o patrocine. O lado ruim para a sociedade é que o partido agora terá mais dinheiro para financiar suas práticas políticas reacionárias. São os ossos da democracia.

    Nesta semana, o Novo escolheu Leandro Narloch para comandar a área de comunicação e relações públicas do partido. Narloch é mais um sapatênis que não vê problema em oferecer carne podre para os abutres reacionários. O seu currículo não me deixa mentir. Ele criou fama ao escrever o “Guia Politicamente Incorreto” — um livro que distorce fatos históricos e espalha mentiras — norteado pelo desejo de lacrar a esquerda e destruir a imagem dos seus personagens históricos. Narloch foi demitido da CNN por comentários homofóbicos – associou homossexualidade à promiscuidade. Já bancou o coach do movimento negro ao afirmar na Folha que ele deveria se inspirar nas “sinhás pretas” que possuíam escravos. Afirmou também, sem estar amparado por nenhum documento histórico, que Zumbi dos Palmares foi um senhor de escravos. Essas foram apenas algumas barbaridades que lembrei de cabeça. Há muitas mais. A escolha de Narloch para comandar a comunicação do Novo mostra que os rumos do partido continuam apontando para a extrema-direita bolsonarista. Não foi à toa que o senador Eduardo Girão, aquele senador que sugeriu que a vacina Coronavac continha “células extraídas de fetos abortados”, escolheu o partido como sua nova casa.

    Passados 7 anos da primeira eleição disputada, é possível fazer um balanço do que o partido Novo produziu para a política brasileira: a destruição da Amazônia pelas mãos de Salles, o endosso ao negacionismo assassino durante a pandemia e o apoio maciço às políticas mais reacionárias da extrema direita. Como já se previa desde a fundação, os sapatênis não só ficaram sujos de lama como se alinharam aos coturnos.

    The post O Novo não precisa mais disfarçar: já pode alinhar os sapatênis com os coturnos appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.


  • ***ARQUIVO***BRASÍLIA, DF, 08.01.2023 - Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) realizam ato golpista e invadem a praça dos Três Poderes, em Brasília, para depredar os prédios no local. (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)

    Foto: Gabriela Biló/Folhapress

    No início deste mês, conversei com um dos meus parentes que votou  em  Bolsonaro. Eu queria saber o que ele pensava sobre a invasão golpista de 8 de janeiro e sobre os primeiros passos do governo Lula. O que ouvi foi uma enxurrada de opiniões baseadas em informações falsas que seguem bombando nas redes sociais bolsonaristas. Em cinco minutos de conversa, ouvi cinco mentiras cabeludas: o TSE não aceitou divulgar o código fonte das urnas eletrônicas; um argentino especialista e independente comprovou a fraude no processo eleitoral; os prédios dos três poderes foram destruídos por integrantes do MST infiltrados; Lula anunciou uma moeda única com a Argentina; os yanomamis que estão morrendo de fome vieram da Venezuela.

    Rebati mentira por mentira e ouvi: “ah, não é possível que tudo isso que eu falei seja mentira”. Encerramos a conversa.  Mais tarde, enviei pelo Whatsapp links de matérias jornalísticas que desmentiram todas aquelas informações. A resposta mostra o tamanho do buraco em que estamos enfiados: “Não dá pra saber. Quem é que define o que é verdade e o que é mentira?”. Essa dúvida que confunde fato com opinião foi plantada na cabeça de boa parte da população justamente para legitimar as informações falsas. É como se todos tivessem o direito a ter os seus próprios fatos. Quem define que a cor do asfalto não é rosa-choque, não é mesmo?

    No Brasil, a disseminação de mentiras se tornou uma política pública do governo Bolsonaro. Mesmo após a derrota bolsonarista nas eleições, milhões de brasileiros continuam sendo enganados por uma indústria de mentiras que segue trabalhando a todo vapor. Os 49% dos eleitores que votaram no Bolsonaro, ou seja quase metade da população, seguem recebendo nos seus celulares as notícias de um mundo paralelo. A mentira como prática política continuará sustentando os discursos de parlamentares bolsonaristas e seguirá elegendo reacionário pilantra. Enquanto essa indústria de fake news estiver funcionando, a ameaça à democracia será permanente. Desarmar essa bomba talvez seja o maior desafio do novo governo.

    A disseminação de mentiras impulsionada pelos reacionários não é um fenômeno brasileiro, mas mundial. É resultado de um movimento articulado entre os agentes da extrema-direita internacional, capitaneado pelo criminoso Steve Bannon. Ele e outros extremistas americanos comemoraram os acontecimentos de 8 de janeiro no Brasil, que claramente foram inspirados pela invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, um ano antes. Há um intercâmbio de know-how e de mentiras, o que ficou bastante claro nessas invasões e durante a pandemia. A defesa das democracias, portanto, deve ser articulada também de maneira global. A conferência organizada pela Unesco — órgão da ONU voltado para a Educação, Ciência e Cultura — em Paris foi o primeiro passo para a construção de uma defesa global e articulada contra a indústria das fake news. O principal ponto debatido na conferência foi como empresas, governos e organizações podem atuar em conjunto para regular as redes sociais e outras plataformas. O episódio de 8 de janeiro teve grande destaque na conferência. Foi apresentado como o principal exemplo de como a propagação de mentiras pode ser perigosa para as democracias.

    Em carta enviada à conferência, o presidente Lula fez uma convocação por soluções globais de combate à disseminação de mentiras e defendeu a criação de uma regulamentação internacional. O tema virou prioridade do novo governo, que tem atuado em diversas frentes. Uma delas é o apoio ao PL das Fake News, que tramita na Câmara e cujos principais pontos estão em consonância com o que foi debatido na Unesco. O projeto quer a responsabilização civil das Big Techs — as grandes empresas de tecnologia que dominam o mercado das redes sociais — que se omitirem diante de mentiras que disseminem incitação à crimes contra a democracia e ao terrorismo. Segundo a CNN Brasil, nos corredores do evento da Unesco algumas autoridades brasileiras se mostraram céticas sobre o avanço do PL. Elas acreditam que o lobby das Big Techs é grande e difícil de ser superado. As grandes plataformas têm investido pesado para barrar essas movimentações contra as fake news.

    No ano passado, as Big Techs — Facebook, Instagram, Twitter, Google e Mercado Livre — escreveram uma carta aberta em conjunto atacando o PL das Fake News. Segundo eles, o projeto ameaça a “internet livre, democrática e aberta que conhecemos hoje”. Também no ano passado, o Facebook pagou anúncios de página inteira nos principais jornais do país dizendo que o PL “traz consequências negativas às pequenas empresas que usam publicidade online”. Youtube e Google também publicaram em seus canais de comunicação artigos atacando o PL. Essas empresas não aceitam serem responsabilizadas pelas mentiras criminosas dos seus usuários. Ocorre que esse tipo de conteúdo sensacionalista e criminoso, costuma ser privilegiado pelos algoritmos definidos por essas empresas. Ou seja, elas lucram com isso, mas querem que a responsabilização seja apenas dos usuários.

    No Brasil, a disseminação de mentiras se tornou uma política pública do governo Bolsonaro.

    A elaboração do PL tem recebido contribuições do STF, do TSE e do governo federal, o que o torna mais forte. Apesar do lobby intenso, o relator Orlando Silva (PCdoB) tem se mostrado otimista. Ele acredita que o texto pode ser apreciado pela Câmara no próximo mês e está confiante na aprovação. Em uma votação teste no ano passado, 249 votaram a favor do projeto e 220 contra. “Os contrários reuniram governistas e aliados das big techs. Minha impressão é que hoje temos outro cenário, e o 8 de Janeiro aumentou a tração para a aprovação”, afirmou o parlamentar .

    O caminho para desarmar a indústria das fake news será longo e espinhoso no mundo inteiro. Não há soluções rápidas e simples. Encontrar o equilíbrio entre a liberdade de expressão e o combate às fake news é uma tarefa dura, mas inadiável. As mentiras que impulsionaram ataques à democracia e atentaram contra a saúde pública durante a pandemia precisam ser criminalizadas, assim como as Big Techs precisam ser responsabilizadas. Ou interrompemos essa produção industrial de mentiras ou aguardamos  os próximos episódios de selvageria e barbárie.

    The post Ou as big techs aceitam mudar ou as democracias em todo mundo seguirão ameaçadas pelas fake news appeared first on The Intercept.

  • marcos-do-val-wando-header

    Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

    Um ex-deputado se encontra com um senador e diz que tem um assunto urgente. Em seguida, liga para o presidente da República e passa o telefone ao senador. O presidente, então, pede para ele “dar um pulinho” no Palácio da Alvorada. No dia combinado, os dois são levados secretamente à residência oficial da presidência por um carro da própria presidência. São cinco e meia da tarde e o presidente os recebe de camiseta, bermuda e chinelos. O ex-deputado então revela o motivo do encontro secreto: executar um plano para espionar um ministro da Suprema Corte, captar alguma frase dúbia que o torne suspeito de fraude eleitoral, prendê-lo e, assim, pavimentar o caminho para um golpe de estado.

    O que o presidente e o ex-deputado não sabiam é que, três dias depois, o senador convidado para o plano golpista deduraria todo o esquema justamente para o ministro da Suprema Corte.

    Parece o roteiro de um filme dos Trapalhões, mas foi só mais um episódio do Brasil de Bolsonaro. Assim como o soldado Didi Mocó aparecia no final para estragar as missões do Sargento Pincel, Marcos do Val apareceu no final para estragar os planos golpistas de Bolsonaro.

    Do Val meteu a boca no trombone em uma entrevista para a Veja em que coloca Jair Bolsonaro como mentor do plano golpista. Depois da publicação, o senador trouxe novas versões em que Bolsonaro aparece apenas como um mero ouvinte, enquanto Daniel Silveira seria o grande articulador do golpismo. Nenhuma das novas versões mudou o que foi relatado no primeiro parágrafo deste texto. Bolsonaro convocou uma reunião no Alvorada com os dois e disponibilizou um carro da presidência para transportá-los secretamente. Na melhor das hipóteses para o então presidente, ele teria presenciado um plano para prender um ministro do STF e impedir a posse do presidente eleito por meio de um golpe de estado. Na pior das hipóteses, ele seria o arquiteto desse plano. Seja como mentor ou prevaricador diante de aliados golpistas, Bolsonaro cometeu crime gravíssimo contra a democracia.

    Estranhamente os filhos de Bolsonaro não fizeram o que sempre fazem quando o papai é traído por aliados. Eles costumam atacar ferozmente e convocar outros bolsonarista para aniquilar o traidor em praça pública. Foi assim com Bebianno, com Alexandre Frota, com Joice Hasselmann, com Sergio Moro e tantos outros. Mas com Do Val o tratamento foi o oposto. O senador foi afagado com telefonemas de Flávio e Eduardo Bolsonaro, que lhe apoiaram e ajudaram a fazer com que desistisse de renunciar ao mandato. Ficou evidente que o afago foi uma estratégia para reduzir os danos do estrago já feito pelo aliado trapalhão.

    Flávio Bolsonaro fez o que os bolsonaristas fazem diante de situações graves: disse que não houve nada demais e que o episódio relatado por Do Val não configura crime. Flávio admite o encontro do pai com o senador e Daniel Silveira — que já havia sido preso por ameaçar a democracia no ano passado — e em nenhum momento negou o conteúdo do que foi conversado. Sustentou a versão de que Silveira teria feito a proposta enquanto Bolsonaro assistia à proposta de crime calado. O escolhido para ser largado ferido na estrada foi o ex-deputado, que não tem mais foro privilegiado e já voltou para a cadeia por desrespeitar as medidas cautelares impostas pelo STF.

    No depoimento dado à Polícia Federal, Do Val apresentou uma versão ajustada — a mesma que foi repercutida por Flávio Bolsonaro — em que Daniel Silveira aparece como o líder golpista e o presidente da República apenas como um espectador inocente, de bermuda e chinelão. Ou seja, Bolsonaro teria oferecido sua residência para a reunião golpista, disponibilizado um carro da presidência para transportá-los secretamente, mas não teria nada a ver com o golpismo proposto. O presidente seria como uma criança sentada à mesa ouvindo calada os adultos tramando um golpe de estado. Convenhamos, é até mais fácil acreditar em mamadeira de piroca do que nisso.

    A denúncia de Do Val é apenas mais um indício entre tantos outros da existência de um plano organizado dentro do Palácio do Planalto para impedir a posse de Lula. Está ficando cada vez mais difícil remover as digitais do ex-presidente na tramóia golpista. Em uma das mensagens enviadas por Silveira a Do Val, ele diz que a espionagem de Alexandre de Moraes serviria “para pautar a ação a ser tomada, que já está desenhada e pronta para implementar”.

    marcos-do-val-e-flavio-wando-miolo

    Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad

    Espionar Alexandre de Moraes para caçar alguma frase que o torne suspeito de fraude eleitoral e prendê-lo seria o estopim para que se desenrolassem as ações planejadas naquela minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro.

    As peças estão se encaixando e tudo aponta para Bolsonaro como um dos protagonistas do movimento golpista. O seu ex-ministro da Justiça foi preso por ser conivente e omisso com os bolsonaristas que invadiram e destruíram os prédios dos Três Poderes. O seu braço direito, Valdemar da Costa Neto, deixou claro que a minuta golpista circulou entre toda a cúpula do bolsonarismo sem que ninguém tenha sido repreendido pelo presidente.

    Bolsonaro já é oficialmente um investigado no inquérito do STF que apura os atos golpistas de 8 de janeiro. Segundo uma apuração do Estadão, ministros do tribunal garantem que esses novos episódios são suficientes para pedir a quebra de sigilo dele e de outros integrantes da cúpula. E, assim, o cerco vai se fechando.

    Há poucos dias, Alexandre de Moraes mandou prender preventivamente 942 golpistas. Talvez seja a hora de prender o principal líder do bando. Bolsonaro está há mais de um mês sem foro privilegiado. Fica a dica.

    The post Presepada de Do Val é mais um roteiro dos Trapalhões no Brasil golpista de Bolsonaro appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • 543723780-projeto-bolsonaro-yanomamis-wando

    Foto: Hervé Collart/Getty Images

    Já está claro que a tragédia vivida pelo povo Yanomami não é meramente fruto da omissão do governo Bolsonaro. É muito mais que isso. É consequência da retomada de um projeto antigo das Forças Armadas que se iniciou nos primeiros anos da ditadura militar. Como bem lembrou Carla Jimenez na última newsletter do Intercept, “a ditadura militar foi pródiga em dizimar indígenas em nome do progresso”.

    A Funai foi criada pelos militares três anos após o golpe de 64 e foi comandada por militares guiados pelo lema da bandeira nacional: Ordem e Progresso. A política indigenista da ditadura tinha como objetivo integrar o indígena ao “mundo civilizado”. Em 1970, durante o governo Médici, o regime militar comandou o Plano de Integração Nacional, com objetivo de expandir as fronteiras internas do país, abrir rodovias e criar novas cidades. Para isso foi necessário perseguir, prender, torturar e assassinar lideranças indígenas que lutavam pelos seus territórios. Em 1972, o general Ismarth de Araújo, superintendente da Funai, disse que “índio integrado é aquele que se converte em mão de obra”. Os indígenas que se rebelaram contra esse projeto acabaram mortos.

    O ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro, que sempre foi reconhecidamente um deputado vagabundo, trabalhou bastante contra os povos indígenas — especialmente contra o povo Yanomami — durante sua passagem pelo parlamento. O então deputado atuou incansavelmente pela extinção da etnia. Em 1992, ele apresentou um decreto legislativo que previa a extinção da reserva Yanomami, que tinha sido demarcada no ano anterior. O projeto foi arquivado, mas Bolsonaro tentou emplacá-lo em outras quatro oportunidades. Em um dos seus discursos no plenário em defesa do decreto, Jair Bolsonaro disse: “a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país”.

    A ascensão do bolsonarismo ao poder possibilitou a continuação desse projeto militar. Assim como na ditadura, a política indigenista do governo Bolsonaro oferece duas opções aos povos indígenas: a integração forçada ou a extinção. As cenas de homens, mulheres e crianças Yanomami subnutridos, com os ossos do corpo inteiro aparecendo, retrata o sucesso da retomada desse projeto. A desnutrição e a fome são consequência direta da ocupação de seus territórios por garimpeiros ilegais. A garimpagem na região impede o povo Yanomami de exercer suas atividades produtivas básicas.

    Não me recordo de uma tragédia mais anunciada do que essa. Durante os últimos quatro anos, o avanço do garimpo ilegal e a saúde dos povos indígenas foram assuntos de destaque no debate público nacional. Reportagens e órgãos públicos como o Ministério Público Federal, o STF e a Corte Interamericana de Direitos Humanos alertaram sobre a gravidade da situação. Desde o primeiro ano de governo Bolsonaro, o MPF fez pelo menos oito recomendações relacionadas à falta de atenção básica de saúde nas terras Yanomami.

    mourao_darioyanomami_

    Deputada Joênia Wapichana e Dario Yanomami em reunião com o Vice-Presidente Hamilton Mourão.

    Foto: Divulgação/Planalto

    Em 2020, o MPF fez o primeiro alerta ao governo sobre a fome dos Yanomami em Roraima. O órgão determinou que a Sesai, a Secretaria Especial da Saúde Indígena, deveria providenciar a compra de alimentos para abastecer a comunidade. Absolutamente nada foi feito. Claro, durante o governo Bolsonaro a Sesai serviu ao projeto iniciado no regime militar. Nesse período, ela foi comandada por militares sem nenhuma experiência em saúde indígena. O primeiro a assumir a pasta foi o coronel do Exército Robson Santos da Silva. Depois, foi a vez de outro coronel: Reginaldo Ramos Machado, amigo pessoal de Jair Bolsonaro. Ambos comandaram a destruição da estrutura de atendimento da pasta. Cargos e departamentos importantes do órgão foram encerrados. Mecanismos de controle e participação social como os Conselhos Distritais de Saúde Indígena (Condisi) e o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) foram extintos. A fome dos Yanomami é resultado de uma política muito bem planejada pelas Forças Armadas e pelo governo Bolsonaro.

    A garimpagem na região impede o povo Yanomami de exercer suas atividades produtivas básicas.

    As digitais dos militares estão impregnadas em todos os pontos da tragédia vivida pelos Yanomami. O ex-vice-presidente e hoje senador Hamilton Mourão presidiu por três anos o Conselho Nacional da Amazônia Legal. O general não convidou ninguém da Funai e do Ibama para integrar o conselho. Escolheu 19 militares da sua confiança. A função desse conselho é prestar assistência aos povos indígenas da região, mas Mourão e os militares fingiram não ver o descalabro. Em entrevista ao Jornal da Globo, a liderança Dário Kopenawa contou que conversou pessoalmente com Mourão em julho de 2020. A principal reivindicação foi a retirada dos garimpos ilegais de ouro instalados no território indígena. O garimpo nessa região é comandado maciçamente por empresas clandestinas ligadas ao contrabando e ao crime organizado. General Mourão ouviu o pedido dos Yanomami, publicou foto com Kopenawa e não tomou absolutamente nenhuma providência.

    A reivindicação não foi atendida, pelo contrário. Os militares bolsonaristas atuaram para legalizar a garimpagem no território dos Yanimami. No fim do governo Bolsonaro, antes de apagar as luzes, o general da reserva Augusto General Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o GSI, autorizou o garimpo de ouro em área próxima à Terra Indígena Yanomami.

    A pessoa agraciada com a autorização é uma garimpeira que já cumpriu pena por tráfico de drogas e já foi acusada pelo Ministério Público por receptação de pneus roubados. Essa é a política da “ordem e progresso” beneficiando diretamente uma garimpeira com histórico de envolvimento com o crime em detrimento da saúde de povos indígenas. Trata-se de um episódio bastante representativo da hipocrisia que integra a essência do bolsonarismo.

    Não é que os militares simplesmente permitiram a garimpagem em área indígenas. Eles atuaram em conluio com os garimpeiros. Militares do Sétimo Batalhão de Infantaria da Selva por exemplo, chegaram a ter um grupo de WhatsApp com garimpeiros da região Yanomami para poder avisá-los sobre eventuais ações desencadeadas ali. Esse é apenas um exemplo. Há uma pororoca de outros que mostram como os ataques dos militares contra os povos indígenas. Vejamos algumas manchetes que pipocaram no noticiário nos últimos tempos: “Militares que dirigiram Ibama ignoraram plano de socorro a povo Yanomami”;
    “Em áudio, militares na Funai prometem atropelar Ibama e liberar garimpo em terras indígenas”; “Relatório aponta militares comprados pelo garimpo na TI Yanomami no início da gestão Bolsonaro”; “Tenente do Exército, coordenador da Funai fala em ‘meter fogo’ em índios isolados no AM”; “Na cidade mais indígena do Brasil, Exército ocupa e domina vida civil”; “Militar da Funai é acusado de desviar patrimônio de indígenas Mura”; “Militares arrendam ilegalmente terras indígenas para latifundiários”.

    Não é que os militares simplesmente permitiram a garimpagem em área indígenas. Eles atuaram em conluio com os garimpeiros.

    A ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara iniciou uma desmilitarização da Funai. Já foram demitidos 43 militares que boicotavam a proteção dos povos indígenas. Esse é o começo de um longo processo necessário para reconstruir o órgão. É urgente que o país puna severamente os militares e todos aqueles que encamparam esse projeto de dizimação dos povos indígenas desenhado durante a ditadura militar. Trata-se de um crime de lesa humanidade. As Forças Armadas precisam ser enquadradas para que não tentem retomar esse projeto no futuro. Não é possível mais ver uma importante instituição da democracia brasileira trabalhando diretamente pela destruição dos povos originários, enquanto atua em conluio com garimpeiros, golpistas e terroristas.

    É preciso que fique claro que o genocídio sofrido pelos Yanomami não foi um mero caso de incompetência e omissão de um governo, mas um projeto de governo dos militares.

    The post Bolsonaro recuperou projeto da ditadura militar contra os Yanomami: mão de obra ou extinção appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.


  • BRASÍLIA, DF, 12.12.2022 - PROTESTO-DF: Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) entram em confronto com a polícia e promovem depredação após confusão iniciada na sede da Polícia Federal, em Brasília, na noite desta segunda-feira; diversos ônibus e carros foram queimados. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

    Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

    No fim do mês passado, escrevi nesta coluna sobre a necessidade imperiosa de se punir os atos de terrorismo que começavam a tomar proporções perigosas. Naquele momento, os terroristas já haviam queimado ambulâncias, postos de pedágio, apedrejaram um caminhoneiro que furou um dos bloqueios e atiraram contra uma viatura policial. A bandidagem seguiu agindo sob o silêncio conivente de Jair Bolsonaro e protegidos pela impunidade.

    Os golpistas já estão há quase 2 meses cometendo crimes na frente dos quartéis e nas estradas, sempre debaixo do nariz dos militares, que permanecem de braços cruzados. Como era claro que aconteceria, a impunidade fez com que a violência dos terroristas fosse escalando ainda mais. O ápice se deu na noite da última segunda-feira, após Lula ter sido diplomado como presidente da República. Brasília foi transformada em um palco de guerra. Os golpistas que estão acampados em frente aos quartéis, depredaram e incendiaram diversos carros e ônibus, explodiram botijões e tentaram invadir a sede da Polícia Federal. Os policiais reagiram com bombas de efeito moral e balas de borracha — uma ação repressiva bastante comum em protestos de professores, mas raríssima contra os atos criminosos de extrema direita. Apesar da reação, ninguém foi preso em flagrante.

    Dizer que os policiais teriam efetuado muitas prisões em flagrante caso os terroristas fossem de esquerda é uma obviedade. Basta lembrarmos das manifestações de 2013, quando Rafael Braga foi condenado a quase 5 anos de prisão por — vejam só que ironia! — violar o Estatuto do Desarmamento. Ele portava na mochila uma garrafa de Pinho Sol e outra de água sanitária, que supostamente seriam usadas para fabricação de coquetel molotov. Trata-se de uma brincadeira de criança se compararmos com o que têm feito os criminosos da extrema direita nos últimos dias. É o famoso Estado Democrático de Direita funcionando normalmente.

    Diante das cenas de alto grau de violência, políticos e militantes bolsonaristas praticaram seu esporte favorito: culpar a esquerda. Segundo eles, esquerdistas se infiltraram entre eles para cometer crimes e queimar o filme do bolsonarismo. Mas eles não apresentaram nem um mísero indício que sustentasse a tese. Claro, essa é só mais uma conspiraçãozinha fajuta que agride a lógica e o bom senso, mas que serve para alimentar o gado alucinado.

    Bolsonaristas usaram como pretexto para a tentativa de invasão à sede da Polícia Federal a prisão do Cacique Serere, um indígena apoiador de Jair Bolsonaro. A prisão dele foi decretada pelo STF após um pedido da PGR. Serere organizou a invasão à sala de embarque no aeroporto de Brasília e convocou pessoas armadas para tentar impedir a diplomação de Lula. Serere é um criminoso que foi alçado à condição de cacique pelo bolsonarismo, já que a sua comunidade indígena não o reconhece como tal. Serere quase completa a cartela do bingo da picaretagem bolsonarista: é filiado ao partido de extrema direita Patriota, foi candidato a prefeito no interior do Mato Grosso sem apoio da comunidade indígena, é financiado por um fazendeiro bolsonarista, atua como pastor evangélico e já foi preso por tráfico de drogas. Depois de Kelmon, o falso padre, agora o bolsonarismo tem também um cacique fake pra chamar de seu.

    Parece que finalmente os bolsonaristas criminosos começarão a ser punidos. Além da prisão do falso cacique, na semana passada o ministro Alexandre de Moraes já havia determinado multa de R$ 100 mil aos proprietários de caminhões identificados nos bloqueios no Mato Grosso. Além da multa salgada, Xandão bloqueou os documentos e proibiu a circulação desses veículos. A investigação revelou ainda que parte desses caminhões já esteve envolvida em crimes como tráfico de drogas, contrabando e crimes ambiental. Esqueça o caminhoneiro tiozão que se informa pelo zap. Estamos falando de uma bandidagem da pesada.

    Na última quarta-feira, a bandidagem bolsonarista sofreu um novo revés. Em uma ação engatilhada por Xandão, a Polícia Federal desencadeou a maior operação contra os financiadores dos atos golpistas até agora. Foram cumpridos mais de 100 mandados de busca e apreensão contra os golpistas em diversos estados. Xandão determinou a quebra de sigilo bancário, o bloqueio de contas de dezenas de empresários, a apreensão de passaportes e a suspensão de certificados de registro de CACs. Só em um dos endereços em Santa Catarina foi encontrado um arsenal de guerra: 11 armas, entre elas uma submetralhadora, um fuzil, um rifle com luneta e muita munição.

    Não basta punir os autores e financiadores dos crimes. É preciso ir pra cima dos mandantes principais.

    Dois deputados bolsonaristas do Espírito Santo, Carlos Von Schilgen (Democracia Cristã) e Capitão Assumção (PL), também foram alvo da operação. Eles são acusados de crime contra a honra, incitação ao crime e tentativa de golpe de estado. Os deputados estão proibidos de sair do estado, usar as redes sociais, dar entrevistas, participar de eventos públicos e devem usar tornozeleiras eletrônicas.

    Xandão também quer entender a conivência das autoridades com os criminosos que transformaram Brasília em um cenário de guerra na última segunda-feira. Ele estabeleceu um prazo de 48 horas para que o ministro da Justiça e o governador do DF expliquem quais foram as ações adotadas para conter os terroristas.

    Mas é preciso ir além. Há muitas digitais do governo federal presentes na coordenação dos atos violentos. Não se trata apenas de conivência. Em entrevista para a revista Fórum, um servidor da Polícia Federal lotado na Presidência acusa o GSI de coordenar os atos terroristas em Brasília. Sergundo ele, trata-se de um caso de “terrorismo de Estado” que foi planejado pela Inteligência do Planalto. “O GSI está na cabeça disso, e o uso da área do QG, que é militar, é do Exército, não é à toa. (…) O GSI tem hoje poder para controlar mais de mil militares diretamente lá dentro (do QG do Exército e nos acampamentos) e eles estão literalmente bancando, mantendo e abrigando essa gente lá dentro (da área do QG) e logicamente ninguém fardado está aparecendo, porque essa é a forma de operar deles, uma guerra híbrida que alimenta e fomenta tudo que está ocorrendo ali. É explícito para quem está perto que o GSI está incitando isso com esses civis, todo mundo que está por ali (Gabinete da Presidência) sabe disso”, denunciou o servidor. O GSI, comandado pelo General Heleno — aquele que lamentou o fato de Lula não estar doente — nega o conluio com os terroristas.

    Desde que ficou sabendo o resultado da eleição, o país assistiu aos terroristas agredindo, ameaçando, sabotando, saqueando, sequestrando e incendiando o país. Faltando apenas 15 dias para a posse de Lula, parece que finalmente a democracia reagiu e começou a enquadrá-los. Mas não basta punir os autores e financiadores dos crimes. É preciso ir pra cima dos mandantes principais. Todos os indícios apontam para Jair Bolsonaro e a cúpula das Forças Armadas. É preciso expurgar o mal pela raiz para que ele não volte a atormentar a democracia nunca mais.

    The post A escalada violenta dos bolsoterroristas é fruto da conivência das forças de segurança appeared first on The Intercept.

  • wando-folha-de-sao-paulo-faria-lima-site

    Ilustração: The Intercept Brasil

    Apenas duas semanas após a eleição de Bolsonaro, a Folha publicou um editorial intitulado “Ensaio de otimismo — Agenda liberal e formação da equipe encorajam previsões mais favoráveis para a economia”. Os donos do jornal se mostraram otimistas com o então governo eleito. Segundo eles, “a agenda liberal do presidente eleito” e a “equipe gabaritada de Paulo Guedes” seriam o grande motivo desse otimismo.

    Corta para 2022. Apenas duas semanas após a eleição de Lula, a Folha publicou um editorial intitulado “Mau começo — Lula ignora que responsabilidade fiscal é social e mina confiança em seu governo”. Os donos do jornal se mostraram pessimistas com o governo eleito. Segundo eles, “Lula conseguiu derrubar grande parte das esperanças de que seu governo irá adotar uma política econômica racional e socialmente responsável”.

    MANCHETE-folhadesp

    Montagem com dois editoriais da Folha, sobre o começo do governo Bolsonaro e de Lula .

    Montagem Intercept Brasil.

    A presença de Paulo Guedes no governo Bolsonaro trouxe otimismo para a turma da Faria Lima e outros tarados pela agenda neoliberal, como os donos da Folha. O discurso golpista e fascista de Bolsonaro não atrapalhou esse otimismo. O posto Ipiranga estava ali para garantir o enxugamento do Estado com privatizações e cortes nos gastos públicos. Já a promessa de Lula de que aumentará os gastos com serviços públicos prestados aos que mais dependem do Estado — os mais pobres — dá calafrios nos faria limers e na maioria dos donos da imprensa. É o desprezo pelos mais pobres que norteia os humores dos ricos obcecados pelo Estado mínimo.

    Nas últimas semanas temos assistido à consolidação desse sufocamento dos gastos públicos em nome da responsabilidade fiscal. O processo de transição trouxe à tona a hecatombe promovida pela agenda ultraliberal de Paulo Guedes. O país está falido. O fim do governo Bolsonaro escancara a realidade de um Estado agonizante, que não tem dinheiro nem para comprar papel higiênico para as universidades. O cumprimento do teto de gastos é a justificativa para o corte de verbas destinadas a áreas essenciais como Educação e Saúde. É revoltante constatar que essa responsabilidade fiscal de araque seja pregada no último mês de um governo que arrombou o teto de gastos nos meses anteriores para comprar votos através de orçamento secreto. Revoltante, mas não surpreendente. O cinismo é uma das grandes marcas do bolsonarismo.

    Dito isso, é importante registrar que a situação de calamidade em que nos encontramos não é resultado de uma crise criada por um governo trapalhão, mas da consolidação de um projeto de destruição do Estado que não começou no governo Bolsonaro. Ele vem desde a derrubada do governo Dilma, cujo objetivo foi justamente o de dar fôlego a esse processo de sufocamento do Estado. O teto de gastos implantado por Michel Temer, com apoio maciço da imprensa, do alto empresariado e dos mercados, representou uma camisa de força no Estado brasileiro. O trágico fim do governo Bolsonaro é o ponto final da Ponte para o Futuro construída por Temer.

    O novo bloqueio de gastos do governo federal no Orçamento de 2022 prejudicou várias áreas e interrompeu diversos serviços fundamentais do país. Os cortes chegam a quase R$ 6 bilhões. A administração do governo está paralisada porque não há mais dinheiro para nada. Coisas básicas como a emissão de passaportes pela Polícia Federal e a manutenção dos carros da Polícia Rodoviária Federal foram prejudicadas. As áreas mais afetadas pelos cortes são justamente as que o bolsonarismo mais desprezou durante o mandato: educação e saúde.

    No governo Bolsonaro, o Ministério da Educação, o MEC, virou cabide de emprego para lunáticos saídos da escolinha do professor Olavo de Carvalho. Nos quatro anos de bolsonarismo, a pasta teve cinco ministros diferentes, todos sem nenhuma experiência administrativa no setor, mas com muito fanatismo ideológico. O MEC virou um instrumento de luta contra o marxismo cultural — esse monstro fabricado pela mente doentia de Olavo de Carvalho. Foram quatro anos de ataques ao Enem, perseguição a professores, precarização da pesquisa científica e muita, mas muita corrupção. A pasta sofreu um desmonte sem precedentes. O orçamento previsto pelo governo para o MEC no próximo ano é de R$ 12 a 15 bilhões abaixo do montante mínimo para o básico funcionar.

    Falta dinheiro para coisas básicas como pesquisas, livros didáticos, transporte escolar, merenda e papel higiênico. O desenvolvimento da ciência no país sofreu um tombo nunca antes visto. Os cortes levarão a um calote que atingirá 200 mil pesquisadores da Capes e 14 mil médicos residentes de hospitais federais. O funcionamento básico de todas as universidades federais está ameaçado. O Brasil virou uma nação em ruínas.

    Mas isso não aconteceu da noite pro dia. A destruição do MEC talvez seja o projeto mais bem sucedido do governo Bolsonaro. Como esquecer da declaração do mais olavista dos ministros, Ricardo Velez, que afirmou que “universidade não é para todos, mas somente para algumas pessoas”?

    O projeto de destruição da saúde pública também tem sido bem sucedido. Depois de acumular quase 700 mil mortes por Covid, o país pode ter que descartar 13 milhões de doses de imunizantes contra a doença com prazo de validade prestes a expirar por falta de planejamento. Segundo o TCU, trata-se de um prejuízo de quase R$ 2 bi. O Ministério da Saúde tem resistido aos pedidos de informações feitos pelo governo de transição. Não se sabe qual é o estoque de medicamentos na rede pública. Não se sabe quantas pessoas estão na fila em busca de atendimento no SUS. Não se sabe sobre a previsão de aquisição de vacinas do Programa Nacional de Imunizações. Não se sabe nada.

    O que se sabe é que Bolsonaro bloqueou mais de R$ 1,6 bilhão do orçamento da Saúde. Soma-se a isso mais R$ 2,23 bilhões que ele havia bloqueado anteriormente. São quase R$ 4 bilhões em cortes na Saúde. Trata-se de uma tragédia para a vida das pessoas que dependem do SUS, mas mais um dia normal para os tarados do Estado mínimo que têm plano de saúde que cobre o Sírio Libanês.

    A aprovação da PEC da Transição nesta semana é uma vitória de Lula na contenção dos danos da tragédia instalada por Bolsonaro. O texto da proposta prevê a destinação de R$ 145 bilhões para o pagamento do Auxílio Brasil, bem como um furo do teto de gastos em R$ 23 bilhões, que ajudariam o governo a honrar seus compromissos deste final de ano.

    As informações colhidas pelo governo de transição mostram muito mais do que meros cortes de verbas, mas uma completa destruição do Estado. Mesmo com essa calamidade promovida por Paulo Guedes, o mercado e setores da imprensa seguem cobrando do novo governo o uso da mesma cartilha que nos trouxe até aqui. O que vemos hoje não é apenas resultado de um governo comandado por um fascista maluco. É a conclusão de um projeto antigo apoiado pelo mercado financeiro e pelo grosso da imprensa. A dilapidação do Estado brasileiro é um projeto dos mais ricos. Se a Folha e os mercados estão pessimistas com o governo, então temos motivos para sonhar com um país melhor.

    The post Bom sinal! Os Faria Limers e a Folha estão pessimistas appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.


  • GettyImages-1244385455-terrorismo-golpismo-exercito-bolsonaro

    Foto: Pedro Vilela/Getty Images

    “Bombas caseiras feitas de garrafas com gasolina, rojões, óleo derramado intencionalmente na pista, ‘miguelitos’ (pregos usados para furar pneus), pedras, além de barricadas com pneus queimados, latões de lixo, e troncos de árvores cortados e jogados deliberadamente na pista”, foi assim que a Polícia Rodoviária Federal de Santa Catarina relatou em nota como foram os protestos golpistas no estado nessa última semana.

    A corporação afirmou ainda que os atos foram na maior parte dos casos “ocorrências criminosas e violentas, promovidas no período noturno por baderneiros, homens encapuzados extremamente violentos e coordenados”. Segundo a PRF, na maior parte dos cerca de 30 pontos de bloqueio, “os métodos utilizados lembraram os de terroristas”. Apesar da nota dura, a polícia catarinense prendeu apenas um terrorista, que foi solto no dia seguinte e já está dormindo no quentinho da sua cama.

    A escalada golpista já ultrapassou a fronteira do terrorismo. Os atos violentos aconteceram também em outros estados. No Mato-Grosso, onde Bolsonaro teve quase 70% dos votos, os golpistas  se mostraram ainda mais numerosos e violentos. No interior do estado, homens armados atacaram a base da concessionária que administra a BR-163 com tiros e coquetéis molotov. Queimaram guinchos, ambulâncias, os postos de pedágio e atiraram contra uma viatura policial.

    Em Rondônia, os terroristas destruíram uma tubulação de água de um reservatório do município de Ariquemes, deixando parte da população sem abastecimento de água. Caminhões foram depredados, saqueados e incendiados. Um caminhoneiro que tentou furar o bloqueio foi perseguido, apedrejado e imobilizado com uma corda.

    No interior do Paraná, uma van em excursão para o Beto Carrero, com 12 alunos e uma professora, colidiu com uma barreira de terra erguida pelos terroristas no meio da madrugada. Alguns estudantes  ficaram feridos.

    Já faz quase um mês que os golpistas estão nas ruas incitando as Forças Armadas a se levantarem contra outras instituições — o que é inequivocamente um crime — sem que nada lhes aconteça. Esses protestos são criminosos mesmo quando pacíficos. Como se já não bastasse a impunidade, esses golpistas ainda costumam ser tratados a pão-de-ló pelas polícias que deveriam prendê-los. A escalada de violência iniciada por parte desses criminosos na última semana é, portanto, uma consequência natural. Naturalizou-se o crime e, nessa toada, o próximo passo será a naturalização de atos terroristas.  A escalada de violência se iniciou logo após uma decisão do ministro Alexandre de Moraes que bloqueou as contas bancárias de 43 bosonaristas suspeitos de financiarem os protestos na frente dos quartéis e nas estradas. A represália é clara. Os criminosos estão testando os limites do judiciário. Os ataques violentos tendem a aumentar se os líderes e financiadores do golpismo não começarem a ser presos.

    Esqueça o vovô e a vovó reaça que vão de bengala e bandeira do Brasil pedir golpe na frente de quartel. Esqueça os idiotas que estão nas ruas pedindo socorro aos alienígenas. Esses reaças caricatos são inofensivos, apesar de igualmente criminosos. Agora a coisa extrapolou para a bandidagem armada e organizada. Uma bandidagem que atira na polícia, taca fogo em caminhão e ambulância, amarra e apedreja motorista que fura bloqueio, rouba carga de caminhão e protagoniza uma série de outros atos terroristas.

    O bolsonarismo está agonizando, mas isso não deve ser motivo para comemorarmos.

    Tudo isso está acontecendo sob o silêncio conivente do presidente da República, que abandonou o trabalho desde que perdeu a eleição e só voltou recentemente para organizar uma outra frente do golpismo. Bolsonaro busca criar fatos políticos que façam com que os golpistas nas ruas sigam mobilizados. O último factóide foi uma ação aberta no TSE  pedindo a anulação dos votos de quase 280 mil urnas que estariam com problemas. Valdemar da Costa Neto, aquele que sempre defendeu a lisura das urnas eletrônicas, foi pressionado por Bolsonaro para contestar judicialmente o segundo turno das eleições. A petição foi baseada numa auditoria fuleira criada por um instituto ligado ao bolsonarismo.

    Alexandre de Moraes, o terrível Xandão, deu 24 horas para o PL apresentar também a auditoria dessas mesmas urnas no primeiro turno, o que não aconteceu. Claro, a anulação das urnas no primeiro turno poderia prejudicar a eleição da base parlamentar e dos governadores do PL. Valdemar, então, convocou uma nova coletiva e recuou, dizendo que não pretendia anular as eleições. Mas não deu muito certo. No despacho em que pede para a corregedoria eleitoral apurar o caso, Xandão apontou litigância de má-fé por parte da coligação bolsonarista e citou “possível cometimento de crimes comuns e eleitorais com a finalidade de tumultuar o próprio regime democrático brasileiro”. Além disso, impôs uma multa de R$ 22,9 milhões à coligação.

    Valdemar sabe que não há problema nenhum com as urnas, mas cumpre as ordens do capitão porque tem uma dívida —  e o rabo preso — com ele. O PL se agigantou com a chegada de políticos bolsonaristas, tornando-se a maior bancada da Câmara e do Senado. Hoje, Valdemar é o político que hoje comanda o maior orçamento do fundo partidário. E, como se sabe, é esse tipo de coisa que historicamente moveu Valdemar na política brasileira. Xandão acertou em mexer no bolso da turma, ainda que isso seja insuficiente para frear a violência do movimento golpista nas ruas e pode até alimentá-la.

    No dia seguinte à decisão, Bolsonaro interrompeu o abandono de emprego mais uma vez para se reunir com a cúpula das Forças Armadas, que são direta e indiretamente responsáveis pela escalada de violência nos atos golpistas. Indiretamente por se omitir, diretamente por instigar os atos criminosos com declarações de apoio. Uma série de generais e coronéis tem feito declarações em apoio aos criminosos que se aglomeram em frente aos quartéis e nas estradas. Ataques dos militares a Xandão, Lula, Alckmin e PT, por exemplo, foram normalizados. Esse tipo de manifestação político-partidária de agentes das Forças Armadas é proibida, mas sabemos que eles não temem a lei.

    A última vez que Bolsonaro havia se reunido com a cúpula das Forças Armadas foi no último dia 11. Horas depois da reunião, comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica divulgaram uma carta em que não recriminam os protestos golpistas em frente a quartéis Brasil afora e defenderam a liberdade dos “manifestantes”. Nesta semana, o general Braga Netto, foi além e incentivou de maneira velada os criminosos a continuarem a cometer crimes: “não percam a fé. É só o que eu posso falar agora”, disse depois de abraçar os golpistas na rua.

    O caráter terrorista que os atos golpistas têm tomado são resultado direto do incentivo do Presidente da República, das Forças Armadas e de políticos bolsonaristas. Esses movimentos não podem mais ser tratados de maneira cômica, como sendo fruto de uma meia dúzia de lunáticos que acreditam em mentiras absurdas do Whatsapp. Por trás deles existe uma máquina financiada, que não deve ser subestimada. De qualquer maneira, essa máquina começa a dar sinais de problema. O bolsonarismo está agonizando, mas isso não deve ser motivo para comemorarmos. É nesse momento em que ele se torna mais perigoso. O golpe não vingará, mas o estrago pode ficar muito maior. Qual será o próximo passo dos terroristas? Homens-bomba?

    The post Temos que deixar de olhar como piada e enxergar como terrorismo appeared first on The Intercept.


  • coluna-wando-bolsonarosumiu

    Ilustração: The Intercept Brasil/Andre Coelho/Bloomberg/Getty Images

    Bolsonaro sumiu. Ficou deprimido e abandonou o emprego. Para o país, nada mudou, já que o futuro ex-presidente nunca foi muito afeito ao batente. Nos 4 anos de mandato, Bolsonaro se comportou como se estivesse em campanha eleitoral permanente, atacando adversários e as instituições, passeando de moto, jet ski e confraternizando com a sua criação de gado no cercadinho. A impressão que se tem é que em poucas semanas como presidente eleito, Lula já acumulou mais horas trabalhadas como presidente do que Bolsonaro nos quatro anos de mandato.

    No noticiário, Lula já é tratado como presidente empossado. O destaque não tem sido o boicote do governo Bolsonaro ao processo de transição nem os milhares de criminosos que permanecem em frente aos quartéis pedindo um golpe militar para impedir a posse do novo presidente. O que tem dominado o noticiário é o mimimi dos Faria Limers com a sinalização de que Lula irá furar o teto de gastos — esse dispositivo anti-pobre que Temer instalou no governo — e a carona que o presidente eleito pegou no jatinho de um amigo empresário para ir à COP 27, no Egito.

    Apesar de não haver qualquer crime na carona, de fato, não é prudente para um governante eleito viajar no jatinho de um grande empresário com grandes interesses. É óbvio que o fato deve ser noticiado, mas as circunstâncias em que ele ocorreu deveriam ser pesadas. O que se viu foi uma reação desproporcional, com o noticiário sendo tomado por manchetes e colunas de opinião histéricas, dando ares de crime ao episódio. O mesmo aconteceu quando Lula sinalizou que iria furar o teto de gastos para bancar os programas sociais, o que nada mais é do que uma promessa feita por ele em campanha. É um “mau começo”, disse o editorial da Folha e também os colunistões mais badalados da grande imprensa.

    As circunstâncias não deram muitas opções para Lula participar do evento. A equipe da Polícia Federal, que faz a segurança do presidente eleito, recomendou um voo particular. Claro, ele não poderia embarcar em voo comercial e correr o risco de ser atacado por um bolsominion alucinado. Mas um voo particular ao Egito custa uma fortuna e o PT alega não ter recursos para financiar as viagens programadas para acontecer antes da posse. As verbas do fundo eleitoral também não poderiam ser usadas após a eleição. Diante da falta de opções, Lula calculou que seria melhor arcar com o custo político da carona do que ficar de fora de um evento de grande importância para o Brasil e o mundo.

    O episódio ganhou as grandes manchetes e o escrutínio intenso do colunismo nacional. Houve manchete afirmando que a carona no jatinho “ofuscou” a passagem do presidente eleito pela COP 27, o que parece ser mais um desejo do que um fato. Lula, mesmo sem mandato, foi tratado como a grande estrela do evento pela imprensa internacional. O New York Times classificou sua passagem pelo evento como “exuberante”. A Bloomberg disse que ele foi “recepcionado como herói”. A Reuters afirmou que ele foi “recebido como um astro do rock”. O Brasil deixou de se tornar motivo de chacota internacional para voltar a ser tratado como um ator global relevante. Apenas no noticiário brasileiro o sucesso de Lula no Egito foi ofuscado pelas manchetes sobre o jatinho.

    O escarcéu em torno da carona não contribui em nada para o país, mas alimenta o ego do jornalista viciado no doisladismo — aquele que sente uma necessidade mortal de mostrar ao público que é um profissional isento capaz de bater em Lula e Bolsonaro, mesmo que para isso seja necessário forçar a barra. Alimenta também o imaginário dos lunáticos criminosos que se aglomeram em frente aos quartéis e que não aceitam a vitória de Lula.

    O estardalhaço em torno da viagem de um presidente que nem tomou posse foi inversamente proporcional ao barulho feito em torno da viagem que ministros do STF, o governador de São Paulo, o presidente do Banco Central e integrantes do TCU fizeram para Nova York para participar de um evento empresarial. O evento foi organizado pelo Lide, uma empresa de João Doria Jr. Esse episódio, sim, mereceria grande espaço na imprensa, mas pouco se falou. Revirei a internet atrás de textos críticos ao evento e só encontrei dois: uma coluna de Conrado Hubner, na Folha, e outra de Ricardo Mendonça, no Valor. A única coisa que ganhou destaque foram as agressões de bolsominions alucinados contra os juízes em solo americano. Sobre o evento em si, quase nada.

    Mais da metade do STF foi para Nova York com tudo pago pela empresa do político e empresário João Doria Jr. Também não há crime nisso, mas a promiscuidade entre juízes do principal tribunal do país com empresários em solo estrangeiro deveria ser motivo de intenso escrutínio do jornalismo brasileiro.

    Seis ministros estiveram presentes no convescote empresarial, representando mais da metade do Supremo, para falar sobre o tema “O Brasil e o respeito à liberdade e à democracia” sob a moderação do jornalista Merval Pereira. O evento foi patrocinado e apoiado por grandes bancos e empresas de diversos ramos de atividade: Banco Master, Acciona, Binance, Bracell, CNseg, Cosan, Eletra, J&F, Febraban, JHSF, Bradesco, Coelho da Fonseca e Grupo Safra. É no mínimo curioso que nenhuma das autoridades brasileiras presentes no convescote internacional, com exceção do chefe do Banco Central, tenha registrado a participação em suas agendas oficiais.

    A empresa de Doria é especializada em conectar o empresariado com governantes e servidores públicos de alto escalão. Trata-se de uma empresa de lobby, uma atividade que não é regulamentada no Brasil, mas que Doria faz há muitos anos e só interrompeu quando decidiu pular para o lado político do balcão. Durante esse tempo, a empresa continuou sob o comando da sua família. Isso não deveria ser tratado com tanta naturalidade.

    É desagradável ter que criticar o STF enquanto golpistas estão em frente aos quartéis pedindo o fechamento dele. Mas qual é o interesse para o país e para o povo brasileiro em ter mais da metade do tribunal confraternizando com a elite financeira, empresarial e política em um país estrangeiro? Absolutamente nenhum. Todos esses grandes empresários e políticos têm ou podem vir a ter algum interesse em casos julgados pelo STF. Como acreditar que haverá imparcialidade dos seis juízes presentes no evento quando um caso ligado a Doria ou seu grupo político cair no tribunal? E quando um caso do interesse dos grandes patrocinadores do evento tiver que ser julgado?

    “Não basta ao juiz ser honesto, tem que parecer honesto”. Essa não é apenas uma frase de efeito. É um preceito básico da magistratura. É estranho que mais da metade do STF viaje com voo, hotel 5 estrelas, alimentação e transporte em Nova York pagos por grandes empresários e isso não ganhe as manchetes.

    Essa flagrante promiscuidade foi tratada de forma lateral no noticiário, enquanto a viagem de um homem que ainda não exerce cargo público ganhou ares de escândalo. O fato é que Lula viajou para um evento de interesse público, enquanto o STF viajou para um evento de interesse privado. Mas apenas a viagem do presidente eleito mereceu destaque por parte dos jornalistões brasileiros que, curiosamente, são os mesmos que fecharam os olhos para os arbítrios da Lava Jato contra Lula e seu grupo político. Significa.

    The post De olhos bem fechados para a farra em Nova York appeared first on The Intercept.

  • 22167862-high

    Foto: Agência F8/Folhapress

    Como era previsto, Bolsonaro não reconheceu a derrota nas urnas ao fim da apuração. A tradição democrática de reconhecer publicamente a vitória do adversário não foi cumprida, algo que jamais havia acontecido. O silêncio do presidente soou como um recado para os seguidores da seita bolsonarista, que foram alimentados intensamente por ele nos últimos anos com conspirações sobre fraudes no processo eleitoral.

    O que se viu depois disso foi um show de horror. Como zumbis teleguiados pelo WhatsApp, seus eleitores passaram a bloquear estradas, agredir pessoas e ameaçar jornalistas. Tudo isso com o aval da Polícia Rodoviária Federal, órgão policial aparelhado pelo bolsonarismo, que prevaricou ao descumprir ordens judiciais para desobstruir as rodovias.

    Os policiais rodoviários se mobilizaram para atuar como seguranças dos criminosos que bloquearam as estradas. Lembremos que a PRF já havia prestado serviços ao golpismo no dia da eleição ao armar blitz nas estradas para dificultar a ida de eleitores de Lula às urnas. Após passar os últimos anos apontando fraudes inexistentes no processo eleitoral, o bolsonarismo usou a máquina do estado para tentar fraudar o resultado da eleição. Por mais que muitos tentem dourar a pílula, o nome que se dá a isso é tentativa de golpe de estado.

    O caos tomou conta do país, enquanto o mito permanecia calado, o que, indiretamente, insuflou os golpistas a permanecerem nas ruas. Quase 48 horas depois, veio o pronunciamento do líder. Ele não reconheceu a vitória de Lula e chamou os atos golpistas de “manifestações pacíficas”que são “bem-vindas”. Segundo ele, “os atuais movimentos populares são frutos de indignação e sentimento de injustiça de como seu deu o processo eleitoral”.

    Como sabemos, a “indignação” e o “sentimento de injustiça” não se baseiam em fatos do mundo real. Foram construídos artificialmente pelas fake news das redes bolsonaristas e pelas conspirações espalhadas pelo próprio Bolsonaro durante o ano eleitoral. O pronunciamento do presidente foi um incentivo à continuação dos atos golpistas.

    No zap bolsonarista, a ordem era desbloquear as estradas e montar acampamentos permanentes em frente aos quartéis. Para não comprometer criminalmente ainda mais o presidente, que responderá por diversos crimes depois que perder imunidade e foro privilegiado, a ordem era não citar o seu nome e se limitar a pedir uma “intervenção federal”, o que no mundo real chamamos de golpe.

    E lá foram os zumbis verde-amarelo cometeram mais crimes contra a democracia. Sim, não são criminosos apenas os caminhoneiros que bloqueiam estradas. A vovó e o vovô reaça que foram protestar em frente aos quartéis também cometem crimes contra o Estado Democrático de Direito quando contestam o resultado eleitoral e pedem um golpe para impedir que Lula tome posse.

    Na quarta-feira, 2 de novembro, Bolsonaro gravou um vídeo com cara de cachorro abandonado em que, pela primeira vez, pediu claramente para que os “manifestantes” – leia-se criminosos – desbloqueassem as vias. Por outro lado, seguiu incentivando os atos golpistas em frente aos quartéis que, segundo ele, fazem “parte do jogo democrático”. Pedir “intervenção federal” logo após o resultado de uma eleição democrática legítima não faz parte do jogo de democrático. A fala de Bolsonaro tem nome: incitação ao crime.

    Com o aval do presidente, o show de horror continuou. As imagens que passaram a circular revelam o esgoto cognitivo e moral no qual parte considerável dos brasileiros se encontra. No interior de Santa Catarina, uma multidão não viu problema em fazer a saudação romana, um gesto nazista. Eles juram que fizeram apenas um gesto de amor à bandeira, mas o fato é que Bolsonaro conta com o apoio dos neonazistas brasileiros desde os tempos de deputado. E sabemos também que o estado sulista é o que mais abriga células de organizações nazistas no país.

    Ensandecidos por áudios anônimos com informações falsas, os golpistas chegaram a comemorar nas ruas a prisão em flagrante de Alexandre de Moraes. Comemoraram também a comprovação de fraude nas urnas atestada pelos militares e a notícia de que o TSE seria destituído e substituído pelo Superior Tribunal Militar. Até um decreto da prisão de Lula foi comemorado. Um verdadeiro surto coletivo.

    A imprensa, mais uma vez, não deu nome aos bois. Quem comete crime, criminoso é. Mas o que se viu nas manchetes – com raras exceções como a Folha de S.Paulo e o Jornal Nacional – foram os golpistas sendo chamados de “manifestantes”, “bolsonaristas” ou “apoiadores de Bolsonaro”. É preciso chamar essa gente pelo nome ou continuaremos coniventes com quem atenta contra a democracia.

    O vovô e a vovó reaça precisam saber que não estão se manifestando democraticamente, mas cometendo crimes contra a democracia. Os últimos quatro anos de bolsonarismo normalizaram o golpismo. Atentar contra a democracia virou algo banal. É preciso que o jornalismo seja mais rigoroso com os golpistas. É uma questão de sobrevivência, já que a liberdade de imprensa depende da democracia.

    Agora, o país tem a obrigação de começar a enquadrar os líderes do golpismo. “Golpistas serão tratados como criminosos”, prometeu Alexandre de Moraes. Que assim seja. Não se pode mais passar pano para bandidagem antidemocrática. O futuro da democracia depende da punição rigorosa dos organizadores e financiadores dos movimentos golpistas.

    Foram muitos os crimes cometidos. Além da organização dos bloqueios recentes, tivemos uma sequência de crimes nos últimos dias: o da deputada Carla Zambelli na véspera da eleição, o assassinato misterioso durante a visita de Tarcísio a Paraisópolis, as blitz ilegais da PRF contra eleitores de Lula, a prevaricação dos agentes da PRF nos bloqueios, e por aí vai.

    Bolsonaro perdeu a eleição, mas o bolsonarismo continua a teleguiar quase metade do eleitorado brasileiro. O poder dessa seita seguida por milhões de brasileiros não pode ser subestimado. Nós já vimos do que eles são capazes.

    Se nada acontecer com os líderes do golpismo e com os agentes públicos responsáveis, o processo de corrosão do estado continuará. Primeiro, é preciso investigar o papel do futuro ex-presidente nesses crimes. Ele foi o principal incentivador do golpismo nos últimos quatro anos. Há abundância de provas para colocá-lo na cadeia por atentar contra o Estado Democrático de Direito. Sem isso, o governo Lula passará mais quatro anos sob ameaças golpistas. Não há dúvidas de que Bolsonaro poderá acionar seus zumbis a qualquer momento por qualquer motivo.

    The post Amotinados em frente aos quartéis precisam saber que cometem crimes contra a democracia appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • Brazilians Go to Polls in Tight Elections Polarized between Lula and Bolsonaro

    Ilustração: Rodrigo Bento; Getty Images

    O medo de ir para a cadeia é o que tem movido Bolsonaro nessa reta final de campanha. Nem os bilhões despejados de última hora para eleitores beneficiários de programas sociais, o uso do INSS para praticar golpe eleitoral e a coação de fiéis em igrejas e trabalhadores em empresas fizeram Bolsonaro subir nas pesquisas.

    Esta é uma eleição que já foi fraudada pelo uso indiscriminado e ilegal da máquina pública. Inconformados com a derrota iminente, Bolsonaro e sua gangue têm procurado desesperadamente por uma bala de prata que possa fazer o candidato fascista decolar nas intenções de voto.

    Como essa bala de prata não existe, precisaram fabricá-las nos porões do bolsonarismo. Ocorre que, como se sabe, políticos bolsonaristas são invariavelmente incompetentes e não têm talento nem para o golpismo. O que se viu foi uma sucessão de patacoadas na tentativa de criar um factoide com poder de interferir nas eleições. Até aqui, todas as balas de prata fabricadas acabaram se mostrando biribinhas de festa junina.

    Primeiro foi a cena armada para que Roberto Jefferson saísse como herói e Alexandre de Moraes como o grande vilão. Mas o aliado de Bolsonaro acabou perdendo a mão, lançou granadas de uso proibido e disparou mais de 50 tiros contra os policiais. O episódio pegou mal na opinião pública, e o presidente se viu obrigado a abandonar mais um bandido amigo ferido na estrada.

    Outra bala de prata que saiu pela culatra foi a do atentado fake contra Tarcísio no bairro de Paraisópolis, em São Paulo. A campanha do bolsonarista espalhou que o candidato havia sofrido um atentado enquanto fazia campanha. A história começou a ficar estranha, Tarcísio recuou da farsa, transformou em um tiroteio entre facções, mas Bolsonaro continuou explorando o factoide em sua propaganda eleitoral.

    A farsa foi desmontada nos últimos dias. Descobriu-se que um dos seguranças é da ABIN e que ele exigiu que o cinegrafista da Jovem Pan apagasse as provas de um crime que ele havia acabado de filmar. O Intercept ouviu testemunhas do caso em Paraisópolis e todas garantiram que os tiros partiram dos seguranças de Tarcísio. Sem estar portando armas, o jovem Felipe da Silva Lima, de 28 anos, foi executado com um tiro de fuzil, deixando três filhos menores de idade. O amadorismo seria cômico se não fosse trágico.

    Não satisfeitos em falhar miseravelmente na confecção dessas duas balas de prata, os bolsonaristas tentaram emplacar uma terceira a poucos dias da votação. Na última segunda-feira, o ministro das Comunicações Fábio Faria convocou uma entrevista coletiva prometendo anunciar uma bomba. Acompanhado do secretário-executivo da pasta, Fabio Wajngarten, o ministro denunciou “uma grave violação do sistema eleitoral”. Com base em auditorias feitas por empresas contratadas pela campanha, apontaram que rádios de todo o Brasil teriam veiculado mais inserções da campanha de Lula do que as de Bolsonaro.

    Eu assisti à coletiva ao vivo. A pompa dos dois ao fazer a denúncia contrastava com o olhar de desespero. Jornalistas perguntaram o nome das empresas que fizeram a auditoria que embasou a ação no TSE. Ambos se enrolaram e não responderam. Jornalistas insistiram na pergunta, mas continuaram no lero-lero.

    Na terceira vez que fizeram a mesma pergunta, Wajngarten respondeu “depois eu passo pra vocês”, e Fábio Faria encerrou a coletiva. Imediatamente as redes bolsonaristas batizaram o caso de “Radiolão” e passaram a gritar contra a fraude eleitoral em curso. A base parlamentar bolsonarista chegou a se mobilizar para colher assinaturas para a criação de uma CPI sobre o caso.

    A coisa toda tinha cor, cheiro e aparência de tramoia. E era. Depois que os nomes das empresas foram divulgados, ficou claro que não se tratavam de empresas de auditoria. Não são sequer empresas capacitadas para fazer esse tipo de monitoramento de inserções nas rádios. Os números da auditoria apresentados ao TSE não fazem o menor sentido. Foram inúmeras as aberrações encontradas na falsa denúncia.

    Bolsonaro mobilizou algumas das principais instituições do estado para discutir a possibilidade de um golpe nas eleições.

    Assim que recebeu a ação, o presidente do tribunal, Alexandre de Moraes, deu 24 horas para a coligação de Bolsonaro apresentar provas concretas de que rádios deixaram de veicular inserções. Moraes considerou a acusação “grave” e alertou que abriria investigação contra o candidato caso a campanha não provasse a denúncia. Segundo ele, o fato pode ser caracterizado como crime eleitoral se for constatado que quiseram “tumultuar” as eleições.

    Mesmo com o enquadro do TSE, o bolsonarismo dobrou a aposta. Políticos como o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o senador Lasier Martins passaram a gritar pelo adiamento das eleições. O golpismo foi atiçado nas redes. Segundo apuração da jornalista Daniela Lima, da CNN Brasil, a tese do adiamento das eleições foi discutida entre o primeiro escalão do governo, tendo o envolvimento de Ministério da Justiça, CGU e AGU. Bolsonaro mobilizou algumas das principais instituições do estado para discutir a possibilidade de um golpe nas eleições.

    Descobriu-se então que uma das tais empresas presta serviços para a empresa de Luciano Hang, o véio da Havan. Descobriu-se também que uma das donas da rádio que endossou a denúncia é uma militante bolsonarista das mais fanáticas. Trata-se de uma farsa tão mal montada, tão simplória, que só mesmo o desespero diante do fracasso eleitoral poderia explicar.

    Para complementar, apareceu um funcionário do TSE exonerado acusando o tribunal de persegui-lo por denunciar justamente o caso das inserções de rádio. Segundo ele, o tribunal prevaricou diante dos alertas feitos por ele. O TSE negou que ele tenha feito esses alertas.

    Além disso, esse tipo de fiscalização não é da competência do TSE e não cabe a um funcionário do tribunal fazê-la. O funcionário foi exonerado porque o tribunal identificou motivações políticas em sua atuação. Segundo o Estadão, ele costumava postar conteúdo antipetista e fake news de políticos bolsonaristas nas redes. O amadorismo é tão gritante que nem se preocuparam em checar as redes do comparsa. Até os planos de Cebolinha contra a Mônica conseguem ser mais sofisticados.

    Segundo apuração da jornalista Natuza Nery, Bolsonaro quis insuflar um golpe depois da resposta de Moraes. Bastante nervoso, chegou a ligar para alguns líderes civis e militares para angariar apoios para a radicalização, mas foi rejeitado por todos.

    Isolado nas intenções golpistas, fez um pronunciamento sobre o caso em que sustentou a farsa. Disse haver “provas contundentes” e atacou o TSE, mas evitou as costumeiras ameaças golpistas. Citou a suposta perseguição sofrida pelo funcionário do TSE e acusou o PT de envolvimento no esquema das inserções de rádio – sem apresentar provas, claro.

    “Aí tem dedo do PT. Não tem coisa errada no Brasil que não tenha dedo do PT. O que foi feito, comprovado por nós, pela nossa equipe técnica, é interferência, é manipulação de resultado. Eleições têm que ser respeitadas, mas, lamentavelmente, PT e TSE têm muito o que se explicar nesse caso”, disse um homem completamente desesperado.

    A farsa do “Radiolão” serve ao menos a dois propósitos: tentar reduzir danos dos impactos causados pelas duas últimas balas de prata que saíram pela culatra, desviando a atenção da opinião pública; e preparar o terreno para a contestação do resultado eleitoral. A ação firme e rápida do TSE nesse caso, somada ao amadorismo bolsonarismo, fez a tramoia sair pelo ralo.

    O desespero em criar novos factoides para insuflar o golpismo às vésperas da eleição nos revela que os bolsonaristas acreditam nas pesquisas, confiam nas urnas eleitorais e têm plena consciência de que sairão derrotados nas urnas amanhã. Que assim seja! E que a Justiça coloque todos os golpistas na cadeia!

    The post A alucinante e desastrada semana de Bolsonaro appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • SITE-pcc-bolsonaro-22-10-22

    Ilustração: Júlia Coelho/Intercept Brasil

    Há muitos anos, Bolsonaro e sua turma tentam associar Lula ao crime organizado de maneira criminosa. Agora, desesperados com a manutenção da liderança do candidato petista nas pesquisas nessa reta final, os bolsonaristas voltaram a investir alto nessa mentira.

    Nunca houve o mínimo indício de que exista alguma ligação de Lula com facções criminosas. No debate do último domingo, Bolsonaro acusou Lula de ir ao Complexo do Alemão protegido por traficantes, disse que a maioria dos presidiários do país votaram nele e afirmou categoricamente que Marcola, chefe do PCC, votou no Lula. É tudo mentira. Essas são as mais novas mamadeiras de piroca fabricadas nos porões do bolsonarismo.

    O presidente tem usado seu programa eleitoral, os veículos de imprensa vassalos e o gabinete do ódio para tentar emplacar a mentira de que Lula é um aliado do PCC. A campanha de Lula já entrou quatro vezes com representação no TSE contra quem associa o candidato à facção criminosa. Segundo apuração da Agência Pública, Aos Fatos e Núcleo Jornalismo, vídeos publicados pela Jovem Pan associando Lula ao PCC atingiram mais de 1,75 milhão de visualizações no YouTube. O conteúdo mentiroso foi identificado em mais de cem correntes de aplicativos de mensagens.

    O fato é que, se há um candidato na disputa que tem a simpatia da bandidagem, esse é Jair Bolsonaro. O goleiro Bruno, condenado por sequestrar, matar e ocultar o cadáver da mãe do seu filho, gravou vídeo chamando Lula de “bandido”e pedindo voto em Bolsonaro. Guilherme de Pádua, o assassino de Daniela Perez, é outro criminoso que faz campanha ativa por Bolsonaro. A deputada cassada e presa Flordelis, considera pela justiça mentora e mandante do assassinato do próprio marido, sempre foi e continua sendo uma bolsonarista raiz. Todos eles têm algo em comum: são criminosos que se escondem atrás da Bíblia.

    Não há nesses apoios nada além de uma demonstração de simpatia. Não é possível afirmar com base neles que Bolsonaro mantém ligações com a bandidagem. Mas há outros fatos que sustentam essa afirmação. A família Bolsonaro está historicamente ligada ao crime organizado, tendo inclusive empregado parentes de chefe de milícia no serviço público. Trata-se da mesma milícia apontada como autora do assassinato de uma adversária política do bolsonarismo, a vereadora Marielle Franco. Não é preciso forçar a barra para afirmar que essa família tem ligação carnal com o crime organizado do Rio de Janeiro. O histórico da aliança entre os Bolsonaros e as milícias cariocas está carregado de provas.

    Nessa semana, passou a circular no noticiário uma conversa pública entre o chefe máximo do PCC e o então deputado Jair Bolsonaro. O encontro se deu em 2001, em uma audiência da comissão especial de combate à violência da Câmara. Engana-se quem acha que foi uma conversa dura entre um ex-militar implacável com os criminosos e aquele que é considerado o maior líder da maior facção criminosa do país.

    Foi um bate-papo ameno, com risadinhas, algumas concordâncias e momentos de simpatia mútua. Em determinado momento, Marcola aponta que é necessário combater também os crimes de colarinho branco. Bolsonaro responde fazendo uma promessa: “No dia em que eu for ditador deste país, vamos resolver esse problema. Pode ter certeza disso aí”.

    Houve também discordâncias pontuais entre os dois, mas todas com muito respeito. Durante toda a conversa, Bolsonaro tratou o criminoso como “senhor”. O homem que costuma virar um bicho feroz com políticas e jornalistas mulheres, mostrou-se dócil quando ficou cara a cara com o chefão do PCC.

    Bolsonaro tratou Marcola como “senhor”. O homem que costuma virar um bicho feroz com políticas e jornalistas mulheres, mostrou-se dócil com o criminoso.

    Nessa campanha, Bolsonaro tem recebido apoio entusiasmado de Ney Santos, prefeito da cidade de Embú das Artes, no interior de São Paulo, uma figurinha carimbada aqui nesta coluna. Antes de entrar para a política, Ney Santos era um assaltante de altíssima periculosidade. Foi condenado por roubo, receptação e formação de quadrilha. Em 2003, foi preso em flagrante após assaltar um carro forte usando uma metralhadora 9mm. Segundo o Ministério Público, foi a partir dessa prisão que Santos entrou para o PCC, facção da qual se tornou um dos líderes em pouco tempo.

    Ainda segundo o MP, Ney Santos “constituiu fortuna de forma relâmpago, enveredando-se para a área política e candidatando-se para cargos públicos”. As investigações apontam que, paralelamente à vida política, ele continuou sendo o comandante do tráfico de drogas na região da zona oeste da grande São Paulo. Desde que saiu da cadeia e virou prefeito, Santos acumulou um patrimônio incompatível com sua renda: mais de R$ 100 milhões em apenas 4 anos. A maior parte dessa renda seria proveniente dos lucros dos postos de gasolina de sua propriedade.

    Os promotores não têm dúvidas de que esses postos são usados para lavar o dinheiro proveniente de crimes, principalmente do tráfico de drogas. Hoje, Ney Santos é um político do Republicanos, o partido da Igreja Universal que faz parte da base aliada de Bolsonaro. É outro que se esconde atrás da Bíblia. Nunca se soube de qualquer mal-estar dos bolsonaristas em manter uma aliança política com esse perigoso ex-presidiário.

    Imagem retirada do perfil de Ney Santos, do Partido Republicanos.

    No fim do ano passado, o presidente da República apareceu abraçado com um integrante do PCC em um evento beneficente ocorrido em Santos, São Paulo. Trata-se do ex-policial militar Fredy da Silva Gonçalves Bento, acusado pela Polícia Civil de ser o responsável por lavar dinheiro para o PCC. Pouco tempo antes de aparecer sorridente ao lado de Bolsonaro, o criminoso estava na cadeia cumprindo pena por associação ao tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Fredy é apontado como o braço direito de André do Rap, um dos principais chefões do PCC, responsável pelo envio de toneladas de cocaína do Porto de Santos para a Europa.

    É claro que essa foto não incrimina Bolsonaro. O presidente não tem como checar a ficha policial de todos que pedem para tirar foto. A foto prova apenas que um criminoso do PCC, bastante próximo da alta cúpula da facção, nutre simpatia por Bolsonaro.

    E de onde vem essa simpatia? Talvez venha de algumas políticas públicas do governo Jair Bolsonaro que ajudaram a fortalecer ainda mais o PCC. Os decretos que flexibilizaram o porte e o comércio de armas fez com que a maior facção criminosa do país se armasse com mais facilidade. Em 2019, o MPF alertou o governo federal através de uma nota técnica em que afirmava que os decretos facilitariam o desvio de armas para o crime organizado. Bolsonaro, claro, ignorou o alerta.

    Agora, em 2022, o noticiário nos informa que o PCC tem utilizado metralhadoras e fuzis legalizados. Sim, graças a Bolsonaro, o crime organizado teve o acesso às armas facilitado. Como há pouco ou nenhum controle e fiscalização no registro de CACs, agora o PCC pode comprar armas e munição legalizadas através de laranjas. Além disso, a “cesta básica do crime” – formada por fuzis, carabinas e pistolas – ficou até 65% mais barata depois dos decretos de Bolsonaro. Segundo o Estadão, não são apenas laranjas que compram armas.

    Com ajuda direta de Bolsonaro, agora o PCC não precisa mais gastar uma fortuna para traficar armas do Paraguai ou da Bolívia. Basta ir até a loja de armas mais próxima e comprar tranquilamente. O promotor de justiça Lincoln Gakiya contou ao Estadão que os integrantes do PCC “pagavam de R$ 35 mil até R$ 59 mil num fuzil no mercado paralelo e agora pagam de R$ 12 mil a R$ 15 mil um (fuzil calibre) 556 com nota fiscal”.

    Depois do liberou geral do Planalto, três criminosos do PCC conseguiram comprar armas em seus nomes com nota fiscal e tudo. Um deles já havia sido processado 16 vezes por tráfico de drogas e homicídio. O principal beneficiário pelos decretos das armas, portanto, não é o cidadão de bem que quer se proteger da bandidagem. É o PCC, que tem aumentado substancialmente seu poderio bélico gastando menos dinheiro.

    Não se sabe de alguma política pública implantada pelo presidente que tenha prejudicado os planos do PCC. No último debate, Bolsonaro bem que tentou inventar uma. Ele simplesmente inventou que o seu então ministro da Justiça, Sergio Moro, seria o responsável por transferir Marcola para um presídio federal de segurança máxima.

    A verdade é que o governo federal não teve qualquer influência na decisão. Quem pediu a transferência foi um promotor do MP-SP e quem deferiu a ordem foi um juiz estadual. E o presídio de segurança máxima para o qual Marcola foi transferido é o de Porto Velho, em Rondônia, que foi construído por… Lula.

    Em 2008, uma investigação da Polícia Federal descobriu um plano de Fernandinho Beira-Mar para sequestrar um dos filhos do então presidente Lula. A intenção do criminoso era forçar sua soltura e a de outros presos, entre eles Marcola, chefe do PCC. Como bem lembrou o jornalista Rubens Valente, “as facções odeiam os presídios federais, todos construídos pelo governo Lula na gestão de Thomaz Bastos, ação pioneira no país. A rígida segurança foi toda planejada e inaugurada pelo governo do PT. A acusação de Bolsonaro de suposta aliança do PCC com o PT em 2006 não pára de pé”.

    Apesar da campanha bolsonarista insistir em inverter os fatos, eles estão aí escancarados. Enquanto o governo Lula foi uma pedra no sapato do crime organizado, o governo de Bolsonaro foi uma mãe.

    The post As ligações de Bolsonaro com o PCC de Marcola e o crime organizado appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • Ex-governador Eduardo Leite (PSDB) - Debate com os candidatos ao Governo do Rio Grande do Sul, na filial da rede Bandeirantes de Porto Alegre, capital gaúcha, na noite deste domingo.

    Foto: Evandro Leal/Agência Enquadrar/Folhapress

    No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, o então candidato ao governo do Rio Grande do Sul Eduardo Leite não viu problema em declarar apoio a um candidato com discurso golpista, autoritário e fascista. O apoio foi incondicional, já que Bolsonaro não retribuiu o apoio ao candidato tucano no segundo turno do Rio Grande do Sul.

    Passados quatro anos, Leite agora busca a reeleição no segundo turno contra Onyx Lorenzoni, o candidato bolsonarista. Quase toda a esquerda gaúcha (PT, PSOL, PCdoB), de maneira incondicional, pregou voto útil em Leite para impedir a eleição de Onyx. O tucano teve a chance de reparar o erro de 2018 e se posicionar de maneira firme contra o bolsonarismo, mas preferiu lavar as mãos.

    Para justificar sua neutralidade na eleição presidencial, Leite lançou mão da crítica à “polarização” entre Lula e Bolsonaro. “O Brasil vive a eleição mais polarizada da sua história. Uma disputa que separa líderes de um mesmo partido, separa amigos e até mesmo famílias. Tudo se resume a Lula ou Bolsonaro e essa escolha simplifica e reduz tudo (…) Diante da responsabilidade que eu tenho de um projeto político na eleição estadual, eu não vou abrir o meu voto para presidente para não contaminar o debate e não deixar que se discuta apenas o Brasil e não o Rio Grande que é onde todos nós vivemos.”

    Leite trata a polarização entre Lula e Bolsonaro como uma mera disputa entre esquerda e direita, quando na verdade estamos diante de uma eleição plebiscitária: queremos democracia ou a consolidação de uma autocracia com tendências fascistas? Se essa fosse uma eleição convencional, o cálculo eleitoral pragmático de Leite seria compreensível. Mas estamos falando de uma eleição que decidirá o futuro da democracia no país.

    Na prática, o tucano coloca o seu projeto político pessoal à frente da luta pela defesa da democracia. Não há nada mais importante para o país, inclusive para o Rio Grande do Sul, do que a derrota de Bolsonaro. Mas Leite preferiu lavar as mãos e percorrer o caminho da falida terceira via. Diante da possibilidade dos fascistas continuarem aterrorizando o país, o tucano se omitiu de maneira covarde. E, como se sabe, a omissão em relação ao fascismo é praticamente sinônimo de apoio.

    A avaliação estratégica de Leite é a de que os votos da esquerda migrarão para ele independentemente do seu apoio a Lula. Isso é verdade. Sem titubear e sem esperar nada em troca, a esquerda gaúcha em peso apoiou o voto útil em Leite contra o candidato bolsonarista.

    Manuela d’Ávila, Tarso Genro, Olívio Dutra e todos os principais nomes da esquerda gaúcha prontamente prestaram apoio a Leite. Manuela deixou claro que não se trata de alinhamento ao tucano, mas de enfrentamento ao fascismo: “No RS, fomos e seremos oposição ao Eduardo Leite. Mas anular o voto não constrói uma alternativa popular. Eu votarei em Leite porque sou antibolsonarista e antifascista. Não quero um bolsonarista negacionista governador de meu estado”. Leite não quis assumir esse mesmo compromisso com a democracia e, muito provavelmente, não apoiaria o voto útil no petista Edegar Pretto caso ele tivesse ido ao segundo turno.

    Do ponto de vista eleitoral, de fato, é mais seguro para o tucano se manter neutro para segurar alguns votos antipetistas. Do ponto de vista moral, é uma tragédia.

    Não se cobra de Leite um apoio entusiasmado a Lula, mas pelo menos uma postura firme contra o grupo político que passou quatro anos destruindo o país e enfiando a faca no pescoço da democracia. Cobra-se de Leite uma posição não só contra o golpismo e o autoritarismo, mas contra o racismo, a homofobia, o machismo, o ódio aos pobres e a tudo o que o bolsonarismo representa.

    Diferentemente da sua candidata à presidência, Simone Tebet, que teve a grandeza de se posicionar contra o bolsonarismo no segundo turno, esse pragmatismo mesquinho do tucano revela um político pequeno, omisso, que não teve coragem de se posicionar contra a extrema direita autoritária que aterroriza o país. Preferiu ficar confortavelmente em cima do muro enquanto o país pega fogo.

    A ultradireita neofacista precisa ser derrotada em todos os cantos do país, nem que para isso tenhamos que apoiar aqueles que covardemente se omitem diante dela.

    Por oportunismo eleitoral, Leite se distanciou da grandeza de seus correligionários como FHC, Serra e Jereissati, que apoiaram Lula mesmo sendo ferrenhos opositores a ele. O gaúcho, que era considerado sangue novo no PSDB, poderia liderar uma nova trilha para o partido que foi contaminado pelo bolsonarismo, mas optou por se manter no caminho falido da terceira via e jogou mais uma pá de terra sobre o caixão tucano.

    A curto prazo, a neutralidade até pode lhe render frutos eleitorais, mas a longo prazo certamente lhe custará caro. A omissão vergonhosa em um momento crucial da história do país pode comprometer a carreira do político que sonha com a presidência da República.

    Além de Leite, outros tucanos como Pedro Cunha Lima, na Paraíba, e Raquel Lyra, em Pernambuco, também se acovardaram e lavaram as mãos em relação ao pleito presidencial. O PSDB sempre foi identificado como um partido mureteiro, aquele que entre a esquerda e a direita sempre preferiu ficar em cima do muro. A fama agora se consolida, mas com uma nova roupagem: entre o golpismo/fascismo e a democracia, os candidatos tucanos escolhem o muro.

    Uma das exceções é o PSDB paulista, que não ficou em cima do muro e prestou apoio à candidatura bolsonarista no maior colégio eleitoral do país. Se no Rio Grande do Sul os partidos de esquerda apoiam o candidato do PSDB em nome da defesa da democracia, em São Paulo o PSDB decidiu engrossar as fileiras da chapa que representa o fascismo nacional.

    Dito isso, é importante ressaltar que a vitória de Eduardo Leite é fundamental para aqueles que zelam pela democracia. Onyx Lorenzoni, além de ser um corrupto confesso, é o que há de pior dentro do bolsonarismo. Foi um ministro incompetente que se comportou como um vassalo de Jair Bolsonaro.

    A vitória de Leite é urgente não só para o Rio Grande do Sul, mas também para o país. Quatro anos com o neofascismo dominando o governo do maior estado da região Sul seria péssimo para o campo democrático. Os democratas precisam assumir de maneira firme e clara uma posição ao lado das candidaturas que disputam o segundo turno contra o neofascismo, sejam elas quais forem. A ultradireita neofacista precisa ser derrotada em todos os cantos do país, nem que para isso tenhamos que apoiar aqueles que covardemente se omitem diante dela.

    The post Eduardo Leite apostou alto na terceira via e pode acabar sem nada appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • SÃO PAULO, SP, 04.10.2022 - O presidente Jair Bolsonaro (PL) se reúne com Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Rodrigo Garcia (PSDB), em SP.

    Foto: Bruno Santos/Folhapress

    No mês anterior às eleições presidenciais de 2018, o tucano Tasso Jereissati deu uma entrevista em que praticamente decretou a morte do PSDB. Ele listou uma série de erros que levaram à destruição do partido.

    O primeiro foi ter questionado o resultado eleitoral de 2014, quando Aécio Neves perdeu para Dilma e levantou suspeitas de fraude que, mais tarde, se provariam infundadas por uma auditoria feita pelo próprio PSDB. O segundo erro apontado por Jereissati foi “votar contra princípios básicos só para ser contra o PT”. O terceiro e maior erro, segundo ele, “foi entrar no governo Temer. (…) Fomos engolidos pela tentação do poder”.

    Apesar de ser originalmente um partido de centro-esquerda alinhado aos princípios da social-democracia, o PSDB chegou ao poder e se consolidou nos governos FHC como um partido de centro-direita. Acabou se tornando o principal antagonista do petismo. Durante os governos petistas, o PSDB iniciou uma guinada ainda mais à direita e formou uma base eleitoral composta em boa parte por reacionários que, mais tarde, abraçariam o bolsonarismo. Como bem apontou Tasso, a derrocada do partido começou quando passou a flertar com o golpismo.

    O antipetismo alucinado fez com que o partido escolhesse os piores caminhos. Após questionar o resultado das eleições mesmo sem haver indício de fraude, o PSDB ainda atuou firmemente na farsa do impeachment de Dilma, apoiou com entusiasmo o lavajatismo pelo qual foi engolido e depois foi se acochambrar com o governo Temer. O pior aconteceu: a famigerada “Ponte para o Futuro” acabaria desembocando na cova do PSDB.

    A sigla começou a agonizar nas eleições de 2018, mas a vitória de Doria no maior colégio eleitoral do país deu alguma sobrevida ao partido. Para ganhar a eleição, o tucano teve que fazer uma campanha ferrenhamente anti-esquerdista, flertar com a extrema direita e trair tucanos tradicionais.

    Apesar da vitória em São Paulo, o desempenho do partido naquelas eleições foi o pior da sua história até então. Os tradicionais eleitores reacionários e antipetistas da sigla pularam rapidamente para o barco bolsonarista. Iniciava-se aí a derrocada. Em 2018, o partido perdeu 25 deputados federais em relação a 2014, teve desempenho pífio nas eleições estaduais e, nas presidenciais, obteve apenas 5% dos votos.

    Nessa última eleição, o PSDB foi ainda pior. Perdeu mais 9 deputados federais, não elegeu nenhum senador, nenhum governador no primeiro turno e terá muitas dificuldades nos estados em que disputará o segundo. Em São Paulo, perdeu a hegemonia de mais de três décadas e não disputará o segundo turno. Virou um nanico no estado em que até pouco tempo reinava absoluto.

    Se foi Doria quem deu sobrevida ao partido na eleição de 2018, foi Doria também quem ajudou a implodi-lo de vez ao colocá-lo no colo do bolsonarismo. Quando o tucano rompeu com Bolsonaro, já era tarde demais. O eleitorado tucano já havia sido engolido pela extrema direita com o partido votando a favor da maioria dos projetos do presidente.

    Alckmin trouxe Doria, que o traiu. Doria trouxe Garcia, que o traiu junto com a cúpula tucana. Agora, Garcia trai a cúpula tucana, fecha a tampa do caixão e irá embora antes de apagar a luz.

    Em São Paulo, o último bastião tucano, o PSDB boicotou a candidatura de Doria à presidência e abriu espaço para a chegada de um forasteiro, Rodrigo Garcia, ex-vice de Doria. Garcia saiu do DEM com o intuito de herdar o espólio eleitoral dos tucanos no estado, no que falhou miseravelmente ao ser derrotado no primeiro turno. Oportunista – uma característica própria de um afilhado políticoque se preze de Gilberto Kassab –, Garcia previu a provável vitória de Tarcísio no segundo turno e declarou apoio incondicional ao bolsonarista. Sem conversar com a cúpula do partido, o tucano também prestou apoio incondicional a Bolsonaro. Isso fez com que houvesse uma debandada geral no ninho tucano.

    Gustavo Covas, irmão do ex-prefeito tucano Bruno Covas, foi um dos que pediu desfiliação. O apoio incondicional de Garcia à direita extremista revoltou ala do partido ligada à família Covas. No ano passado, ao criticar medidas de contenção adotadas pelo ex-prefeito Bruno Covas em São Paulo, Bolsonaro se referiu de maneira covarde a ele como o “outro que morreu”. Bruno Covas, junto com Doria, foi quem trouxe Garcia para o PSDB. Mesmo assim, o ex-governador não hesitou em apoiar Bolsonaro de olhos fechados. Esses são alguns dos requintes de crueldade que envolvem o fim do PSDB. Garcia agora ensaia um retorno ao DEM (hoje União Brasil), que apoia Tarcisio. O afilhado de Kassab já está sonhando com um cargo de ministro no governo Bolsonaro.

    Alckmin trouxe Doria, que o traiu. Doria trouxe Garcia, que o traiu junto com a cúpula tucana. Agora, Garcia trai a cúpula tucana, fecha a tampa do caixão e irá embora antes de apagar a luz. Eis o fim trágico do PSDB. O partido, que foi protagonista em seis das oito eleições diretas para presidente desde a redemocratização, virou pó. O antipetismo empurrou os tucanos para a extrema-direita e transformou um gigante eleitoral em um nanico irrelevante no cenário político.

    O fim do PSDB é péssimo para a democracia. A polarização PSDB x PT era dura, às vezes agressiva, mas sempre esteve dentro de certos limites civilizatórios. O conservadorismo sempre foi forte no país. O PSDB era quem organizava essa força política até então.

    A partir de 2018, a pior face desse conservadorismo, o bolsonarismo, passa a ser o centro de comando, ocupando o espaço de antagonismo ao petismo e extrapolando todos os limites civilizatórios. O fim do velho PSDB fez com que o golpismo e o fascismo fossem normalizados como uma força política legítima. O PSDB é o responsável por deixar ser engolido pelo monstro que ajudou a criar.

    The post Como o antipetismo alucinado desfigurou o PSDB appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • Candidates Participate in Final Debate Three Days Before Presidential Elections

    Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Getty Images

    Bolsonaro passou quatro anos atacando o processo eleitoral, preparando o terreno para um golpe caso perca nas urnas. Sem apresentar provas nem sequer indícios, o presidente golpista nos garante que existe uma conspiração no TSE para impedir a sua reeleição.

    No ano passado, chegou a afirmar com todas as letras que hackers tiraram 12 milhões de votos dele na eleição de 2018. Os criminosos teriam sido contratados pela oposição para acessar os sistemas do TSE nos meses que antecederam a votação. Segundo ele, a fonte dessa informação são “essas histórias que rodam por aí”. No maior descaramento, o golpista confessa: “não tenho provas e não sei se isso é verdade”. O objetivo, claro, é plantar a semente da dúvida na cabeça da população e semear o terreno para deslegitimar a eleição e tentar um golpe para se manter no poder.

    À medida que a eleição vai se aproximando, Bolsonaro vai pisando cada vez mais fundo no acelerador do golpismo. A possibilidade de derrota no primeiro turno apontada pelas pesquisas fez o presidente golpista intensificar os questionamentos sobre a confiabilidade do processo eleitoral.

    No mundo conspiratório dos golpistas, a fraude nas urnas é dada como certa. Já no mundo real, a confiabilidade do sistema eleitoral só cresce desde que as urnas eletrônicas passaram a ser utilizadas. Pela terceira vez, observadores internacionais enviados pela OEA acompanharão as eleições brasileiras. Esses observadores são reconhecidamente técnicos especializados em administração eleitoral e democracia. Nessa semana, eles têm se encontrado com candidatos, representantes de partidos, presidente do Senado, presidente do TSE, presidente do STF, presidente da OAB, entre outros. Essa possivelmente será a eleição mais fiscalizada da história das eleições brasileiras. Esse excesso de transparência é uma pedra no sapato do golpismo que age nas sombras.

    Na última segunda-feira, o chefe da missão da OEA, o paraguaio Rubén Ramirez Lezcano, se reuniu com Jair Bolsonaro e saiu do encontro dizendo que a “reunião foi muito cordial”. O fato é que o presidente golpista não suporta a presença deles. Em maio, declarou: “Pode botar um milhão de observadores aqui. Eles vão observar o quê? Vão ter acesso ao código-fonte? Vão estar na sala secreta para ver como é a apuração? Qual o conhecimento deles de informática?”. Jair despreza a presença de observadores internacionais, porque sabe que eles confirmarão que o processo eleitoral é legítimo, assim como confirmaram nas duas últimas eleições.

    Na quarta-feira, o PL, partido do presidente golpista, emitiu uma nota apócrifa em que afirma categoricamente que o resultado da eleição pode ser fraudado por um grupo de servidores do TSE. Segundo o texto, uma auditoria contratada pelo partido teria encontrado “24 falhas” no sistema de votação. Provas disso? Nenhuma. Nenhum indício sequer foi apontado. Nada.

    O texto é um amontoado de suposições sem fundamento que servem apenas para tentar corroborar as mentiras disseminadas pelo presidente nos últimos anos. Apesar de não ter sido assinado por ninguém, o documento representa a posição oficial do partido. Ele se mostra alinhado às mentiras e ao golpismo do presidente. É grave.

    O medo de Bolsonaro perder a eleição e acabar na cadeia tem aumentado. Em consequência desse desespero, ele dobrou as apostas golpistas.

    O TSE respondeu de forma dura. Menos de quatro horas depois da nota golpista do PL, o tribunal determinou que integrantes do partido sejam investigados por produzir informações “falsas e mentirosas” sobre o processo eleitoral.

    Segundo nota do tribunal, as informações produzidas são “fraudulentas e atentatórias ao Estado Democrático de Direito e ao Poder Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral, em clara tentativa de embaraçar e tumultuar o curso natural do processo eleitoral”. O TSE identificou indícios de crime eleitoral e de atentado ao estado democrático de direito. Alexandre de Moraes determinou que o documento mentiroso do PL se torne alvo de investigação criminal no âmbito do inquérito das fake news.

    A contratação dessa auditoria foi um pedido de Bolsonaro ao partido. Segundo a Folha, o partido de Bolsonaro pagou R$225 mil ao instituto responsável pela auditoria, cujas conclusões mentirosas fundamentaram a nota golpista emitida pelo partido.

    A Corregedoria Geral da Justiça Eleitoral deu 24 horas para o presidente do PL, Waldemar da Costa Neto, explicar se usou dinheiro público na contratação da auditoria fake. Se ficar comprovado que foi usado verba do fundo partidário para esse fim — e tudo indica que foi —, estaremos então diante de um grave crime eleitoral, que pode levar à cassação da legenda depois das eleições.

    O curioso é que Waldemar da Costa sempre foi um entusiasta das urnas eletrônicas. Algumas horas antes de ser lançada a nota apócrifa do PL, o deputado esteve no TSE e confirmou que não existe a tal “sala secreta” em que é feita a contagem de votos — uma mentira repetida exaustivamente pelo presidente. A declaração irritou Bolsonaro, que exigiu do partido a divulgação imediata do estudo golpista. Foi por isso que o documento foi emitido sem assinatura: ninguém quis se comprometer com um texto ostensivamente criminoso.

    O medo de Bolsonaro perder a eleição e acabar na cadeia tem aumentado. Em consequência desse desespero, ele dobrou as apostas golpistas. Nessa semana que antecede a votação, o presidente encaminhou um texto por WhatsApp a vários contatos pregando ruptura institucional e ação dos militares caso Bolsonaro descumpra as “ordens ilegais” do STF. A CNN Brasil revelou o print do texto disparado pelo presidente:

    Trecho da mensagem que Bolsonaro disparou a contatos após a divulgação da nota golpista e apócrifa do PL.

    Os ataques de Bolsonaro contra Alexandre de Moraes também se intensificaram essa semana. Cada vez mais destemperado, o presidente gritou com o ministro do TSE em uma de suas lives: “seja homem!”.

    Moraes foi chamado de “moleque”, “patife” e ainda foi acusado de um crime grave: o vazamento de informações sigilosas de uma investigação da Polícia Federal sobre um possível esquema de rachadinha dentro do Palácio do Planalto. Nenhuma prova da autoria do vazamento foi apresentada por Bolsonaro, claro.

    Após anos de omissão do Congresso, da PGR e outras instituições que poderiam enquadrar o golpismo criminoso dos bolsonaristas, coube aos tribunais superiores agirem em defesa da democracia. As últimas ações do TSE e do STF contra os movimentos golpistas liderados pelo presidente acabam por ajudar a alimentar a narrativa de que o presidente é perseguido nos tribunais.

    Mesmo assim, tudo leva a crer que o golpismo bolsonarista está com os dias contados. Amanhã, 2 de outubro, teremos a chance de deixar o presidente golpista desempregado, sem foro privilegiado e tendo que responder a uma série de acusações de crimes gravíssimos, sustentados por provas irrefutáveis. Se Bolsonaro não for enterrado no primeiro turno, que seja no segundo. E que a justiça não deixe o golpismo impune!

    The post Bolsonaro pode perder eleições e acabar com PL ao mesmo tempo appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • Brazilian presidential candidate and Senator Simone Tebet (MDB) gestures during a meeting with Luciano Leiro (out of frame), President of the Association of Federal Police Delegates in Brasilia,  on September 6, 2022. (Photo by EVARISTO SA / AFP) (Photo by EVARISTO SA/AFP via Getty Images)

    Ilustração: The Intercept Brasil; Getty Images

    No último Roda Viva da TV Cultura, Steven Levitsky, autor de “Como as democracias morrem”, obra que trata dos ataques que as democracias do mundo vêm sofrendo por autocratas, falou sobre a importância de derrotar Bolsonaro no primeiro turno. Para ele, votar em um candidato da terceira via e não no democrata com chances reais de levar no primeiro turno — leia-se Lula — é uma escolha que coloca a democracia em risco.

    “Bolsonaro tentará deslegitimar os resultados das eleições. Não sabemos como, não sabemos se vai dar certo, mas ele vai tentar. (…) Bolsonaro vai tentar criar uma crise da mesma forma que Trump criou. O melhor caminho é evitar essa crise. É tirar o Bolsonaro da disputa logo no primeiro turno para que ninguém possa contestar uma derrota de lavada”, disse em resposta a uma pergunta do filósofo Joel Pinheiro.

    Levitsky disse ainda que, se todos se derem ao luxo de votar no seu candidato favorito da terceira via, a derrota de Bolsonaro no primeiro turno será apertada e isso criará condições mais favoráveis às suas intenções golpistas: “Esse foi o problema nos EUA. A disputa entre Trump e Biden foi acirrada. Isso contribuiu para que Trump alegasse que houve fraude. Portanto, a melhor maneira de se evitar uma crise, é uma vitória expressiva da oposição no primeiro turno. Votar num candidato da terceira via não vai nos levar a nada.”

    Não é preciso ser cientista político para saber que Bolsonaro venderá muito mais caro a derrota caso ela não ocorra no dia 2 de outubro. As ameaças do presidente são claras e diretas. Dependendo dos resultados das urnas, ele terá mais ou menos força para investir no golpismo e criar um episódio nos moldes da invasão do Capitólio nos EUA. Lá, cinco pessoas foram assassinadas.

    Aqui, antes de se abrir as urnas, já temos pelo menos dois petistas assassinados por bolsonaristas e uma série de ataques a pesquisadores de institutos de pesquisa como o Datafolha. Não dá para subestimar as consequências violentas de uma turba fanatizada e armada agindo a mando do seu líder. Uma vitória retumbante no primeiro turno certamente frustraria ou enfraqueceria as intenções golpistas do grupo.

    Enquanto parte da imprensa e do eleitorado reclama da polarização, Lula segue construindo uma frente ampla cada vez mais forte. Ele conseguiu juntar em torno da sua candidatura políticos e juristas de diferentes matizes, como Boulos, Henrique Meirelles, Alckmin, Marina da Silva, Luciana Genro, Cristovam Buarque, Miguel Reale Jr., Aloysio Nunes, José Gregori e por aí vai. A deputada Tábata Amaral, uma conhecida crítica dos governos petistas, tem pedido voto em Lula. Até FHC escreveu carta declarando apoio, ainda que implícito à candidatura do petista.

    A presença mais inusitada talvez seja a de Miguel Reale Jr., ex-ministro da Justiça e um dos autores do pedido de impeachment contra Dilma em 2015. “Sem perspectiva de vitória da terceira via, é importante que Lula vença no primeiro turno para impedir uma ação desesperada de Bolsonaro. Decidir por Lula é consequência de saber que assim se evitará ataques à democracia, à dignidade da pessoa humana e ao meio ambiente, que, com certeza, sucederão com maior intensidade em novo mandato de Bolsonaro”, declarou o jurista.

    Todos esses nomes já tiveram alguma desavença com Lula no passado, mas hoje se juntam a ele para um objetivo maior: a defesa da democracia. São oito ex-candidatos a presidente de seis partidos diferentes pedindo voto para Lula no primeiro turno. Não é pouca coisa.

    A falácia da polarização entre esquerda e direita não resiste mais aos fatos. A única polarização que existe hoje é entre uma frente ampla, composta por democratas de centro, direita e esquerda, e uma extrema direita autoritária, formada por golpistas e fascistoides. Aqueles que têm se dedicado a apontar as contradições existentes entre os integrantes da frente ampla, principalmente os entusiastas da terceira via, não entenderam o momento que vive o país e subestimam o poder devastador do bolsonarismo para a democracia.

    As diferenças entre eles continuam e continuarão existindo, mas todos ali entendem que uma frente ampla não se trata de um alinhamento de ideias e propostas, mas uma maneira de resgatar os princípios básicos do pacto civilizatório rejeitados por Bolsonaro.

    SÃO PAULO (SP), 19/09/2022 - ELEIÇÕES2022/LULA/CANDIDATOS/POLÍTICA - O candidato à presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa de encontro com  presidenciáveis de eleições passadas em São Paulo na manhã desta segunda (19). Entre os presentes: Guilherme Boulos, Luciana Genro, Marina Silva, Geraldo Alckmin, Cristovan Buarque, Henrique Meirelles, Fernando Haddad e João Vicente Goulart. (Foto: Yuri Murakami/TheNews2/Folhapress)

    Meirelles, ex-ministro de Lula e ex-candidato à Presidência, entrou com tudo na candidatura do petista.

    Foto: Yuri Murakami/TheNews2/Folhapress

    A pressão pelo voto útil no primeiro turno tem crescido não só entre políticos. Há uma onda crescente a favor do voto em Lula que inclui artistas, intelectuais e políticos de todas as cores ideológicas. Caetano Veloso e Tico Santa Cruz, dois ciristas de carteirinha, entenderam o risco que corremos se houver segundo turno e estão recomendando voto em Lula. Tem circulado um vídeo em que artistas famosos, muitos dos quais também se opuseram a Lula no passado, pedem voto no candidato petista ainda no primeiro turno.

    Essa onda pró-voto útil tem incomodado os candidatos que se reivindicam como terceira via, como Ciro Gomes, Simone Tebet e Soraya Thronicke. O eleitorado deles tem sido o principal alvo da campanha pelo voto útil. Segundo a última pesquisa Genial/Quaest, 26% dos eleitores aceitam mudar de voto para eleger Lula no primeiro turno. Para Ciro Gomes, pedir voto útil é uma prática autoritária dos “fascistas de esquerda”– um conceito antes existente apenas nas mentes doentias de olavistas e carluxos.

    Para Tebet, Lula pregar voto útil é um “desrespeito dele com a democracia e com o povo brasileiro”. Para Thronicke, o “voto útil é mais uma forma de enganar a população”. Os três querem transformar uma prática absolutamente democrática (pedir voto) em algo antidemocrático. Esse pensamento delirante é próprio de quem não compreendeu o tamanho do buraco em que nos metemos. O fato é que estão mais preocupados com suas candidaturas, em fortalecer seus nomes para futuras eleições, do que com a preservação da democracia.

    Pedir voto útil no democrata com mais chances de impedir a permanência da barbárie bolsonarista no poder não é uma ação autoritária. É um voto racional, consciente, estratégico.

    Ciro Gomes é o candidato que mais tem sofrido pressão para desistir da candidatura em favor de Lula. A pesquisa BTG aponta que mais da metade dos eleitores ciristas podem mudar de voto no primeiro turno; na Quaest, o índice é 33%. Enquanto Lula compõe uma frente ampla com setores de centro e direita, Ciro Gomes tem adotado um tom de ódio na campanha, se afastando do eleitorado de centro e fazendo acenos aos bolsonaristas. Hoje ele ataca ferozmente Lula e o PT e se vende como candidato antissistema. Já vimos esse filme.

    A pressão para que Ciro desista da candidatura é enorme até mesmo dentro do partido. Pedetistas e brizolistas históricos como Cidinha Campos romperam com a campanha de Ciro. “Os candidatos são Bolsonaro e Lula. Eu prezo muito meu partido, estou no PDT há mais de 40 anos. Não posso deixar que aconteça alguma coisa que coloque de volta este homem (Bolsonaro) no lugar. Portanto, eu vou declarar agora meu voto para presidente: eu vou votar no Lula”, afirmou Cidinha em seu programa de rádio.

    Além da pressão interna no PDT e do campo democrático, Ciro passou também a ser pressionado pela esquerda sul-americana. Nesta semana, um documento assinado por importantes artistas, políticos e intelectuais de esquerda do continente pede para que Ciro abandone o pleito. “É incompreensível para nós, na atual situação brasileira, sua insistência em apresentar sua candidatura presidencial para o primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, neste 2 de outubro, que sem o menor exagero pode ser considerado um ponto de virada histórico (…) A dura realidade é que, mantendo sua candidatura, caro camarada Ciro, a única coisa que você fará é dispersar forças, enfraquecer a força do bloco antifascista, com todas as suas contradições, facilitar a vitória de Bolsonaro e, eventualmente, abrir caminho para um novo golpe”, diz um trecho da carta.

    Sejamos francos. Só há duas candidaturas com chances de ganhar: a de Lula, um democrata que comandou o país por oito anos, e a de Bolsonaro, um golpista defensor da ditadura. Falta uma semana para a eleição e está claro que os demais candidatos não têm a mínima chance de vitória. Essa não é uma eleição normal. É como um plebiscito em que escolheremos salvar a democracia ou permitir que seja consolidada uma autocraciaa com tendências golpistas e fascistas.

    O primeiro turno já produziu cadáveres. Bolsonaristas assassinaram petistas contaminados pelo discurso de ódio propagado todos os dias pelo atual presidente. Se a disputa for para o segundo turno, teremos mais 30 dias pela frente de tiro, porrada e bomba. A tendência é que essa turma fique ainda mais abusada e agressiva em um possível segundo turno.

    O voto útil, portanto, não é um voto despolitizado como se tenta pintar. Pedir voto útil no democrata com mais chances de impedir a permanência da barbárie bolsonarista no poder não é uma ação autoritária. É justamente o contrário. É um voto racional, consciente, estratégico. O voto útil é um voto de sobrevivência como assinalou Conrado Hubner.

    The post Só falta a terceira via, essa invenção da imprensa, embarcar no voto útil appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • RIO DE JANEIRO,RJ,07.09.2022:BICENTENÁRIO-BRASIL-7-SETEMBRO - Comemoração do Bicentenário da Independência do Brasil realizado em Copacabana ,na cidade do Rio de Janeiro, RJ, contou com a presença do presidente Jair Bolsonaro, Governador Claudio Castro,Daniel silveira, Eduardo Bolsonaro e nesta quarta-feira, 07. (Foto: Saulo Angelo/Futura Press/Folhapress)

    No Rio, Cláudio Castro tem chances de reeleição mesmo com um governo desastroso e envolvido em casos de corrupção.

    Foto: Saulo Angelo/Futura Press/Folhapress

    Em entrevista para o programa Contragolpe, do Intercept, o professor de filosofia e presidente do Cebrap Marcos Nobre conjecturou sobre o futuro do bolsonarismo. Para ele, o grande objetivo de Bolsonaro hoje é “chegar ao segundo turno, demonizar o adversário, diminuir a distância entre eles e depois contestar o resultado das urnas”. Isso manterá sua base engajada e a narrativa golpista viva entre os políticos bolsonaristas que serão eleitos. Diante do cenário difícil na disputa presidencial, chegar ao segundo turno já seria uma vitória significativa. Isso garantirá força o suficiente para ocupar o papel de principal antagonista de um possível governo Lula.

    Segundo Nobre, uma derrota de Bolsonaro não significará o fim do bolsonarismo, porque eles ainda têm “capilaridade, organização e engajamento”. Possuem candidaturas competitivas na disputa por vagas na Câmara, no Senado e nos governos estaduais. “O bolsonarismo está disputando muitos governos estaduais com chance de ganhar. Mesmo que ele seja derrotado na eleição presidencial, todo esse conjunto de trastes que ele colocou no governo, que estão apoiando esse projeto autoritário, vão encontrar guarida em governos estaduais”, afirmou Nobre.

    Bolsonaro tem uma rede de apoios relevante nos estados. Em pelo menos sete estados, candidatos apoiados diretamente pelo presidente lideram as pesquisas. Há ainda outros candidatos que não receberam seu apoio direto, mas que, por afinidade ideológica, tendem a compor com o bolsonarismo caso vençam. As pesquisas indicam que os partidos conservadores lideram em 19 estados e no Distrito Federal. Se eleitos, boa parte deles pode acabar se unindo ao bolsonarismo. Em Minas Gerais, por exemplo, Zema não é apoiado por Bolsonaro, mas atuou durante os quatro últimos anos como um importante aliado.


    Candidatos bolsonaristas têm boas chances em importantes colégios eleitorais como Rio de Janeiro e São Paulo. No Rio, Cláudio Castro, mesmo tendo comandado parte de um governo desastroso e envolvido em casos de corrupção até o pescoço, aparece quatro pontos à frente de Marcelo Freixo nas pesquisas. Estão tecnicamente empatados.

    Castro tem feito o possível para driblar a alta rejeição de Bolsonaro no Rio. Evitou colocar a imagem do presidente no material de campanha e não citou seu nome nos debates. Agora, pressionado, mudou de postura e chegou a dividir palanque com ele no ato golpista de 7 de setembro. O Rio é o berço do bolsonarismo. É o estado em que as milícias estão mais intimamente ligadas à política. A eleição deCastro representará o fortalecimento dos milicianos, das rachadinhas e do discurso de ódio institucionalizado.

    Não basta tirar Bolsonaro do Planalto. É preciso desidratar ao máximo o bolsonarismo nos estados para reduzir sua força política para os próximos anos.

    Em São Paulo, Tarcísio de Freitas aparece à frente do governador Rodrigo Garcia na disputa por uma vaga no segundo turno contra Haddad. Para tentar driblar a alta rejeição a Bolsonaro entre os paulistas, Tarcísio adotou um tom mais pragmático e buscou se distanciar da ala ideológica do partido. A estratégia o fez crescer nas pesquisas, mas chegou ao limite. Na última pesquisa Datafolha, o tucano conseguiu diminuir a diferença, e agora os dois aparecem empatados tecnicamente. A disputa segue aberta. Uma vitória de Tarcísio no maior colégio eleitoral do país faria do estado um porto seguro para a sobrevivência do bolsonarismo no país.

    Como temos visto nas últimas eleições, o resultado das urnas nem sempre reflete o das pesquisas. Diferentemente da disputa presidencial, o eleitor costuma deixar a escolha do governador para depois, o que torna tudo ainda mais imprevisível. Nas eleições para o Senado, Câmara Federal e câmaras estaduais, a expectativa é de que o bolsonarismo também tenha um bom desempenho. Um levantamento do Poder360 mostra que a coligação de Bolsonaro é a que mais tem candidatos liderando a disputa ao Senado. São 12 candidatos bolsonaristas na liderança contra nove lulistas.

    O eleitorado democrata e antifascista tem se focado nas eleições presidenciais, mas deixado em segundo plano as disputas estaduais. Mas não basta tirar Bolsonaro do Planalto, é preciso desidratar ao máximo o bolsonarismo nos estados para reduzir sua força política para os próximos anos. É o que pensa Marcos Nobre: “não estamos prestando atenção o suficiente [nas eleições estaduais]. O bolsonarismo tem chance em muito lugar. Ter máquinas é vital para a sobrevivência do bolsonarismo. A gente precisa prestar atenção em todas as eleições. Há um futuro se Bolsonaro for derrotado, e a gente precisa pensar nele”.

    É triste constatar que esta é uma eleição em que o bolsonarismo estará sendo definitivamente normalizado como uma força eleitoral legítima. O principal objetivo dessa corrente política é sequestrar a democracia e destruí-la por dentro. Os últimos quatro anos provaram que seus políticos são essencialmente antidemocráticos. Esta eleição deveria fazer com que todos os que zelam pela democracia se unissem em torno de um único objetivo: extirpar o bolsonarismo da democracia brasileira.

    A extrema direita bolsonarista é golpista, autoritária e deve ser combatida em todos os campos de disputa. Não basta tirar Bolsonaro da presidência, mas também reduzir ao máximo as chances de vitórias dos seus candidatos nesta eleição.

    The post Projeto autoritário de Bolsonaro seguirá firme nos governos estaduais appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • Ciro Gomes, presidential candidate for the Democratic Labor Party (PDT), speaks during the first televised presidential debate in Sao Paulo, Brazil, on Sunday, Aug. 28, 2022. Sunday's debate will be the first direct confrontation between the two men leading the race, with the incumbent Bolsonaro lagging former President Lula in the polls. Photographer: Jonne Roriz/Bloomberg via Getty Images

    Foto: Jonne Roriz/Bloomberg via Getty Images

    Na semana passada, Ciro Gomes foi entrevistado pela Jovem Pan, a emissora alinhada à extrema direita bolsonarista. Na entrevista, o apresentador do programa Pânico, Emílio Surita, confessou o medo do país virar socialista se Lula vencer a eleição: “eu falo para os jovens com a idade dos meus filhos: vão embora do Brasil, porque se for o que a gente tá vendo aí [eleição do Lula], vamos ser um país pobre, velho e socialista”.

    Essa síndrome de Regina Duarte, que trata a esquerda como um monstro que assombra a democracia, é um espantalho que os reacionários utilizam há muito tempo e que foi decisivo para sustentar o golpe de 64. A tese de Surita não encontra nenhum respaldo nos fatos. Afinal de contas, Lula governou por oito anos e essa possibilidade jamais foi cogitada, muito pelo contrário. Foi o período em que o capitalismo esteve mais pujante, e os banqueiros lucraram como nunca.

    O delírio do apresentador do Pânico é aceito apenas entre os integrantes da seita fanatizada pelas ideias conspiracionistas de Olavo de Carvalho. O mínimo que se esperava de Ciro Gomes, um candidato que se diz progressista, era o enfrentamento desta mentira que embala o antipetismo alucinado e que tanto mal faz ao país. Mas não foi o que aconteceu. O pedetista legitimou o devaneio de Surita: “eu estou muito angustiado com isso. A minha maior preocupação é essa, porque as nações se suicidam. Se não derrotarmos a classe dirigente brasileira agora — talvez já seja tarde — a nação brasileira será destruída”. E concluiu colocando a cereja no bolo conspiracionista: “Você tem toda razão!”.

    Ciro Gomes é um homem inteligente e sabe que não há a menor possibilidade de mudança de regime caso a chapa Lula/Alckmin saia vencedora do pleito. Mesmo assim, prefere dar asas à imaginação dos reacionários na esperança de abocanhar alguns votos desse eleitorado.

    A estratégia adotada pelo candidato é a de tratar Lula e Bolsonaro como sendo dois lados de uma mesma moeda autoritária e populista. Na prática, trata-se da mais pura relativização do fascismo e do golpismo. Bolsonaro é o presidente que passou quatro anos disseminando ideias fascistas e ameaçando de maneira permanente a democracia. Lula governou por dois mandatos de maneira absolutamente democrática e saiu com avaliação positiva de quase 90% da população. Colocá-los em pé de igualdade é, no mínimo, desonesto.

    Ciro Gomes flerta com a mesma relativização do fascismo e do golpismo que tornou Bolsonaro um candidato palatável para boa parte do eleitorado. Não é à toa que hoje ele vem sendo acusado de atuar como linha auxiliar do bolsonarismo. Na ânsia em subir nas pesquisas a qualquer custo, o pedetista tem alimentado a urubuzada fascistoide com a velha carniça antipetista de sempre. Mas, como mostram as pesquisas, a tática não tem funcionado. Na pesquisa Datafolha divulgada nesta sexta-feira (9), Ciro perdeu dois pontos percentuais.

    Ciro virou um levantador de bolas para a campanha de Bolsonaro. Vídeos dele atacando Lula viraram febre nas redes sociais bolsonaristas. Suas falas têm sido usadas como munição para atacar Lula e o PT. Um levantamento do O Globo em redes bolsonaristas mostra que Ciro tem sido tratado ironicamente como “cabo eleitoral de Bolsonaro”. Em alguns desses grupos circula o trecho de uma entrevista dada em 2020 seguido da legenda “Ciro Gomes falando bem de Bolsonaro”.

    O general Heleno, por exemplo, afirmou ao compartilhar um outro vídeo de Ciro: “Conservadores estão proibidos de falar, então deixem o Ciro falar”. No vídeo, Ciro Gomes diz haver conexões entre o PT e o PCC e chama o partido de “organização criminosa”. Temos aqui um general golpista se sentindo representado por uma fala de Ciro contra o candidato com maior potencial para impedir a permanência dos golpistas no poder.

    Durante a campanha eleitoral de 2018, Ciro fazia críticas justas, importantes e necessárias a Lula e ao PT. Eram críticas duras, mas que não ultrapassavam os limites do bom senso nem surfavam a onda do antipetismo inconsequente. Ciro reconhecia os serviços prestados por Lula à democracia e não o tratava como um Bolsonaro canhoto, como faz hoje. Em uma palestra na faculdade de Sorbonne na França naquele ano, fez a seguinte afirmação: “Lula fez o mais extraordinário programa de proteção social que a história do capitalismo mundial conhece. A parte mais conhecida é o Bolsa Família, mas é uma rede de proteção social que simplesmente tirou 40 milhões de pessoas da classe D (…) Genialmente ele concilia com a plutocracia brasileira e extrai, por conta dessa dinâmica de preços generosamente altos do estrangeiro, excedente para alocar. A despesa social do Brasil cresceu de 15% pra 22%.”

    Ciro não ganhará a eleição e sairá dela tendo cultivado um eleitorado rancoroso que coloca democratas e fascistas no mesmo saco sem o menor pudor.

    Há quatro anos, Ciro Gomes reconhecia Lula como o político responsável pelo mais extraordinário programa de proteção social da história do capitalismo mundial. Chegou a classificar como “genial” a conciliação de Lula com a “plutocracia brasileira” — a mesma conciliação que hoje ele ataca ferozmente e diz ser responsável por todos os males da nação. O Lula elogiado em 2018 é o mesmo a quem Ciro chama hoje de “maior corruptor da história moderna brasileira”. O “mais extraordinário programa de proteção social da história” hoje é tratado por ele como distribuição de “migalhas para os pobres”.

    Ainda nas eleições de 2018, na sabatina do Jornal Nacional, disse que Lula foi um “bom presidente”, que a população brasileira “sabe disso”, e que não poderia comemorar a prisão do, segundo ele, “o maior líder popular do país”. Muito diferente do Ciro de 2022, que culpa Lula pela eleição de Bolsonaro e enche a boca para falar de sua prisão, mesmo sabendo que suas condenações foram anuladas pela Justiça.

    O que aconteceu nesses quatro anos para acontecer essa mudança drástica de opinião? Ora, Lula deixou a presidência em 2010. A opinião de Ciro sobre ele e seu governo mudou drasticamente sem ter ocorrido nenhum fato novo. O pedetista mudou porque entende que atacar Lula o fará um candidato palatável para o mesmo antipetismo alucinado que elegeu Bolsonaro. As críticas atuais voam nas asas do moralismo lavajatista que ele tanto criticou em um passado recente. É puro oportunismo eleitoral, mas um oportunismo eleitoral burro, porque as pesquisas mostram que a estratégia não tem funcionado.

    Agora Ciro Gomes se vende também como o candidato antissistema, que não faz conchavos, que só não fez alianças significativas por opção. Trata-se de mentira absoluta. Ciro Gomes tratou de alianças políticas com vários políticos, nem todos conhecidos por terem uma reputação ilibada. Ele chegou a jantar com ACM Neto e Luciano Bivar do União Brasil para discutir aliança. Conversou também com Gilberto Kassab do PSD. No ano passado, aproximou-se de Alckmin para fechar uma aliança para 2018. Hoje, diz que a chapa Lula/Alckmin é “uma vergonha para o Brasil”, um “conchavo vergonhoso”, e que esse tipo de aliança é o que faz a “população ter nojo da política”.

    Diferentemente do que diz, os fatos evidenciam que o seu isolamento político não se deu por uma opção nobre do candidato, mas porque ele não foi capaz de construir alianças. A culpa é do próprio Ciro, que acreditou que subiria nas pesquisas atacando o campo progressista e piscando para o eleitorado reacionário. O fato é que ele não conseguiu alianças significativas porque não tem votos para oferecer. Ciro Gomes ao menos conseguiu o palanque dos tucanos em Minas Gerais. Sabe quem articulou essa aliança com o PDT? O impoluto Aécio Neves.

    Em 2018, com Lula preso e com o antipetismo no seu auge da sua popularidade, defendi que o PT abrisse mão de chapa para apoiar Ciro Gomes para presidente. Isso porque Ciro aparecia nas pesquisas como o candidato democrata com maior potencial para derrotar o candidato golpista no segundo turno. Hoje as coisas mudaram. O antibolsonarismo supera o antipetismo, Lula está livre e é o favorito segundo as pesquisas.

    Em tempos em que a polarização se dá entre democracia e golpismo/fascismo, Ciro Gomes decidiu agora empunhar a bandeira da antipolarização. E faz isso de maneira hipócrita, rasteira e pouco inteligente. E ainda rejeita com todas as forças a possibilidade de apoiar Lula no segundo turno contra Bolsonaro: “Eu não cogito nem sequer mentalmente essa possibilidade”.  Para ele será muito difícil escolher entre um democrata e um golpista no segundo turno.

    O pedetista hoje culpa Lula pela existência do bolsonarismo mas, ironicamente, são suas falas que alimentam esse monstro todos os dias. Ciro não ganhará a eleição e sairá dela tendo cultivado um eleitorado rancoroso que coloca democratas e fascistas no mesmo saco sem o menor pudor. O que encaminhou o Brasil para o abismo bolsonarista foi o mesmo antipetismo alucinado que hoje Ciro mimetiza na esperança vã de conquistar votos. Ciro saiu definitivamente do campo progressista para virar o encantador de serpentes bolsonaristas.

    The post O triste fim de Ciro Gomes, rebaixado por si mesmo a cabo eleitoral de Bolsonaro appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • Em 2017, uma investigação liderada por uma delegada lavajatista da Polícia Federal destruiu a vida de um homem inocente. O reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, foi acusado de liderar uma organização criminosa que teria desviado recursos da universidade. Foi preso, algemado, acorrentado pelos pés e levado a um presídio de segurança máxima, onde ficou preso por 30 horas até ser solto por um habeas corpus.

    Mesmo livre, Cancellier continuou proibido de colocar os pés na sua própria faculdade. Dezoito dias depois de sofrer essa sequência de humilhações, Cancellier tirou a própria vida em um shopping de Florianópolis, onde foi encontrado com um bilhete no bolso: “minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”. As investigações se basearam nas irregularidades apontadas pelo TCU, cujo relatório final apontou não haver crime algum, apenas irregularidades administrativas que não tiveram o envolvimento de Cancellier. Pouco tempo depois, as mais de 800 páginas do relatório final da Polícia Federal também não foram capazes de apresentar uma única prova do envolvimento do reitor no caso.

    Segundo a própria Polícia Federal, o esquema de desvio comandado pelo reitor operou entre 2008 a 2017. Cancellier, apontado como chefe dessa quadrilha, só assumiria o cargo em 2016. Os métodos lavajatistas, baseados mais em convicções do que em provas, foram largamente empregados pela delegada Erika Marena, a delegada do caso e cria da Lava Jato. Irregularidades administrativas foram tratadas como crimes gravíssimos em uma trama conspiratória desprovida de provas – um clichê lavajatista. Quando as investigações chegaram ao fim, nenhum crime ficou comprovado e ninguém foi condenado. Mas no tribunal da mídia, um espaço tão caro a Lava Jato, Cancellier já havia sido condenado como corrupto, uma humilhação que ele não conseguiu suportar.

    Nada disso sensibilizou o lavajatismo. Quando ficou absolutamente clara a perseguição da Polícia Federal contra um inocente, a delegada Erika Marena passou a ser bastante criticada. Foi então que o procurador-chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, a procurou no Telegram para prestar solidariedade. Dallagnol poupou a delegada de qualquer culpa em relação ao suicídio do homem acusado injustamente de corrupto: “As decisões foram todas deles”.

    Em outra mensagem, o então procurador reforçou que ela atuou dentro dos padrões lavajatistas: “Vc respeita todas as regras, atuou 100% corretamente e como fazemos em TODOS os outros casos. Não fique chateada, amiga, que eles não merecem”. Quatro dias depois do suicídio, Dallagnol não prestou solidariedade à família do homem inocente acusado injustamente, mas preferiu afagar a principal comandante da injustiça. Nem o suicídio de um homem injustiçado pelos métodos lavajatistas levou Dallagnol e sua turma a fazer uma autocrítica. Esse é o padrão moral deste homem religioso que se vende como um guardião da ética na vida pública.

    Agora, Dallagnol acaba de ser condenado pelo mesmo TCU que motivou as investigações que levaram um inocente ao suicídio. Mas, dessa vez, Dallagnol afirma ser vítima de uma perseguição política maquinada por integrantes do TCU.

    Ocorre que, diferentemente do que ele apregoa, as provas das irregularidades cometidas por ele e seus parças lavajatistas são fartas, inequívocas e irrefutáveis. Além de Dallagnol, o ex procurador-geral da República Rodrigo Janot e o procurador-chefe da Procuradoria do Paraná João Vicente Beraldo Romão foram condenados por unanimidade pelo TCU por gastos indevidos na gestão administrativa da Lava Jato. O tribunal fez um pente-fino nos gastos da força-tarefa com viagens e diárias. A conclusão do TCU é de que houve prejuízo ao erário público e violação do princípio da impessoalidade graças a adoção de um esquema “benéfico e rentável” aos lavajatistas.

    Os procuradores mais próximos de Dallagnol, como Carlos Fernando Santos Lima, Diogo Castor de Mattos e Orlando Martello, recebiam diárias que custavam cerca de 1 mil reais por dia para viajar para Curitiba, se alimentar e se hospedar na cidade. O problema é que todos eles já moravam em Curitiba. Mesmo assim, a Lava Jato, tão rigorosa e implacável com as contas da UFSC, não viu problema em promover essa farra interna com o erário. Segundo o TCU, foram gastos indevidamente R$ 2,8 milhões em passagens aéreas e em diárias de viagens para os procuradores que não precisavam viajar. É esse o montante que Dallagnol e sua turma foram condenados a devolver para os cofres públicos.

    Segundo o relator do TCU, as decisões de Dallagnol atentaram contra a economicidade, já que houve “pagamento desmedido de diárias, sem a devida fundamentação e análise de alternativas legais mais econômicas”. A comparação deste caso com o de Cancellier deixa ainda mais evidente o padrão moral da Lava Jato: aos amigos, tudo o que o uso indevido do erário pode oferecer; aos inimigos, a condenação midiática e a aplicação indevida da lei.

    Dallagnol e seus parças se mostraram indignados e prometeram recorrer da decisão que, se confirmada, poderá fazer com que o TSE torne inelegíveis os candidatos lavajatistas em virtude da Lei da Ficha Limpa.

    A indignação de Dallagnol não combina com desdém que ele fez às vésperas do julgamento, quando postou no Instagram um vídeo em que aparece todo meninão no sofá comendo pipoca e uma legenda debochada: “esperando pelo julgamento no TCU”. Parecia um youtuber adolescente lacrando um youtuber rival.

    Mas parece que o resultado do julgamento o fez engasgar com a pipoca. Deltan disse que não autorizou as diárias, não se beneficiou delas e não mandou pagá-las. Não foi o que pareceu quando a Vaza Jato publicou as peripécias que ele comandava no escurinho do Telegram. Em uma das mensagens enviada para procuradores, Dallagnol os incentiva a gastar mais dinheiro com viagens desnecessárias — uma jogada para evitar que a grana que estava “sobrando” fosse descontada do orçamento do ano seguinte. “Quanto mais gastarmos agora, melhor”, escreveu o paladino da ética na vida pública.

    “Quanto mais gastarmos agora, melhor”, escreveu o paladino da ética na vida pública.

    Revoltadíssimo com o que julgou ser uma perseguição política para tirá-lo das eleições, o ex-procurador afirmou também: “O sistema quer vingança. Este é mais um episódio que mostra o quanto o sistema político não tá nem aí pra sociedade e quer ver a Lava Jato longe do Congresso Nacional”. Vejam só, o perseguidor geral da nação que perseguiu adversários políticos agora se diz vítima de uma conspiração do “sistema” que “quer vingança”. Qualquer semelhança com os delírios de perseguição do bolsonarismo não é mera coincidência. Só faltou culpar o globalismo.

    Dallagnol atacou também o relator do processo, Bruno Dantas, dizendo que ele é “apadrinhado” de Renan Calheiros e que esteve presente no jantar de lançamento da candidatura do ex-presidente Lula. Medir os outros com sua própria régua moral é um cacoete dos hipócritas. Esses fatos apontados pelo ex-procurador fariam sentido se não houvesse uma pororoca de provas das irregularidades pelas quais ele foi condenado. Outro fato que derruba a tese de perseguição é que a decisão não foi tomada apenas por Bruno Dantas. O TCU é um órgão colegiado e a condenação foi aprovada por unanimidade pelos quatro ministros que integram a 2ª Câmara.

    A imprensa viúva da Lava Jato não deixou de defender a turma. Colunistões lavajatistas compraram docilmente a tese de perseguição contra Dallagnol. Houve até quem teve a coragem de especular que o TCU estaria tirando o ex-procurador do páreo eleitoral por vingança, já que a Lava Jato tirou Lula do páreo na última eleição. Trata-se de mais uma conspiração baseada não em fatos e provas, mas em delírios próprios da seita lavajatista que cooptou muitos jornalistas.

    As mensagens publicadas pela Vaza Jato mostram que Dallagnol e sua turma se viam munidos de uma missão messiânica contra a corrupção. Se viam como guerreiros do bem numa luta contra os corruptos do mal. A luta desses predestinados era tão nobre que valia tudo para condenar inimigos tão maus. É o mesmo maniqueísmo selvagem que fazem cidadãos de bem bolsonaristas pregarem o assassinato de juízes do STF, considerados inimigos mortais. Dallagnol ajudou a pavimentar o caminho da ascensão do bolsonarismo ao poder e hoje faz uma campanha política direcionada a buscar os votos do eleitorado bolsonarista.

    O lavajatista hoje é mais um típico candidato da extrema direita, tendo inclusive já sinalizado que apoiará Bolsonaro em um eventual segundo turno. Parece que a farra com o dinheiro público comandada pelo bolsonarismo com o Orçamento Secreto não revolta tanto Dallagnol do mesmo modo que meras irregularidades administrativas na UFSC revoltaram.

    O fato é que Dallagnol ainda está respondendo a muitos processos, com risco de ser condenado em vários, e tem buscado desesperadamente o foro privilegiado. Hoje, esse medo é o principal motivo que faz Dallagnol querer se eleger — igualzinho ao Bolsonaro. Não foi à toa que, assim como o atual presidente, Dallagnol se recusou a assinar um manifesto apartidário em defesa da democracia. Ele não acha que a democracia corre risco sob a gestão Bolsonaro. Se o professor Cancellier estivesse vivo, certamente seria um dos signatários do manifesto.

    The post Típico candidato da extrema direita, Deltan Dallagnol está louco por foro privilegiado appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • Jair Bolsonaro, Brazil's president, during the launch event of the Banco do Brasil SA Agro Investment Program at Planalto Palace in Brasilia, Brazil, on Tuesday, Aug. 24, 2021. Bolsonaro is growing uneasy about Brazils inflation in the run-up to general elections next year, but his complaints about rising prices dont mean he plans to interfere with the central bank, according to five people close to him including cabinet members. Photographer: Andressa Anholete/Bloomberg via Getty Images

    Foto: Andressa Anholete/Bloomberg via Getty Images

    O encontro que Bolsonaro teve com embaixadores, em que ele atacou o STF e as urnas eletrônicas, fez acender o sinal vermelho para alguns setores da sociedade que até então se calavam diante do golpismo do presidente. Dois manifestos, um criado pela Faculdade de Direito da USP e outro pela Fiesp, estão circulando na internet e angariando assinaturas. Os textos dos manifestos têm teor semelhante e defendem de maneira dura os mesmos princípios: o respeito ao sistema eleitoral, às instituições da República e à democracia.

    Os nomes e entidades que assinam os manifestos dão ao movimento uma importância gigantesca, representando talvez o ato mais importante já feito contra os ataques do bolsonarismo à democracia. A carta da USP recebeu rapidamente mais de 700 mil assinaturas e até a publicação deste texto provavelmente já terá ultrapassado 1 milhão. Entre os assinantes estão grandes empresários e banqueiros como Roberto Setubal, Candido Bracher e Pedro Moreira Salles, do Itaú Unibanco; Guilherme Leal, da Natura; Walter Schalka, da Suzano; Eduardo Vassimon, da Votorantim, e Horácio Lafer Piva, da Klabin.

    Não é pouca coisa. O grande capital, que até então estava calado ou no máximo fazia reclamações tímidas, parece que finalmente entendeu que a degradação das instituições não faz bem para os negócios. Além dos empresários, o manifesto reúne ex-ministros de FHC, de Lula, de Dilma e de Temer, subprocuradores-gerais da República, membros do MPF e uma série de intelectuais e personalidades. O texto do manifesto afirma que o país está “passando por um momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”. E manda um recado para o presidente que tem preparado o terreno para que um episódio como a invasão do Capitólio aconteça no Brasil: “Lá [EUA] as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.”

    O documento da Fiesp é muito parecido e reúne entidades empresariais e da sociedade civil como universidades, ONGs e sindicatos. Febraban, UNE, Câmara Americana de Comércio e as maiores centrais sindicais estão entre os assinantes. A carta é clara ao defender o STF e o TSE, duas instituições sob ataque permanente do presidente e sua horda golpista nos últimos anos.

    Diz o texto: “As entidades da sociedade civil e os cidadãos que subscrevem este ato destacam o papel do Judiciário brasileiro, em especial do Supremo Tribunal Federal, guardião último da Constituição, e do Tribunal Superior Eleitoral, que tem conduzido com plena segurança, eficiência e integridade nossas eleições respeitadas internacionalmente, e de todos os magistrados, reconhecendo o seu inestimável papel, ao longo de nossa história, como poder pacificador de desacordos e instância de proteção dos direitos fundamentais.” Também enfatiza a confiança dos assinantes nas urnas eletrônicas: “o processo de apuração no país tem servido de exemplo no mundo, com respeito aos resultados e transição republicana de governo”.

    As principais entidades sindicais do país, que juntas somam mais de 60 milhões de trabalhadores, decidiram assinar a carta da Fiesp. Representantes da Força Sindical, CUT e UGT se reuniram na última quarta-feira com Josué Gomes de Alencar, presidente da Fiesp. Após a reunião, os sindicalistas saudaram a posição da entidade patronal na defesa da democracia.

    O golpismo bolsonarista conseguiu a proeza de juntar sindicalistas com o alto empresariado em um manifesto político em defesa da democracia. Também não é pouca coisa. Evidentemente não se trata de uma aliança política, de uma frente ampla ou algo parecido. Os embates entre trabalho e capital continuam, os interesses permanecem inconciliáveis, mas há o entendimento geral de que as instituições democráticas devem ser preservadas e de que qualquer tentativa de golpe fará todo mundo perder.

    Ao ver o alto empresariado quase que unanimemente abandonando de vez o barco, Bolsonaro demonstrou ter sentido o peso do golpe. Mesmo sem ter seu nome citado nos manifestos, o presidente vestiu a carapuça que foi feita sob medida para ele. Reagiu com agressividade e deboche: “Esse pessoal que assina esse manifesto é cara de pau, sem caráter.”

    A reação raivosa do bolsonarismo mostra a importância desse movimento organizado por diversos setores sociais, muitos deles antagônicos entre si.

    Em outro momento, chamou o manifesto de “cartinha” e afirmou que se trata de uma nota política feita em ano eleitoral. Bolsonaro se reuniria na próxima semana com empresários em São Paulo e participaria de uma sabatina na Fiesp, mas ficou tão ofendido com a “cartinha” que decidiu cancelar ambos os compromissos  com esse “pessoal sem caráter”. A revolta de Bolsonaro com o manifesto mostra que ele se sente traído pelo grande capital, que teria abandonado a trincheira na guerra contra o “comunismo”.

    Em culto organizado pela bancada evangélica no Congresso na última quarta-feira, Bolsonaro voltou a ironizar a carta: “Nenhum de vocês que assinaram cartinhas por aí se manifestaram naquele momento”. O momento referido é a pandemia, quando governadores e prefeitos tomaram medidas para contar a crise do coronavírus.

    Nos delírios do presidente isso, sim, representou um verdadeiro ataque contra a democracia. Os delírios continuaram durante o culto: “Peço a Deus que meu povo, nosso povo, não sinta as dores do comunismo. Nós somos a maioria, nós somos do bem, e tenho certeza que venceremos essa batalha”.

    Em outro momento, Bolsonaro passou a descredibilizar a carta ao reduzi-la como uma iniciativa de banqueiros: “Você pode ver, esse negócio de carta aos brasileiros, à democracia, os banqueiros estão patrocinando. É o Pix que eu dei paulada neles, os bancos digitais que nós facilitamos”, disse ao gado que fica no cercadinho do Palácio da Alvorada. A conclusão dele é que a carta foi escrita depois que ele “acabou com o monopólio dos bancos”.

    Essas mentiras são facilmente desmascaras. O Pix é uma criação do governo Temer. Aliás, até poucos meses atrás, Bolsonaro não sabia nem o que era Pix. Quando foi perguntado pelo gado no cercadinho, disse não saber o que era essa nova modalidade de transferência bancária. A outra mentira é de que os bancos estariam perdendo dinheiro depois do Pix. Os grandes banqueiros nunca ganharam tanto dinheiro como durante o governo Bolsonaro, tendo batido o recorde de lucro neste ano.

    A tropa de choque da seita bolsonarista sustentou os delírios do seu messias. O parajornalista Alexandre Garcia, da empresa de parajornalismo Jovem Pan, também reduziu os manifestos que contam com amplos setores da sociedade a uma iniciativa exclusiva de banqueiros: “Uma micro elite brasileira está levando a sério um manifesto pela democracia assinada por banqueiros”.

    Outros jornalistas e comentaristas da Jovem Pan se dedicaram a descredibilizar os manifestos em favor da democracia ao longo da programação. O comentarista bolsonarista Caio Coppola atacou a carta em defesa da democracia ao dizer que os assinantes estão a serviço de Lula, inclusive os banqueiros.

    O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que antes de fazer parte do governo chamava Bolsonaro de “fascista”, também atribuiu a carta a uma iniciativa de banqueiros revoltados com uma suposta perda de arrecadação dos bancos. A deputada federal, Carla Zambelli, foi outra que ajudou a alimentar a boiada nas redes sociais com a mentira dita pelo presidente:


    Acuado, Bolsonaro tem percebido que o preço a se pagar por uma tentativa de golpe está ficando cada vez mais caro. Um dos motivos que fazem Bolsonaro fazer ameaças golpistas é a possibilidade de acabar na cadeia se perder o mandato. Ocorre que vai ficando cada vez mais claro que uma tentativa de golpe frustrada poderá acelerar a sua prisão. Ele está sozinho e conta apenas com os mesmos setores de sempre, como os militares, alguns integrantes do Centrão e do governo e pastores neopentescostais obscuros. Isso é muito pouco para quem planeja dar um golpe na democracia.

    A reação raivosa do bolsonarismo mostra a importância desse movimento organizado por diversos setores sociais, muitos deles antagônicos entre si. Apesar de tardio, o recado é claro: Bolsonaro está sozinho em sua empreitada golpista. Ao contrário do que prega o bolsonarismo, está claro que não se trata de um ato partidário, mas de uma ação política cuja única pauta é a defesa das instituições, das eleições e da democracia.

    The post Bolsonaro consegue a façanha de unir CUT e Fiesp em manifesto appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • O então deputado Jair Bolsonaro vota pela autorização do processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, no plenário da Câmara dos Deputados.

    Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

    “Pela família, contra o comunismo e pela memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff, meu voto é sim”.

    Foi assim, exaltando o golpe de 64 e tratando torturador como herói, que o então deputado Jair Bolsonaro anunciou seu voto a favor do golpe de 2016. Após anos de torturas, assassinatos, estupros e outros crimes cometidos por agentes do Estado durante o regime militar, um ex-capitão é aplaudido ao glorificar a memória de um coronel torturador.

    Dois anos depois, este mesmo parlamentar seria democraticamente eleito presidente da República usando um discurso golpista e governaria os próximos quatro anos fazendo ameaças à democracia. Mesmo cometendo aproximadamente 40 crimes de responsabilidade, este presidente está imune a um impeachment graças ao apoio dos parlamentares do Centrão – os mesmos que aplaudiram efusivamente o discurso em que um torturador da ditadura foi alçado à condição de herói. A democracia brasileira permitiu que tudo isso acontecesse.

    Essa farra que os golpistas têm feito sobre as cabeças dos democratas nos últimos anos ocorre, em grande parte, porque os criminosos da ditadura foram anistiados. Bolsonaro se sente livre para exaltar os crimes do período de chumbo por isso. Nenhum militar terminou na cadeia. Em outros países do continente, o fantasma do golpismo não circula com a mesma facilidade. Países como Argentina e Chile, palco de ditaduras militares ainda mais sanguinárias que a nossa, conseguiram punir com prisão os militares que utilizaram o aparato do estado para cometer crimes contra seu povo.

    Uma das primeiras medidas do Congresso argentino sob o regime democrático foi derrubar uma lei que perdoava os crimes cometidos por agentes do estado e, assim, possibilitou que os principais nomes da ditadura militar fossem condenados. Há julgamentos sendo feitos até hoje. No início deste mês, 10 militares argentinos foram julgados e condenados à prisão perpétua, que é a pena prevista na lei para quem comete crimes contra a humanidade.

    Assim como o Brasil, o Chile teve a sua Lei da Anistia, mas apresentou diversos avanços para a condenação de crimes logo no início da redemocratização. Em 1998, a Suprema Corte chilena decidiu que a Lei da Anistia não valeria mais para crimes cometidos contra a humanidade. Até hoje os criminosos do regime seguem sendo julgados e condenados pela justiça chilena. A prisão é o recado que Argentina e Chile mandam para quem conspira contra a democracia dos seus países.

    Enquanto nossos vizinhos colocam militares criminosos na cadeia, aqui eles continuam sendo poupados e ovacionados pelos mesmos militares que hoje integram um governo militar eleito democraticamente. Durante o processo de transição entre ditadura e democracia no Brasil, os militares que ainda estavam no comando chantagearam os democratas para que a Lei da Anistia fosse aceita nos termos que desejavam.

    Pressionados por greves de trabalhadores e movimentos estudantis, os militares encaminharam ao Congresso Nacional a proposta de Lei da Anistia, promulgada pelo general Figueiredo, o último presidente da ditadura. A proposta era a seguinte: os presos políticos seriam soltos e perdoados e todos crimes cometidos por agentes do estado seriam perdoados. Ocorre que os presos políticos já haviam sofrido duras punições sendo presos, sequestrados, torturados e estuprados. Já os seus algozes continuaram impunes.

    Assim, o país ajudou a sacramentar a falsa ideia de que os dois lados cometeram erros, foram perdoados e bola para frente. Enquanto os que lutaram contra o regime sofreram as sequelas da repressão, os militares continuaram privilegiados, mantendo seus postos nas Forças Armadas e ganhando seus nababescos salários. Na prática, a Lei da Anistia garantiu que só os democratas sofressem punições. Os golpistas permaneceram livres, privilegiados e com liberdade para continuar exaltando os feitos do regime militar e nos ameaçando a todo momento com um novo golpe.

    Não punir quem cometeu atos criminosos em nome do estado é uma maneira de sinalizar para o futuro que vale tudo quando se está no poder.

    As democracias argentina e chilena acertaram as contas com as suas ditaduras, enquanto a democracia brasileira acabou colocando os crimes embaixo do tapete. É nesse vácuo político, legal e moral que foi possível o surgimento do bolsonarismo, uma corrente política que traz em sua base a exaltação do golpe, dos seus crimes e dos seus criminosos. O triunfo do bolsonarismo é resultado direto da impunidade concedida aos golpistas.

    O legado dos criminosos contra a humanidade permanece mais vivo do que nunca nas mentes e corações dos homens fardados que nos governam. Um parlamentar que exaltasse um torturador no parlamento argentino ou chileno seria achincalhado pelos seus pares, sejam eles de direita ou esquerda, mas aqui é aplaudido e vira presidente da República.

    A Comissão da Verdade, instaurada em 2012, tinha como objetivo esclarecer os crimes cometidos pelo estado durante os anos de chumbo e tentar revisar a Lei da Anistia para que os responsáveis fossem punidos. A comissão teve um trabalho importantíssimo, fez importantes reparações, mas não conseguiu punir os criminosos do regime. Em seu relatório final, concluiu que a auto-anistia promovida pelos agentes da ditadura é ilegal perante a legislação internacional, já que os crimes cometidos no período foram contra a humanidade.

    Desde a sua implementação, a Lei da Anistia nunca foi debatida seriamente nas escolas e nos veículos de comunicação. Um episódio dessa importância para o país não está na memória da maioria da população. Em 2012, uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, revelou que 74,8% dos brasileiros não conhecem ou apenas ouviram falar da anistia. Trata-se de uma tragédia política, social e histórica para o país. Uma tragédia muito bem arquitetada pelos militares, que hoje colhem os frutos e seguem fazendo ameaças golpistas.

    Nós temos mais problemas pela frente. Tudo indica que Bolsonaro perderá a eleição. Ele, sua família e os militares bolsonaristas que cometeram crimes devem ser punidos com rigor. Depois que essa governo-tragédia terminar, julgar e condenar à prisão aqueles que ameaçaram a democracia será uma obrigação do país. Qualquer resultado que não seja a punição dos criminosos significará a perpetuação do processo doloroso que estamos vivendo. Os fantasmas dos porões da ditadura continuarão nos assombrando nas próximas eleições.

    O país não tem o direito de repetir o erro da Lei da Anistia. Ou daqui alguns anos teremos um novo golpista tentando se eleger dizendo que na “ditadura tudo era melhor”. Não punir quem cometeu atos criminosos em nome do estado é uma maneira de sinalizar para o futuro que vale tudo quando se está no poder. Na prática, é um convite para que novos golpistas como Bolsonaro possam voltar a atormentar as instituições democráticas. O país não pode mais tolerar quem é intolerável para a democracia.

    The post No pós-Bolsonaro, não podemos repetir o erro da Lei da Anistia appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • (Brasília - DF,18/07/2022) Encontro com chefes de missão diplomática.Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

    Bolsonaro convocou embaixadores e anunciou um golpe.

    Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

    Bolsonaro convocou os embaixadores para anunciar que as urnas eletrônicas que o elegeram não são confiáveis. Mas não apresentou um indício sequer de fraude, apenas requentou as velhas mentiras de sempre. Ocorre que os embaixadores moram no Brasil e acompanham diariamente os arroubos golpistas do presidente.

    Muito provavelmente não houve embaixador ali que não tenha enxergado aquela patacoada como sendo fruto do desespero de um autocrata golpista com sua provável derrota nas urnas. O circo armado, portanto, serviu apenas para demonstrar força para a sua boiada de fanáticos. Mas a realidade é que a reunião foi uma demonstração de medo e fraqueza.

    Bolsonaro passou esses três anos e meio de governo espetando a faca no pescoço da democracia. Este é um governo golpista na essência, que fez das ameaças golpistas uma estratégia política, mobilizando sua base e tentando espalhar o medo entre seus adversários políticos. As ameaças foram tantas, que o golpismo do presidente foi banalizado e passou até a ser motivo de chacota.

    Seria apenas um blefe, já que não existem condições materiais mínimas para que um golpe se sustente. Ocorre que estamos falando de Bolsonaro. Um ex-militar mentalmente perturbado, que não ouve conselhos de aliados, não pensa de maneira lógica e apenas segue seu instinto golpista. Soma-se a isso o estado de desespero em que ele se encontra com as prováveis consequências de uma derrota nas urnas. O presidente sabe que ele e sua família podem acabar na cadeia. O que não faltam são motivos para isso.

    Foram muitos os crimes cometidos, e eles poderão respondê-los sem a blindagem da rede de proteção que têm hoje. Estamos no país que recentemente prendeu dois ex-presidentes por muito menos, ou melhor, por nada. A cadeia para Bolsonaro após as eleições não é apenas possível, mas, arrisco dizer, bastante provável.

    Mas não podemos subestimar o golpismo do presidente. Não é razoável imaginar que ele, tomado pela irracionalidade, dará os próximos passos com base na razão. Um homem desequilibrado, desesperado, isolado politicamente, sem mais nenhuma carta na manga, pode fazer qualquer coisa. É claro que Bolsonaro poderá tentar o golpe, mesmo que não haja condições objetivas para isso.

    Dificilmente o golpe se sustentaria, claro, mas o estrago pode ser enorme, aprofundando crise econômica e mobilizando seu séquito de fanáticos para fabricarem mais cadáveres. O assassinato do dirigente petista Marcelo Arruda é um aperitivo macabro do que pode estar por vir. Lembrem-se dos recados enigmáticos do presidente aos seus seguidores sobre como agir diante de uma fraude nas eleições: “Vocês sabem o que está em jogo. Vocês sabem como devem se preparar… não para um novo Capitólio… Nós sabemos o que temos que fazer antes das eleições”.

    É importante registrar que o golpe anunciado na reunião com embaixadores já não está mais no campo das ameaças. Essa fase já passou.

    O enigma proposto vem depois de uma sequência de discursos de ódio do presidente, que recentemente, ao se referir a Lula e seus aliados, disse que “uma granadinha só mata todo mundo”. Assim, com recados explícitos e subliminares, Bolsonaro busca criar um clima de caos e medo para justificar uma futura tentativa de melar as eleições.

    É importante registrar que o golpe anunciado na reunião com embaixadores já não está mais no campo das ameaças. Essa fase já passou. O golpe foi colocado sobre a mesa para o mundo inteiro ver, sendo quase um primeiro ato do golpe, uma espécie de preparação de terreno.

    A boa notícia é que as reações em repúdio ao golpismo do presidente foram fortes e numerosas. No dia seguinte à reunião golpista com embaixadores, a Federação da Indústria de São Paulo, a Fiesp, encaminhou um documento para os candidatos com propostas para serem implementadas pelo novo presidente eleito. Logo na introdução, o documento afirma que “a estabilidade democrática e o respeito ao Estado de Direito são condições indispensáveis para o Brasil superar os seus principais desafios”.

    À primeira vista, parece mais um documento protocolar da Fiesp que, nunca foi, digamos assim, uma grande defensora da democracia. Ela apoiou o golpe militar de 64, o parlamentar contra Dilma em 2016 e tem permanecido calada diante do golpismo presidencial. Mas, segundo o Estadão, a entidade tem participado ativamente da articulação de um ato em defesa do sistema eleitoral brasileiro.

    Organizado por juristas, dois eventos estão programados para o dia 11 de agosto na faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo. Entidades empresariais e da sociedade civil se juntarão à comunidade jurídica no ato. Segundo o diretor da Faculdade de Direito da USP, Celso Campilongo, a Fiesp tem se articulado para mobilizar o maior número de empresários em apoio à pauta. A entidade pode não ser historicamente uma grande defensora da democracia, mas sempre foi uma grande defensora do seu bolso. Sabe que a manutenção da autocracia e a transformação definitiva do país em uma republiqueta das bananas arruinarão os seus negócios, como já tem arruinado.

    Outros repúdios importantes foram feitos. Mais de 40 membros do Ministério Público entraram com pedido de investigação contra Bolsonaro por crime de responsabilidade cometido na reunião com embaixadores. Pressionado, o procurador-geral da República Augusto Aras, habituado a passar pano para o vale-tudo bolsonarista, resolveu divulgar um vídeo em que aparece defendendo a lisura do processo: “Não aceitaremos alegação de fraude.” Além do MP, três grandes associações ligadas à Polícia Federal divulgaram uma nota em conjunto em defesa do TSE e do processo eleitoral brasileiro.

    Os embaixadores saíram constrangidos e vários deles declararam confiar plenamente nas eleições brasileiras. A embaixada do Reino Unido, por exemplo, emitiu nota em que afirma que “nas eleições passadas, o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas se mostraram seguras e passaram a ser reconhecidas internacionalmente por sua celeridade e eficiência”. Os EUA, o país para o qual Bolsonaro balançava o rabinho até pouco tempo atrás, confirmou mais uma vez que não estará disposto a patrocinar um golpe dessa vez. O governo americano, que já havia deixado claro confiar nas eleições brasileiras, reforçou sua posição em nota: “As eleições brasileiras, conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas, servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo”.

    As reações internas e externas em defesa das eleições são importantes e deixam claro que Bolsonaro está cada vez mais isolado e enfraquecido politicamente. Com o Centrão no bolso e com o PGR atuando como capanga, Bolsonaro teve força para evitar o impeachment. Mas isso não será o suficiente para se dar um golpe bem-sucedido. Ele sabe disso, mas o medo e a mente delirante podem fazer com que ele tente um golpe mesmo assim.

    Até agora ele vem seguindo o mesmíssimo roteiro do seu parceiro Donald Trump. O americano criou um clima de desconfiança sobre a idoneidade da apuração de votos antes da eleição, depois acusou fraude na contagem sem apresentar provas e incentivou sua massa reacionária a invadir o Capitólio. O golpe não vingou, mas cinco pessoas foram assassinadas. A vantagem do Brasil é que já conhecemos o final desse roteiro e podemos evitá-lo com manifestação nas ruas e mobilização de órgãos da sociedade civil em repúdio ao golpismo.

    Bolsonaro tocou as trombetas anunciando o golpe na reunião com embaixadores. Agora, os grandes agentes, instituições e entidades da vida pública que ficarem caladas serão coniventes com o golpismo e entrarão para História como inimigos da democracia. Não há mais espaço para omissão. As reações foram importantes, mas ainda pequenas diante do desafio que está por vir. É hora de mobilizar o povo para tomar as ruas.

    The post Bolsonaro anunciou o golpe: não há mais espaço para omissão appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • BRASÍLIA, DF, 12.04.2022 - ARTHUR-LIRA-DF: O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), conversa com jornalistas na saída do Ministério da Economia, em Brasília, nesta terça-feira. (Foto: João Gabriel Rodrigues/Fatopress/Folhapress)

    Foto: João Gabriel Rodrigues/Fatopress/Folhapress

    “Arthur Lira é foda”, é assim que o presidente da Câmara se intitula em seu slogan de campanha para a reeleição. Esse valoroso representante da família tradicional brasileira não vê problema em usar o palavrão para destacar os seus feitos à frente da presidência da Câmara. Eu também não vejo e, a depender do ponto de vista, até concordo com o uso do termo para classificar Lira. Este homem tem operado verdadeiros milagres na política brasileira.

    lira

    Slogan de campanha de Lira à presidência da Câmara.

    Reprodução: Youtube

    Antes de virar protagonista na política nacional, Lira era um deputado do baixo clero sem projetos e sem ideias para apresenta, assim como o seu então correligionário Jair Bolsonaro. Passou a ficar mais conhecido depois que passou a se dedicar a puxar o saco do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que ficou cinco anos preso por corrupção. Enquanto Cunha fazia o diabo na presidência da Câmara, Lira estava ao seu lado como um aprendiz.

    Foi nesse período que ele aprendeu como um presidente da Câmara pode desrespeitar o regimento interno, chantagear o governo, comandar a distribuição de emendas do orçamento entre aliados e fazer manobras de todo tipo para garantir os interesses do Centrão. Lira ajudou a derrubar uma presidenta legítima e trabalhou duro para tentar evitar, sem sucesso, a cassação de Cunha, o seu golpista favorito.

    Como se vê, Lira fez escola no golpismo e hoje coloca o know-how adquirido à disposição de um governo que coloca uma faca no pescoço da democracia a todo momento. Enquanto Bolsonaro e as Forças Armadas têm se dedicado a questionar as eleições, ele opera uma série de golpes na Câmara para tentar garantir a reeleição dos bolsonaristas nas urnas.

    Nesta última semana, Lira superou o mestre Cunha. O modo com que ele tem rasgado o regimento interno da Câmara, a Constituição e a Lei Eleitoral atingiu um patamar de despudor que nem Cunha no auge do seu golpismo conseguiu.

    Para poder desfrutar logo das consequências eleitorais da farra da distribuição de verbas para aliados, fez mágica na Câmara. Aproveitando-se da atenção voltada à PEC Kamikaze, descaradamente ilegal, Lira comandou na calada da noite a aprovação de um pacote de projetos que permite distribuição de verbas públicas em ano de eleição e aumenta o poder de barganha dos deputados sobre prefeitos.

    A lei eleitoral veda a distribuição de bondades pelo governo às vésperas do pleito. Mas desrespeitar não é um problema para Lira, que conseguiu aprovar um projeto de lei que dá permissão ao governo para doar, mesmo em ano eleitoral, coisas como máquinas agrícolas, redes de pesca, tratores, cestas básicas, ambulâncias, entre outros. A farra com verbas públicas para bombar as campanhas eleitorais do bolsonarismo em todo o país agora está garantida.

    É a legalização do uso do orçamento público para bancar uma farra eleitoral sem precedentes.

    Na mesma noite, um outro projeto de lei escandaloso foi aprovado para também aumentar o poder de barganha de deputados sobre prefeitos. O texto autoriza o remanejamento de verbas já empenhadas nos anos anteriores, podendo até mesmo que se altere a sua destinação. Agora, um deputado poderá alterar a finalidade de um recurso que já estava empenhado. Pior que isso: poderá trocar a empresa contratada que realizar a obra, o município de destino e até mesmo a natureza da obra ou serviço público.

    Na prática, um deputado terá liberdade para, por exemplo, tirar verba de um projeto educacional destinado a uma cidade cujo prefeito decidiu apoiar Lula e mandá-lo para uma feira agropecuária da cidade de um prefeito que apoia Bolsonaro. Parlamentares bolsonaristas agora terão o poder de retaliar prefeitos que não apoiarem suas campanhas. É a legalização do uso do orçamento público para bancar uma farra eleitoral sem precedentes.

    Os pareceres dos técnicos do Senado e da Câmara apontaram que as manobras comandada por Lira ferem uma série de princípios da Constituição, mas, obviamente, o cumprimento das leis não são um empecilho para os objetivos eleitoreiros dos bolsonaristas. O vale-tudo está normalizado. Esses dois absurdos foram aprovados no Congresso em 20 minutos, um tempo recorde. Não dá para negar que, a depender do ponto de vista, “Arthur Lira é foda” é mesmo.

    Não podemos nos dizer surpresos. Esse é o modus operandi que Lira tem adotado desde que Bolsonaro se acochambrou com o Centrão. São muitos projetos votados a toque de caixa, no sistema de rolo compressor, sem o mínimo debate e pegando a oposição de surpresa. Temas sensíveis que requerem muita conversa, como a privatização da Eletrobras, a proposta de carteira de trabalho para jovens sem direitos trabalhistas e o fim da estabilidade do funcionário público, são pautados por Lira no fim do expediente, numa tentativa de pegar a oposição de surpresa.

    Com o presidente da República comendo em sua mão e o Centrão no bolso, o todo-poderoso presidente da Câmara sente-se à vontade e ignora qualquer possível obstrução por parte da oposição. Para o professor e pesquisador da UERJ João Cezar de Castro Rocha, o show diário de falas absurdas de Bolsonaro tem justamente o objetivo de tirar o foco dos absurdos comandados por Lira nas votações da Câmara.

    A aprovação do Orçamento Secreto, um escândalo que beneficiou com emendas bilionárias aliados do governo sem qualquer transparência, talvez seja a maior obra golpista de Lira até agora. Nesta semana, na esteira do rolo compressor que aprovou PECs ilegais, o Centrão conseguiu tornar o Orçamento Secreto ainda mais secreto. Como se já não bastasse omitirem os nomes dos parlamentares beneficiados com as verbas das emendas, agora o nome do relator-geral do orçamento também será ocultado.

    Lembremos também da rapidez com que o presidente da Câmara conseguiu aprovar alterações do Código Eleitoral, que ainda passarão pelo crivo do Senado. No ano passado, em apenas 16 dias, Lira aprovou mudanças significativas nas regras eleitorais que valem já para este ano, como a censura de pesquisas às vésperas da votação e a desidratação dos poderes do TSE, cujas resoluções teriam que passar pelo crivo do Congresso.

    O presidente da Câmara é o principal fiador do projeto bolsonarista. Ele tem o Orçamento Secreto na mão, o que lhe dá o poder de manter o Centrão unificado e fiel ao bolsonarismo. As chamadas “pedaladas fiscais” de Dilma — que nem eram pedaladas —  são brincadeira de criança perto do que faz o bolsonarismo.

    Arthur Lira é hoje o homem mais poderoso da República. Arthur Lira é mesmo foda. Diferentemente de Eduardo Cunha, que traiu a aliança com a presidenta, ele é bastante fiel ao bolsonarismo e faz o trabalho sujo para que o governo e o Centrão possam se sair bem na fita na próxima eleição. Graças ao seu trabalho, o Executivo e o Legislativo têm a tranquilidade para trabalhar juntos para assaltar os cofres do país e destruir a democracia. A apatia do país diante desse cenário é assustadora.

    The post Enquanto Bolsonaro e seus generais ameaçam, Arthur Lira dá um golpe appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • BRASILIA, BRAZIL - NOVEMBER 11: Brazilian President Jair Bolsonaro looks on during the Presentation of Food Donation Program at Planalto Palace on November 11, 2021 in Brasilia, Brazil. The program Comida no Prato aims to connect companies who want to donate food with institutions that are able to receive them for distribution to those in need. The levels of poverty and hunger grew in Brazil in 2020 and 2021, fueled by the effects of the pandemic. (Photo by Andressa Anholete/Getty Images)

    Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Getty Images

    As pesquisas indicam um cenário inédito na corrida para o governo de São Paulo. Faltando menos de três meses para a eleição, o candidato tucano, Rodrigo Garcia, aparece bem atrás do candidato petista, Fernando Haddad. É um cenário novo para o estado em que o PSDB mantém uma dinastia há quase 30 anos, tendo eleito sete governadores consecutivos, e onde o antipetismo sempre foi uma força avassaladora. O eleitorado do interior paulista é tradicionalmente conservador e vê-lo disposto a eleger um candidato de esquerda é surpreendente.

    Com o acordo que definiu a saída de Márcio França da corrida para o Palácio dos Bandeirantes, Haddad agora vislumbra a possibilidade real de matar a eleição logo no primeiro turno. A tragédia bolsonarista em Brasília talvez seja o fator principal para esse novo quadro. O antibolsonarismo virou uma força eleitoral importante no estado e superou o antipetismo.

    Bolsonaro conseguiu a proeza de ser mais rejeitado que Lula no estado, algo impensável há quatro anos. Nas eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro recebeu mais que o dobro de votos que Haddad no estado e venceu a disputa em 97,8% dos municípios paulistas. Já nas eleições para o governo paulista, o candidato petista Luiz Marinho ficou com 12% dos votos e viu o BolsoDoria triunfar.

    A ascensão do bolsonarismo mexeu com o tabuleiro do jogo. Antes, um apoio de Alckmin e Márcio França à uma candidatura petista no estado seria impensável. São apoios importantes que ajudam a dar uma diluída no antipetismo. Haddad terá um palanque fortíssimo com a presença de dois ex-governadores do Tucanistão, além de Lula.

    Apesar da rejeição ao ex-presidente ainda ser alta entre os eleitores do estado, ele ainda assim venceria a eleição presidencial contra Bolsonaro por uma vantagem de 13 pontos percentuais. Bolsonaro é rejeitado por 64% dos paulistas, enquanto Lula é rejeitado por 51%. Boulos e Marina da Silva também estarão no palanque de Haddad. É um cenário completamente diferente de 2018, quando o PT teve apenas o PCdoB como aliado na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes.

    Outra vantagem eleitoral em relação a 2018 é o fato de que Haddad tem um perfil mais palatável ao eleitor paulista que Luiz Marinho. Um professor que foi ministro e dialoga com o empresariado tende a ser um esquerdista menos assustador aos paulistas do que um sindicalista desconhecido da maioria.

    Nos próximos dias, o PT deve anunciar o candidato a vice de Haddad. O PSOL quer a vaga, mas, pelos recentes movimentos do PT buscando o centro, é improvável, para não dizer impossível, que isso ocorra. A escolha de uma chapa pura de esquerda não renderia novos votos para Haddad, pelo contrário, colocaria uma pulga atrás da orelha do paulista médio.

    Nunca antes na história do estado paulista a esquerda teve um cenário eleitoral tão promissor.

    As chances de uma vitória da esquerda em São Paulo são reais, mas ainda há muito chão pela frente. Apesar de ter arrefecido, o antipetismo continua sendo uma força importante no estado. Caso a eleição vá para o segundo turno, é certo que os eleitores de Garcia e de Tarcísio estarão juntos para tentar barrar o PT. Com o apoio das máquinas do governo federal e estadual, a tendência é que as duas candidaturas cresçam durante a campanha.

    Garcia e Tarcísio são pouco conhecidos pelo eleitorado paulista, mas têm potencial para crescer nas pesquisas e conquistar uma vaga no segundo turno. O tempo de rádio e TV é fundamental para torná-los mais conhecidos e ambos contarão com bons espaços durante a campanha. Com a recém aliança firmada com o União Brasil, Garcia terá quase o dobro do tempo de exposição no horário eleitoral gratuito na TV e no rádio em relação aos seus principais adversários.

    Com o apoio do PSD de Kassab, Tarcísio terá mais tempo que Haddad. A tendência é que o bolsonarista cresça um pouco nas pesquisas à medida em que o eleitor bolsonarista passe a identificá-lo como o candidato de Bolsonaro, mas isso também fará aumentar sua rejeição. O espaço para crescimento de Tarcísio é pequeno, já que Bolsonaro é o pior padrinho político no estado. Quase 70% dos paulistas afirmam que não votarão em um candidato indicado por ele de jeito nenhum.

    Nunca antes na história do estado paulista a esquerda teve um cenário eleitoral tão promissor. Uma vitória encerrará um ciclo de três décadas de hegemonia tucana no Palácio dos Bandeirantes e será decisiva também para a eleição presidencial. Haddad é o maior beneficiado pela aliança que Lula costurou com Alckmin e outros setores que se descolaram do tucanato. É irônico imaginar que o fim do Tucanistão pode ser feito com um ex-tucano que até pouco tempo era uma das principais lideranças da sigla.

    Além do crescimento do antibolsonarismo no estado que elegeu BolsoDoria há quatro anos, o leque de alianças formado por Lula ajudou a diminuir a fervura do caldeirão do antipetismo que sempre borbulhou no maior colégio eleitoral do país. Haddad tem chances de liquidar a fatura no primeiro turno, mas o cenário irá mudar com o início da campanha e é improvável que isso aconteça. De qualquer maneira, a vaga do petista no segundo turno parece garantida, enquanto Tarcísio e Garcia vão sair no tapa em busca do mesmo eleitorado.

    The post O antibolsonarismo virou uma força eleitoral em São Paulo – e já supera a rejeição ao PT appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • BRASILIA, BRAZIL - DECEMBER 16: President of Brazil Jair Bolsonaro reacts during the exchange of the presidential guard at Planalto Palace on December 16, 2021 in Brasilia, Brazil. (Photo by Andressa Anholete/Getty Images)

    Foto: Andressa Anholete/Getty Images

    Desde a redemocratização, todos os governos usaram de alguma maneira a máquina pública em ano eleitoral para se reeleger ou garantir a eleição de um aliado. Mas havia certo pudor dos governantes e não se extrapolava os limites legais de maneira acintosa. As ações sempre permaneciam dentro da zona – cinzenta – da lei. Mas Bolsonaro não tem pudor. O que ele tem feito neste ano eleitoral é de um descaramento sem precedentes.

    As motociatas semanais já custaram milhões aos cofres públicos. A campanha contra as urnas eletrônicas mobilizou estruturas do governo como as Forças Armadas e o Ministério da Justiça. A ofensiva contra a Petrobras para diminuir o preço dos combustíveis levou à demissão de dois presidentes e o ministro de Minas e Energia, pressão sobre dirigentes e pela criação de uma CPI. Os pedidos de voto explícitos e a exibição de camisetas “Bolsonaro 2022″ em eventos oficiais do presidente já se tornaram comuns. A coisa vai longe.

    Bolsonaro instrumentalizou burocracias do estado para trabalharem em favor da sua reeleição. Não chega a ser um espanto, já que o descumprimento das leis e o desrespeito à democracia são grandes marcas de Bolsonaro e dos militares. Bolsonaro governa contra a Constituição.

    As pesquisas de intenção de voto apontam que uma reeleição hoje seria improvável, o que impulsiona o descumprimento da legislação eleitoral. Absolutamente todas as últimas grandes ações do governo são feitas a partir de um cálculo eleitoral.

    A última foi a PEC Kamikaze aprovada pelo Senado ontem que, entre outras ações, aumentou o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 – o mesmo aumento que ele negou há dois anos – e garantiu um voucher de R$ 1.000 mensais para caminhoneiros. Trata-se de uma PEC ilegal, já que é vedado pela lei eleitoral a “distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública” em ano de eleição.

    Para justificar o libera-geral e tentar driblar a legislação eleitoral, foi embutida na PEC a instituição de estado de emergência até o final do ano. Ou seja, após passar o governo sufocando a população pobre, cortando direitos e desidratando programas sociais, Bolsonaro agora quer ser visto como “pai dos pobres” às vésperas da eleição.

    Nos últimos três anos e meio, ele assistiu ao aumento da fome e do desemprego e nada fez para mudar o quadro. Agora, vendo seu projeto de poder em risco e com muito medo de acabar na cadeia, quer abrir os cofres para tentar comprar os votos daqueles que mais dependem do estado.

    Os senadores da oposição gritaram muito contra a PEC Kamikaze (também conhecida como PEC Desespero), mas votaram quase que em unanimidade a favor, com exceção de José Serra, que não fez mais do que a obrigação. A votação da proposta ilegal do governo colocou a oposição numa sinuca de bico. Como votar contra uma proposta que ajuda os mais pobres? Nenhum senador quer entrar em campanha eleitoral com a pecha de ter negado ajuda a quem precisa.

    É uma situação complicada, porque, de fato, esses benefícios fazem a diferença na vida das pessoas, mesmo que a curto prazo. Bolsonaro se negou a conceder esses benefícios e armou essa bomba-relógio para agora posar de salvador da pátria. A questão é: a longo prazo essa medida eleitoreira será boa para os pobres? Evidente que não.

    O desespero de Bolsonaro reside também no fato de que ele não tem obras e projetos relevantes para apresentar durante a campanha.

    Se por um acaso a medida fizer Bolsonaro disparar nas pesquisas e ganhar a eleição, todos esses benefícios cairão a partir do próximo ano, e os mais pobres terão que sofrer mais quatro anos sufocados pelo bolsonarismo. Estamos no país em que todos os candidatos à presidência que tentaram se reeleger venceram. Hoje parece improvável que isso ocorra, mas é um risco que se corre. Lembremos que a popularidade de Bolsonaro aumentou durante a pandemia depois do auxílio-emergencial, enquanto ele cometia sucessivos crimes contra a saúde pública que prejudicavam principalmente os mais pobres.

    A reeleição seria uma tragédia sem precedentes para a população mais pobre. O fato é que, ainda que seja uma situação espinhosa, esse é um enfrentamento que a oposição deveria fazer. A proposta é criminosa, e a oposição entra para história como avalista de um crime planejado por Bolsonaro para se reeleger.

    Sem ter os votos necessários para derrubar a PEC Kamikaze, os oposicionistas atuaram para minimizar os danos e conseguiram alterações importantes no texto para tornar o estado de emergência mais restrito e sem brechas para aumento dos gastos. Fora isso, o governo não encontrou dificuldades, pelo contrário, conseguiu aprovar a proposta inconstitucional a toque de caixa, em dois turnos feitos no mesmo dia e sem passar pelas comissões.

    A oposição não ofereceu a mínima resistência e, agora, não tem moral nem para entrar com uma ação no STF para impedir a concretização do crime. A oposição, também norteada por cálculo eleitoral, aceitou chancelar o crime de Bolsonaro para ajudar os mais pobres.

    Quando deputado, Bolsonaro chamava o Bolsa Família — um programa que virou referência mundial de distribuição de renda e não foi implantado na véspera da eleição — de “bolsa esmola”, “bolsa farelo” e acusava os petistas de usá-lo para se manter no poder.


    “Cada vez mais, pobres coitados, ignorantes, ao receberem bolsa família, tornam-se eleitores de cabresto do PT”

    “O Bolsa Família nada mais é do que um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dá-lo a quem se acomoda, para que use seu título de eleitor e mantenha quem está no poder.”

    “Para ser candidato a presidente tem de falar que vai ampliar o Bolsa Família, então vote em outro candidato. Não vou partir para a demagogia e agradar quem quer que seja para buscar voto.”

    Essas foram algumas das frases de Bolsonaro quando deputado. Faltando poucos meses para a eleição de 2018, o candidato passou a usar um discurso diametralmente oposto: “É um programa que temos que manter e, por questões humanitárias, olhar com muito carinho”.

    O vale-tudo eleitoral, agora em nome dos mais pobres, é condizente com um parasita autocrata que passou três anos e meio do governo boicotando benefícios sociais e, agora, surge como o messias distribuindo dinheiro para tentar garantir a reeleição.

    O desespero de Bolsonaro reside também no fato de que ele não tem obras e projetos relevantes para apresentar durante a campanha. Os seus únicos projetos desde o primeiro dia de governo são o da destruição do estado, da democracia e a perpetuação do bolsonarismo no poder.

    The post PEC Kamikaze: Bolsonaro engole o ódio contra os pobres em troca da reeleição appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • BRASÍLIA, DF, 10.02.2022 - O presidente Jair Bolsonaro, ao lado do ministro Milton Ribeiro (Educação), durante cerimônia sobre renegociação de dívidas do Fies, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF). (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

    Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

    O pastor presbiteriano e ex-ministro da Educação, Milton Ribeiro – aquele homem de Deus que anda armado e dispara acidentalmente tiro em aeroporto – foi preso preventivamente suspeito de operar um esquemão de propinas para liberação de verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, FNDE, para prefeituras, que ficou conhecido como o Bolsolão do MEC. Também foram presos dois outros pastores evangélicos, sem cargos públicos, que intermediaram o pagamento das propinas.

    Ribeiro é acusado pelos crimes de tráfico de influência, corrupção passiva, prevaricação, tráfico de influência e advocacia administrativa – quando um servidor público usa o cargo para atender interesses particulares. Há fartas provas, como áudios com relatos de prefeitos e um do próprio Milton Ribeiro admitindo que procurou os pastores para atender um pedido de Jair Bolsonaro.

    Apesar dos fatos comprovados, a prisão preventiva do pastor tem um quê de lavajatismo. Os requisitos legais para a execução da prisão preventiva não foram cumpridos e, em virtude disso, um habeas corpus tirou o ex-ministro da cadeia no dia seguinte. A farra das prisões ilegais e preventivas durante a Lava Jato ajudou a pavimentar a ascensão do bolsonarismo ao Planalto. É irônico ver o modus operandi lavajatista sendo aplicado contra ele agora. Há provas suficientes para que Milton Ribeiro e os pastores sejam presos após o trânsito em julgado. Bolsonaro também pode acabar no xilindró como o mandante do crime caso não se reeleja.

    O bolsonarismo percebeu o potencial de estrago dessa bomba em seu eleitorado e entrou em pânico. Logo após a prisão dos pastores, o núcleo de campanha eleitoral montou uma operação de guerra para tentar conter os danos à imagem do presidente.

    Em entrevista dada logo após a prisão, Bolsonaro ajustou o discurso e perguntou lavando as mãos: “Se a PF prendeu, tem um motivo. (…) Se alguém faz algo de errado, pô, vai botar a culpa em mim?”. Há um ano, Bolsonaro afirmou o exato oposto: “Podem ter certeza: eu sou responsável por tudo o que acontece ou deixa de acontecer nos meus ministérios”.


    Quando o Bolsolão do MEC estourou pela primeira vez no noticiário, o presidente saiu em defesa do seu ex-ministro ao dizer que botaria a “cara no fogo por ele”. Agora, Bolsonaro fez o que costuma fazer com aliados com potencial para arranhar sua imagem: o largou ferido na estrada. O homem que bateu no peito dizendo ser responsável por tudo o que acontece nos seus ministérios, agora lava as mãos e diz que “ele [o ministro Milton Ribeiro] que pague pelos erros dele”. É importante lembrar da proximidade do ex-ministro com Bolsonaro. A indicação de Milton Ribeiro ao MEC foi feita pela primeira-dama Michelle Bolsonaro.

    A tropa de choque bolsonarista nas redes sociais e na imprensa correu para demonstrar indignação com a prisão dos pastores, alegando perseguição da justiça. O ex-ministro do Meio Ambiente e atual comentarista da Jovem Pan, Ricardo Salles, também é acusado por alguns dos crimes cometidos por Milton Ribeiro, disse que Ribeiro é uma vítima dos ratos da política: “Até que se prove o contrário, é um homem correto, um pai de família, um homem religioso e que talvez tenha sido pego por sua inocência a contrapé por esses ratos que roem a política brasileira”.

    Salles fingiu esquecer que há uma liderança no comando dessa ratoagem. Quem deu as ordens para Milton Ribeiro atender os pedidos de outros ratos se chama Jair Bolsonaro. E quem afirmou isso em áudio vazado foi o próprio Milton Ribeiro, o homem que Salles considera “correto”. Além do áudio, o ex-ministro confirmou em depoimento à Polícia Federal que as tratativas com os pastores presos só aconteceram depois que Bolsonaro pediu.

    O envolvimento do presidente da República como mandante do Bolsolão do MEC é inquestionável.

    O juiz que prendeu os pastores virou alvo do ódio bolsonarista nas redes sociais. Relatou ter recebido uma “centena de ameaças” de apoiadores dos pastores. Eduardo Bolsonaro, Flávio Bolsonaro, André Porciúncula e outros bolsonaristas inflamaram suas redes insinuando que o juiz persegue o governo por questões ideológicas, o que é simplesmente falso: o mesmo juiz já condenou vários políticos petistas e emedebistas.

    O envolvimento do presidente da República como mandante do Bolsolão do MEC é inquestionável. Além da afirmação de Milton Ribeiro, há registros de que Arilton Moura Correa, um dos pastores presos por participar do esquemão no MEC, tinha passe livre para entrar no Palácio do Planalto.

    Entre janeiro e setembro de 2019, o líder evangélico só não foi ao Palácio em março. Segundo apuração da Agência Sportlight, os registros do prédio de trabalho de Jair Bolsonaro apontam 23 entradas do pastor só nos primeiros nove meses de governo. Em quatro ocasiões foram registradas entradas múltiplas de Arilton Moura em um mesmo dia.

    O pastor lobista tem sido também um assíduo visitante da Câmara durante o governo Bolsonaro. Soma-se entre 2019 e 2022 um total de 90 visitas à Câmara, algumas delas no gabinete de Eduardo Bolsonaro. Segundo o prefeito da cidade de Luis Domingues (MA), o pastor prestigiado pelo Planalto e pelo bolsonarismo na Câmara pediu R$ 15 mil e um quilo de ouro em propina para poder liberar verbas da educação para a cidade.

    10/02/2021 - Com presença do Presidente Bolsonaro, MEC apresenta ações para 2021 à prefeitos.

    Prisão de Milton Ribeiro, gravado em um esquema de desvio de verbas, atinge em cheio base mais fiel de Bolsonaro.

    Foto: Catarina Chaves/MEC

    As digitais de Jair Bolsonaro no seu caso são tão evidentes que a Justiça Federal em Brasília determinou o envio da investigação de volta para o STF por causa do envolvimento do presidente da República. O pedido foi feito pelo MPF depois que a investigação interceptou um telefonema entre Ribeiro e sua filha. Numa conversa cheia de códigos, o ex-ministro deixa claro que Bolsonaro lhe avisou que seria alvo de busca e apreensão.

    Antes de saber do vazamento dessa conversa, Bolsonaro alegou, na maior cara de pau, que o fato da prisão ter sido executada pela Polícia Federal seria um claro sinal de que ele não interfere nos trabalhos da corporação. Mas, no dia seguinte, o delegado responsável pelo caso denunciou que sofreu interferência na condução da investigação.

    Segundo ele, a PF teria dado tratamento diferenciado a Milton Ribeiro por ordem de superiores. O ex-ministro deveria ter sido preso e levado para Brasília, e não para São Paulo: “O deslocamento de Milton para a carceragem da PF em SP é demonstração de interferência na condução da investigação. Por isso, afirmo não ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir o inquérito policial deste caso com independência e segurança institucional”. Ainda segundo o delegado, Milton Ribeiro “foi tratado com honrarias não existentes na lei, apesar do empenho operacional da equipe de Santos que realizou a captura.”

    Já presenciamos inúmeros casos de corrupção no governo que se elegeu prometendo acabar com a corrupção: o laranjal do ministro do Turismo, o ex-ministro Ricardo Salles atuando ilegalmente em favor das madeireiras na Amazônia, o orçamento secreto, o escândalo da compra da Covaxin etc. Até agora, todos esses casos em que o governo se meteu não fizeram grandes estragos na base eleitoral do presidente, que permaneceu fiel escândalo após escândalo.

    Mas o Bolsolão do MEC é diferente e atinge em cheio bandeiras caras ao bolsonarismo. Trata-se de um episódio em que pastores evangélicos foram flagrados fazendo politicagem baixa com as verbas destinadas às escolas públicas. É um caso que queima o filme de pastores evangélicos e fere a identidade religiosa da base eleitoral evangélica de Bolsonaro. Essas pessoas têm filhos, netos e conhecem a precariedade das escolas públicas. Em sua maioria são pessoas honestas, trabalhadoras, pagadoras de impostos e de dízimo que agora veem seus líderes religiosos se enlameando com dinheiro destinado à Educação.

    Diferentemente da rachadinha, do negacionismo na pandemia e dos crimes cometidos pelo governo na Amazônia, a prisão de um pastor torna este um escândalo mais palpável, com alto potencial para diminuir a distância – que já é pequena – entre Lula e Bolsonaro nas intenções de voto do eleitorado evangélico. De qualquer maneira, o tamanho do impacto da prisão do pastor entre os evangélicos ainda é incerto e será medido pelas próximas pesquisas.

    No Senado há uma mobilização para a abertura de uma CPI para apurar o caso dos pastores lobistas no MEC. Já há assinaturas suficientes para protocolar abertura da comissão. A abertura de uma CPI que investiga pastores evangélicos fazendo farra com dinheiro destinado às escolas em ano eleitoral pode cair como uma bomba nas pretensões de reeleição de Bolsonaro. Com os coturnos atolados na lama, o bolsonarismo terá dificuldades em continuar empunhando a bandeira do combate à corrupção.

    The post Bolsolão do MEC: o esquema que pode custar a reeleição e dar cadeia appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • wando-ratanaba

    Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil

    Enquanto os olhos do mundo estavam voltados para o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira na Amazônia, o bolsonarismo embalava mais uma teoria da conspiração sobre a região. A tese é das mais mirabolantes: há uma cidade perdida na Amazônia que foi a capital do mundo há 450 milhões de anos. Trata-se de Ratanabá, que abrigou a primeira civilização do planeta, que dominava tecnologias muito avançadas.

    Em Ratanabá há tanta riqueza escondida, mas tanta, que seria o suficiente para transformar o Brasil no país mais rico do mundo. Esse delírio, claro, não encontra o mínimo respaldo entre arqueólogos que estudam a região e cientistas em geral. Há 450 milhões a humanidade nem existia e só viria existir algumas centenas de milhões de anos depois. É uma conspiração grotesca como todas as que fazem a cabeça dos bolsonaristas.

    Não se trata de mais uma mamadeira de piroca fabricada pelo gabinete do ódio, mas de uma conspiração criada há alguns anos que vem ganhando adeptos. A descoberta de araque foi feita por um cientista de araque. Urandir de Oliveira é o picareta por trás de Ratanabá.

    Ele ficou famoso no Brasil primeiro como paranormal nos anos 90, quando aparecia em programas de auditório entortando garfos com a força do pensamento. Mais tarde, graças ao espaço dado por emissoras ávidas por audiência a qualquer custo, ele ficaria ainda mais famoso como ufólogo ao criar a farsa do ET Bilú — uma mentira ainda mais primária, evidente e constrangedora que a gravidez de Taubaté.

    Neste ano eleitoral, a história de Ratanabá virou febre na internet e passou a circular nas mesmas redes que difundiram negacionismo científico durante a pandemia. Essa é uma conspiração que, em um primeiro momento aparenta ser inocente e inofensiva, mas não é bem assim.

    Urandir defende outras conspirações caras ao bolsonarismo. Ele é antivacina, jura que a Terra não é redonda como desconfiava Olavo de Carvalho e, assim como o presidente, afirma que a floresta amazônica não queima. A lenda de Ratanabá também abarca outra conspiração bolsonarista: a de que muitos países do mundo, através de ONGs internacionais em defesa da Amazônia e direitos dos povos indígenas, têm, na verdade, o objetivo de dominar e roubar as riquezas dessa região do Brasil. Eles estariam de olho no ouro que abunda em Ratanabá. A luta pela preservação da Amazônia e pelos direitos indígenas seria, portanto, uma fachada para estrangeiros que querem nos saquear.

    O recente sucesso da lenda não é apenas coisa de gente maluca na internet, mas fruto de um movimento organizado.

    Não é uma coincidência o fato de Ratanabá ter virado um dos assuntos mais comentados do Brasil nas últimas semanas. O impulsionamento repentino do assunto nas redes da extrema direita se deu justamente durante o desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, que estavam na linha de frente da luta pela preservação da Amazônia e pelos direitos dos povos indígenas.

    O recente sucesso da lenda não é apenas coisa de gente maluca na internet, mas fruto de um movimento organizado. Segundo a ferramenta Google Trends, a palavra “Ratanabá” começou a ser pesquisada em grande volume no Google a partir do dia 5 de junho, atingindo o pico no dia 12. Antes disso, havia pouquíssima procura. Não é coincidência o fato que 5 de junho seja justamente o dia em que começou a ser noticiado o desaparecimento de Dom e Bruno na Amazônia. Não é difícil imaginar como uma mente lavada pelo bolsonarismo possa juntar os pontos e cravar que o jornalista e o indigenista estavam a serviço de ONGs estrangeiras em busca do ouro de Ratanabá.

    “Busquem conhecimento”, aconselhou o ET Bilú à humanidade. Foi o que Urandir fez ao criar o Ecossistema Dakila, um instituto de pesquisas presidido por ele que se apresenta como o centro que descobriu Ratanabá. A entidade não é composta por cientistas, mas por amadores dispostos a provar as conspirações malucas de Urandir.  É uma organização que não tem vínculos com nenhuma universidade, órgãos oficiais de pesquisas e não encontra respaldo na comunidade científica.

    Apesar disso, a turma de Dakila sofre de uma megalomania própria dos picaretas. Segundo o seu site, Dakila é “o farol do desenvolvimento na fronteira tecnológica mundial e a luz pioneira que levará a humanidade pelo caminho do esclarecimento cientifico-tecnológico”.

    O alinhamento com a ideologia bolsonarista do instituto ficou clara durante a pandemia. O Dakila impulsionou o movimento antivacina e promoveu cloroquina e ivermectina para o tratamento de covid. Para Urandir, não há comprovação científica que as vacinas combate covid. Segundo ele, “a tal pandemia se tornou uma arma biológica contra a população, além de muitos estarem tirando proveito financeiro da situação. Pessoas desinformadas estão caindo na armadilha, pois a lavagem cerebral é muito bem feita através de vários meios de comunicação”.

    Em agosto de 2020, no auge da pandemia, o governo Bolsonaro, representado pelo então secretário de Cultura Mário Frias, recebeu o farsante do ET Bilú em seu gabinete com todo respeito e seriedade do mundo. Quem o levou foi o deputado bolsonarista Roberto Alves de Lucena, do Republicanos, pastor evangélico muito próximo do presidente. Bolsonaro o recebeu muitas vezes no Planalto e já o convidou para integrar uma comitiva de uma viagem presidencial. Na reunião, Urandir pediu apoio dos órgãos governamentais. Mário Frias demonstrou grande interesse nas pesquisas fajutas do Dakila e prometeu ajudar.

    Nesta semana, dois anos depois da reunião, Frias aproveitou o boom do assunto nas redes para divulgar mais uma vez a reunião feita com Urandir. Numa série de postagens no Twitter, Frias garantiu que os estudos de Dakila podem revelar “a maior descoberta dos últimos tempos!” e que o instituto contou “com todo apoio do Exército, das Forças Aéreas, da Defesa Civil, do Ministério da Defesa e até do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional)”.

    O ex-secretário de Cultura ainda usou seu mau português para dizer, no entanto, que não há verbas públicas patrocinando os delírios de Urandir: “não houveram [sic] aportes financeiros do governo federal”. Como se sabe, estamos em ano eleitoral e o ex-canastrão de Malhação concorrerá a uma vaga de deputado federal. Ele não poderia perder a chance de surfar no algoritmo do assunto do momento.


    Urandir não é apenas mais um picareta que espalha conspirações. É um empresário que usa o seu instituto para alcançar visibilidade e alavancar seus negócios em diversas áreas. O chamado Ecossistema Dakila abarca uma série de empreendimentos de Urandir, como a Pantanal Trading, uma “trading para facilitar a exportação e importação nos Emirados Árabes Unidos”; a Air Pantanal, uma suposta companhia aérea de luxo; a 067 Vinhos, uma marca de vinhos, a Kion Cosmetics, que comercializa cosméticos feitos a partir de uma argila especial.

    Ele é também o fundador de Zigurats, uma comunidade da cidade de Corguinho, Mato Grosso do Sul, voltada para estudos sobre alienígenas e sobre a Terra convexa. A moeda oficial da comunidade é o BDM, uma criptomoeda altamente suspeita. A empresa BDM Digital é a empresa que cuida dos negócios com bitcoin de Urandir. Além dessas há outras empresas, todas com a mesma aparência duvidosa e a credibilidade conferida pelo inventor do ET Bilú.

    Mário Frias, portanto, não abriu as portas do governo federal apenas para a conspiração de Ratanabá, mas também para os negócios de Urandir. A imprensa também vendeu espaço a divulgar essas empresas duvidosas. O portal G1, do grupo Globo, vendeu grandes espaços publicitários para os negócios. Só o seu bitcoin recebeu 12 informes publicitários, escritos com linguagem jornalística. Apesar do aviso de que se trata de um espaço publicitário, o tom jornalístico do texto certamente faz com que muitos incautos acreditem que se trata de uma reportagem. E é justamente esse o público-alvo do empresário bolsonarista.

    Urandir possui contatos com muitos políticos aliados do presidente, principalmente os do Mato Grosso do Sul, onde ganhou o título de cidadão campo-grandense. Na cerimônia, o vereador bolsonarista Antonio Cruz, autor da homenagem, afirmou que o pai do ET Bilú “é um homem de visão futurista que vem criando empreendimentos que geram renda e postos de trabalho e que vem tendo seu trabalho reconhecido por diversos organismos públicos, entre os quais câmaras de vereadores de vários municípios”.

    Grandes influencers e páginas de fofoca, claramente brifados, passaram quase que simultaneamente a divulgar a história da cidade perdida. Não sejamos inocentes. A coisa é direcionada e, muito provavelmente, financiada. Famosos bolsonaristas, como o ator Sandro Rocha, passaram a divulgar a conspiração de Urandir em suas redes. Rocha ganhou fama no papel de miliciano em Tropa de Elite e, mais tarde, aproveitaria a visibilidade para ser um dos principais divulgadores de pirâmides financeiras como a Telexfree e a BBom. Ele também é alvo de uma investigação por um golpe milionário dado através de uma suposta empresa de compra e venda de diamantes.

    Esse homem bom é um dos principais divulgadores da picaretagem da cidade inventada por Urandir. Ele já gravou uma live com os pesquisadores do Instituto Dakila e tem produzido uma série de vídeos sobre Ratanabá em seu canal, além de ter dado entrevistas para grandes canais para divulgar o delírio. Em uma delas, perguntou “você acha que a Amazônia é a busca incessante do mundo inteiro por quê? Por causa das queimadas? Por causa das florestas?”, numa clara insinuação de que a busca pela Amazônia é por causa da riqueza de Ratanabá que, segundo ele, “daria pra deixar todo brasileiro milionário”.

    O impulsionamento recente da lenda de Urandir contribuiu para reforçar a retórica bolsonarista sobre a região amazônica. Quem poderá salvar Ratanabá e a Amazônia das garras das ONGs estrangeiras? Certamente o mito, o messias, o grande patriota que há anos vem nos alertando sobre os interesses internacionais sobre a região.

    Além de servir como uma luva aos interesses eleitorais do presidente, colocar Ratanabá em pauta nesse momento ajuda a ofuscar a omissão do governo nas investigações dos assassinatos do jornalista inglês e do indigenista brasileiro. Serve também para atender aos interesses eleitoreiros de políticos bolsonaristas e conferir grande visibilidade aos negócios do empresário Urandir.

    Ratanabá é o puro suco de lisergia bolsonarista. Neste sábado, Jair Bolsonaro desfilará sorridente em uma motociata na capital do Amazonas, poucos dias depois da confirmação dos assassinatos de Dom Phillips e Bruno. É um tipo de sadismo que deve fazer Olavo de Carvalho sorrir no inferno.

    The post Ratanabá: o delírio de uma extrema direita desesperada appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • Moro-Trapalhao

    Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil

    A trajetória de Moro na política talvez seja uma das histórias mais tristes e patéticas da história da República. Começou nos tribunais, onde foi um tigrão com potenciais adversários políticos e um tchutchuco com aqueles que viriam a ser seus aliados.

    Impulsionado pelos afagos e holofotes da grande imprensa lavajatista, Moro encarnou o personagem desenhado para ele: o herói nacional que atacava o “sistema”, o salvador da pátria que combatia os mal feitores da política. Foi na esteira das suas ações nos tribunais que pavimentou a estrada por onde passaria a motociata do fascismo rumo ao Planalto.

    Moro resolveu segui-la e se tornou um dos principais ministros do governo Bolsonaro. Até aí tudo estava dando certo, até que rompeu com o chefe. Mas o rompimento não se deu por divergências ideológicas, mas por disputa de poder. A fantasia do herói traído, o homem tragado pelo sistema por tentar combater os políticos corruptos, parecia perfeita para as suas pretensões eleitorais. Essa doce ilusão foi o início do seu calvário.

    O páragrafo seguinte será melhor lido ao som da música-tema dos Trapalhões

    Moro queria ser presidente da República. Para isso, se filiou ao Podemos, partido comandado pelo seu conterrâneo e amigo Alvaro Dias, político que contou com a benevolência do ex-juiz durante a Lava Jato. Mas, no meio do caminho, o ex-juiz percebeu que o Podemos não estava estruturado o suficiente para dar conta da sua sede de poder. Então nosso herói trapalhão abandonou velhos aliados e partiu para o União Brasil, hoje o partido que conta com a maior parte da grana do fundão eleitoral.

    A estreia do ex-juiz na política partidária já ficou marcada pela traição. Enfeitiçado pelas promessas de um sujeito como Luciano Bivar – aquele que comandou o esquema de laranjas do PSL que ajudou a eleger Bolsonaro –, Moro acreditou que poderia ser presidente pelo novo partido. Mas o sonho não durou uma semana. Os caciques mandaram avisar que ele não seria candidato à presidência e, poucos dias depois, Bivar apareceu como o candidato presidencial do partido.

    Bivar, malandro, fez Moro de otário. Achincalhado dentro do seu novo partido, o herói se viu obrigado a desistir do sonho presidencial e a se contentar com uma vaga ao Senado por São Paulo. O orgulhoso morador da “República de Curitiba” rejeitou uma vaga pelo Paraná, porque seu estado seria muito pequeno para o tamanho da sua vaidade.

    O ex-juiz então se lançou como pré-candidato por SP e, para isso, tentou ser o malandro da vez e fraudou o domicílio eleitoral. Para provar o vínculo com a capital paulista, afirmou que recebeu títulos de cidadão honorário em … cidades do interior paulista.

    Outra tentativa de provar que mora na cidade foi a ida ao mercado central de SP, onde tirou foto comendo o famoso sanduíche de mortadela, um programa de turista que paulistanos nunca fazem. Moro apostou também em um documento que provaria sua paulistanidade: um contrato de locação de um apartamento assinado UM DIA antes dele pedir a mudança do seu domicílio eleitoral.

    A pororoca de constrangimentos não acabou. O PT percebeu a brecha e entrou com uma ação no Tribunal Regional Eleitoral, o TRE-SP, pedindo a inelegibilidade de Moro por fraudar o domicílio eleitoral. Diferentemente do que Moro fez com Lula nos tribunais, o PT conseguiu provar a fraude, e o tribunal derrubou a sua elegibilidade por São Paulo.

    Moro descobriu que a lei do karma não é fraudável. Em nota, afirmou: “Anunciarei em breve meus próximos passos. Mas é certo que não desistirei do Brasil”. O problema é que, segundo as últimas pesquisas eleitorais em que esteve presente, parece que foi o Brasil que desistiu dele.

    Depois dessa sequência de trapalhadas, o ex-juiz se viu obrigado a se contentar com uma candidatura pelo Paraná, o seu verdadeiro domicílio eleitoral. Ocorre que Moro queimou muitas pontes no estado ao deixar seu partido e aliados com o pires na mão para tentar voos mais altos.

    No Podemos, desfilava sobre o tapete vermelho. No União Brasil, terá que lidar com os caciques regionais do partido, que são bolsonaristas fiéis e o enxergam como um traidor. Não terá vida fácil. O diretório estadual do partido é comandado pelo clã Francischini, cujo filho é o presidente do partido e o pai está cassado e inelegível por divulgar fake news golpistas em 2018.

    Mas política é política, e os caciques já sinalizaram que topam Moro como candidato a deputado federal, já que seria um ótimo puxador de votos para a sigla. O sonho do ex-juiz era o Senado, o que o faria concorrer com Alvaro Dias, o padrinho político a quem pagou com traição.

    Mas tudo leva a crer que ele se contentará em disputar votos por uma vaga na Câmara dos Deputados com o seu coleguinha lavajatista Deltan Dallagnol, do Podemos. Resta saber se Moro aceitará passar por mais um constrangimento: apoiar Ratinho Júnior, do PSD, o candidato de Bolsonaro e do União Brasil ao governo do Paraná.

    Cansado de sofrer, Moro resolveu mobilizar a tropa lavajatista fundando um movimento político batizado com seu próprio nome: M.O.R.O, sigla para Movimento Organizado República e Ordem. Parece nome de partido fascista e tem o personalismo típico de líderes fascistas, mas deve ser apenas uma coincidência.

    O movimento é a cara do seu dono: não apresenta grandes propostas nem tem ideias inovadoras para o país. O discurso do grupo se resume basicamente àquele surrado lero-lero moralista do lavajatismo que ajudou a eleger um presidente fascistoide.

    O presidente do movimento é Márcio Coimbra, um cientista político que fez parte do governo Bolsonaro e sempre foi muito próximo da família do presidente. Mas o amigo de Moro não foi um bolsonarista qualquer.

    Coimbra foi o principal cabo eleitoral de Eduardo Bolsonaro para embaixador dos EUA e o responsável por aproximar a família Bolsonaro de Donald Trump. Logo no primeiro dia de governo Bolsonaro, escreveu uma coluna para a Folha sobre uma viagem que fez aos EUA junto ao filho do presidente. Nela, ele deixa claro que acredita nas ideias alucinadas de Olavo de Carvalho: a luta contra o “globalismo” e a defesa dos “valores ocidentais”.

    Duas semanas depois de escrever essa coluna, Coimbra seria presenteado por Eduardo Bolsonaro com uma vaga de diretor na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Esse é o presidente do MORO, que até pouco tempo estava sapateando na lama intelectual do olavismo e apoiando um governo fascistoide.


    E assim a trajetória de Sergio Moro na política vai se encaminhando para um fim melancólico. O resumo dela é tragicômico: traiu aliados para tentar ser presidente por outro partido, foi traído pelo novo partido e teve que desistir da presidência. Fraudou uma lei eleitoral para tentar uma vaga ao Senado em SP e ficou inelegível no estado. Voltou para o Paraná e agora terá que se acertar com bolsonaristas para conseguir se candidatar a qualquer coisa. Qualquer coisa mesmo. O seu passado controverso recomenda que ele se proteja com um mandato.

    A vaidade fez com que Moro abandonasse uma carreira prestigiada no magistrado para se aventurar na política. Mas a realidade mostrou que o pretenso candidato Nem-Nem – nem Lula, nem Bolsonaro –, na verdade, é o candidato Sem-Sem: sem projetos, sem carisma, sem habilidade política, sem moral.

    The post Sergio Moro: a patética trajetória política do nosso herói trapalhão appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • header-wando-agro

    Ilustração: Amanda Jungles/The Intercept Brasil

    Não é de hoje que artistas sertanejos estão associadas com os políticos de direita. No início da década de 90, durante o governo Collor e o boom da música sertaneja nas rádios, cantores sertanejos eram vistos com frequência na Casa da Dinda, residência oficial do então presidente Fernando Collor em Brasília. Só em 1992, o programa Sabadão Sertanejo, apresentado por Gugu Liberato no SBT, levou os nomes mais badalados do sertanejo para fazer uma roda de sertanejo no quintal da Casa da Dinda em duas oportunidades.

    Naquele ano, diversos escândalos de corrupção envolvendo Collor pipocavam no noticiário e o colocavam nas cordas. A cena sertaneja se mobilizou para demonstrar apoio ao presidente que teria o mandato cassado meses depois (Collor renunciou antes do impeachment). Não é de hoje, portanto, que o grosso dos artistas sertanejos apoia a direita.

    É uma relação simbiótica que vem sendo construída há décadas entre sertanejos, agronegócio e políticos da direita, um consórcio em que todos saem ganhando. Agora, com o agronegócio sentado no colo da extrema direita golpista e negacionista, a cena sertaneja se sentou também. E está faturando horrores vendendo shows para cidades administradas por prefeitos ligados ao bolsonarismo.

    O esquemão bolsonejo veio à tona depois que o cantor Zé Neto, da dupla Zé Neto e Cristiano, aproveitou um dos seus shows para fazer uma patrulha moral sobre uma tatuagem feita por Anitta em uma parte íntima. Ele disse no palco para milhares de pessoas que não depende da Lei Rouanet para fazer shows, insinuando que a artista, uma feroz crítica ao bolsonarismo, dependeria.

    Ocorre que a Lei Rouanet até pouco tempo atrás determinava um limite de R$ 45 mil para o cachê de um artista. Hoje, esse limite caiu para R$ 3 mil. No show em que usou o microfone para bancar o bedel do bolsonarismo, Zé Neto e Cristiano faturaram R$ 400 mil dos cofres públicos. O show foi feito na Exposorriso, uma feira agropecuária anual com leilões, shows e rodeios de Sorriso, Mato Grosso. A cidade mato-grossense é administrada por um prefeito tucano que é bolsonarista ferrenho. Tão bolsonarista que contrariou orientação do PSDB e anunciou apoio à reeleição de Bolsonaro.

    A hipocrisia de Zé Neto ficou exposta e foi o estopim para que se passasse um pente fino em todas as contratações de shows de cantores sertanejos feitas com dinheiro público. Reportagens com levantamento de gastos indecentes das prefeituras com shows fez a “CPI do Sertanejo” virar um dos assuntos mais comentados nas redes sociais.

    As investigações só estão começando e, por enquanto, nada de ilegal foi encontrado no esquemão bolsonejo. A coisa ainda está apenas no campo da imoralidade. O Ministério Público de diversos estados já está investigando a farra sertaneja com verbas públicas.

    Um dos casos mais emblemáticos é o de Teolândia, Bahia, cidade com 14 mil habitantes, recentemente arrasada pelas enchentes. Apesar não ter grana para pagar o salário mínimo dos professores e socorrer às vítimas de enchentes, a prefeita bolsonarista decidiu torrar R$ 1,2 milhão dos cofres municipais para bancar artistas sertanejos. Só Gusttavo Lima receberá R$ 704 mil.

    Segundo a prefeita do Progressistas, conhecer o artista era um sonho pessoal. Há poucos meses, essa mesma prefeita pediu para que a população mandasse PIX para a conta da prefeitura para ajudar os desabrigados pelas fortes chuvas que atingiram a cidade no começo do ano.

    ‘Enquanto ele ostenta carrões, mansões, iate e fazendas, o povo pobre dessas cidades sofre com serviços públicos precários’.

    Gusttavo Lima é um caso à parte. O sertanejo mais famoso da cena é o que mais recebe verbas públicas para fazer shows em cidades do interior. É também o mais bolsonarista. Assim como Teolândia, diversas cidades com baixo orçamento pagaram cachês gordos para o cantor milionário. Enquanto ele ostenta carrões, mansões e fazendas, o povo pobre dessas cidades sofre com serviços públicos precários. O cantor cobrou R$ 800 mil da cidade de São Luiz, que tem o segundo pior PIB de Roraima. Já a cidade de Conceição de Mato Dentro, Minas Gerais, que tem pouco mais de 17 mil habitantes, iria desembolsar R$ 1,2 milhão para contratar o cantor.

    A ligação de Gusttavo com a família do presidente é de muita intimidade e vem desde 2018. No início daquele ano, antes do início da campanha, o cantor e empresário postou uma mensagem de apoio ao candidato Bolsonaro junto a um vídeo em que aparece dando tiros de fuzil nos EUA: “Hoje em dia no Brasil só está desarmado o cidadão de bem. Revogação do Estatuto do desarmamento já… Nossas família e nossas casas protegidas, #bolsonaro2018 @jairmessiasbolsonaro“.

    Recentemente, o empresário chegou a postar uma foto em que aparece pegando uma piscininha com Jair Renan Bolsonaro — o filho do presidente investigado pela Polícia Federal por atuar junto ao Executivo em benefício de sua empresa. Há poucas semanas, antes da farra com as verbas públicas estourar, o locutor do show de Gusttavo Lima em Brasília foi ao microfone e gritou para milhares de pessoas como se fosse um pastor neopentecostal bolsonarista: “O Brasil é nosso, porra! É o Brasil do trabalho. É o Brasil da conquista. É o Brasil de Deus, Pátria e Família. Aqui é terra de gente abençoada por Deus.” No final, emendou: “Aqui nunca vai ser o comunismo!”.

    Gusttavo Lima não é apenas um artista. É um grande empresário do agronegócio que viu seus negócios no setor bombarem durante o governo Bolsonaro. Ele costuma se apresentar como “embaixador do agronegócio”. Segundo o site De Olho nos Ruralistas, o cantor é dono de pelo menos três grandes fazendas, curiosamente todas em nome de terceiros. Em 2020, no auge da pandemia, o “embaixador do agronegócio” realizou uma live no meio da plantação de soja da Nutribras, em Sorriso, do Mato Grosso, e falou que gostaria de comprar uma fazenda por lá.

    É também um dos donos de uma marca de carnes goiana que faz campanha aberta em favor de Jair Bolsonaro. O Frigorífico Goiás vendia uma picanha, batizada de “Picanha Mito”, cujo preço era de R$1.799,00/kg e tinha uma embalagem estampada com um meme do Bolsonaro.

    Além de ser um dos sócios, o cantor é também o principal garoto-propaganda da marca, ajudando a vender franquias de açougues em todo o país. Foi ele quem trouxe outros grandes nomes do sertanejo como Leonardo, Marrone, Rodolffo e Naiara Azevedo para ajudar a divulgar a marca bolsonarista.

    print-frigorifico-goiais

    Gusttavo Lima é um dos donos do frigorífico Goiás que fez campanha para Jair Bolsonaro.

    Foto: Reprodução/Instagram

    Na última semana, durante uma passagem de Bolsonaro por Goiânia, o frigorífico de Gusttavo Lima envelopou um helicóptero com a imagem de Bolsonaro e sobrevoou o percurso da comitiva presidencial. Recentemente, o mesmo frigorífico foi condenado a indenizar uma trabalhadora submetida a jornadas de trabalho extenuantes e que sofreu uma série de acidentes de trabalho por falta de equipamento adequado. Não é de se estranhar que um frigorífico ostensivamente bolsonarista não respeite direitos trabalhistas básicos, não é mesmo?

    O Frigorífico Goiás militou firme durante a campanha eleitoral de 2018, quando foi intimado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás por vender uma peça de carne na promoção por R$ 17, numa óbvia referência ao número de campanha de Bolsonaro. A carne só seria vendida por esse preço a quem chegasse no frigorífico com um adesivo da campanha eleitoral do atual presidente na camisa. No Instagram , imagens como essa abaixo eram divulgadas faltando poucos dias para a eleição:

    print-frigorifico-picanha

    A imagem foi deletada do Instagram do Frigorífico Goiás depois da intervenção do TRE de Goiás.

    Foto: Reprodução/Instagram

    Após as verbas milionárias que recebeu serem expostas, Gusttavo Lima chorou ao se dizer vítima de perseguição e se fez de louco ao explicar que “não pactua com ilegalidades” e que não é seu papel “fiscalizar as contas públicas”, como se fossem esses os problemas em debate. O sertanejo milionário poderá escolher o lugar mais quentinho para chorar: na sua Ferrari, na sua Porsche, no seu iate ou em alguma das suas propriedades nababescas.

    ‘O Sabadão Sertanejo com Collor na Casa da Dinda chega até ser algo inocente se comparado com a relação pornográfica entre o sertanejo e o bolsonarismo’.

    Mas Gusttavo não vai chorar sozinho. A rede bolsonarista está aí para acolher o reizinho do sertanejo, cuja riqueza é em parte proveniente de dinheiro público de cidades pobres, o que não é ilegal, mas é descaradamente imoral. Além de receber a solidariedade do senador Flávio Bolsonaro e do ministro Fábio Faria, militares da PM de Goiás foram ao seu encontro e cantaram uma música em sua homenagem.

    A cena da música sertaneja virou uma espécie de soft power do agronegócio e do bolsonarismo, que têm andado juntos desde 2018. Uma espécie de sertanejismo cultural que atende aos interesses dessa turma e difunde a ideologia reacionária da extrema direita.

    Os festivais de agropecuária, vaquejadas, rodeios e feiras de agronegócio, patrocinados pelo poder público e pelos barões ruralistas, são os principais contratantes de artistas sertanejos. O boom do sertanejo nas últimas décadas é indissociável do boom do agronegócio. Hoje, a ligação do bolsonarismo com os cantores sertanejos é tão estreita que o presidente do PL, partido de Bolsonaro, orientou os músicos sertanejos a não fazerem pedidos de voto explícito ao presidente para evitar problemas com o TSE.

    O Sabadão Sertanejo com Collor na Casa da Dinda chega até ser algo inocente se comparado com a relação pornográfica entre o sertanejo e o bolsonarismo. Hoje, temos até cantor sertanejo que virou deputado federal e usou o mandato para convocar a população para um ato golpista que pedia o fechamento do STF.

    A CPI do Sertanejo é urgente. Com a instalação da CPI será possível demonstrar como artistas ligados ao agronegócio, que defendem o estado mínimo e ajudam a difundir o ideário moralista do bolsonarismo, são alguns dos maiores sanguessugas de verbas públicas do país.

    The post A aliança lucrativa do agro, sertanejo e direita dá as caras de novo appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • O presidente Jair Bolsonaro (PL) chega no município de Itatinga, em Minas Gerais, e vai de motociata a Coronel Fabriciano para cerimônia de entrega de casas populares do residencial Buritis, nesta quinta-feira.

    Foto: Elvira Nascimento/Photo Press/Folhapress

    Em 48 horas, a Polícia Rodoviária Federal, cujo objetivo é policiar e fiscalizar as rodovias federais, participou diretamente de 27 assassinatos. Só na Vila Cruzeiro, Rio de Janeiro, policiais rodoviários ajudaram a assassinar 26 pessoas, muitas delas sem nenhum envolvimento com crimes. Entre eles, um garoto de 16 anos, morto a facadas. Segundo uma apuração prévia feita por integrantes da OAB, há fortes indícios de tortura e execução. Não houve um confronto. Nenhum policial foi baleado. Houve um massacre.

    Essa foi a segunda chacina mais letal da história do Rio, atrás apenas da ocorrida no Jacarezinho, no ano passado, quando ocorreram 27 assassinados nas mesmas condições. À época, o presidente da República aplaudiu o massacre e parabenizou os autores dos crimes — um claro sinal verde para os bandidos que vestem farda. Agora, no massacre da Vila Cruzeiro, ele parabenizou novamente a ação criminosa da polícia.

    Além de ser parabenizado por Bolsonaro, o chefe do setor da PRF que comandou os crimes junto ao Bope foi promovido ao posto máximo da corporação, o que soou como uma premiação pelos serviços prestados. O presidente, que ostenta em seu currículo fortes ligações políticas e financeiras com as milícias do Rio de Janeiro, usa seu poder de influência entre os policiais para incentivar e legitimar suas ações criminosas. Em ambas as chacinas, as vítimas eram pretas e pobres.

    No dia seguinte à chacina exaltada pelo presidente amigo das milícias, tivemos a 27ª morte comandada por policiais rodoviários. Genivaldo de Jesus Santos, 38 anos, pai de dois filhos, foi brutalmente torturado e assassinado na frente de várias pessoas em Umbaúba, litoral de Sergipe.

    As imagens registradas pelos celulares de quem estava lá não deixam dúvidas: Genivaldo, que era portador de esquizofrenia, estava sozinho, desarmado, sem nenhuma possibilidade de oferecer perigo a dois policiais armados. Mesmo alertados pelo sobrinho de Genivaldo que ele tinha problemas cardíacos, os criminosos da PRF iniciaram uma sessão de tortura em praça pública, aos olhos da população e das lentes de câmeras de celulares.

    Sem o menor temor com as consequências, os criminosos colocaram a vítima no camburão da viatura, fecharam a porta e jogaram uma bomba de gás dentro. Transformaram uma viatura policial numa câmara de gás. Desesperado, Genivaldo balançou as pernas até ser asfixiado completamente. Virou mais um cadáver nas costas de uma polícia cuja função deveria ser fiscalizar o trânsito em rodovias federais.

    Nos anos 90, o refrão de uma música de Marcelo Yuka, d’ O Rappa, dizia “todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. Depois dessa sessão de tortura sádica em Sergipe, poderíamos acrescentar que “todo camburão tem um pouco de Auschwitz”.

    Não deveria ser necessário dizer que, mesmo se Genivaldo fosse um bandido com várias passagens pela polícia, ainda assim seria vítima de um crime. Qualquer assassinato cometido pela polícia que não seja em legítima defesa é crime, sem margem para discussão. Dessa vez, o presidente não parabenizou os policiais rodoviários criminosos, mas se calou e deu as costas para o caso ao viajar para Belo Horizonte para, entre outras coisas, fazer campanha eleitoral. Enquanto o país estava atordoado pelas imagens de um brasileiro agonizando na câmara de gás, um presidente sorridente fazia sua motociata.

    Assim como as vítimas da chacina no Rio de Janeiro, Genivaldo também era preto e pobre, claro. Até porque, sabemos, um homem branco em cima de uma Harley Davidson seria tratado como um cidadão de bem. Vivemos no país em que o presidente comemora assassinato de inocentes e desumaniza pretos ao pesá-los em arrobas – a unidade de medida utilizada para pesar animais.

    A vergonhosa nota emitida pela PRF mostra que esse tipo de abordagem do guarda da esquina está amparada pela corporação. Segundo o documento, Genivaldo “resistiu ativamente a uma abordagem de uma equipe da PRF” e,  por causa de sua “agressividade”, foram empregadas “técnicas de imobilização e instrumentos de menor potencial ofensivo para sua contenção e o indivíduo foi conduzido à delegacia da polícia civil da cidade”. A nota é mentirosa. Descaradamente mentirosa.

    Foi emitida mesmo após o país ter assistido às imagens que contradizem absolutamente todas as informações contidas nela. O texto justifica a atuação dos bandidos de farda. Para a corporação, improvisar uma câmara de gás dentro do camburão de uma viatura é apenas um “instrumento de menor potencial ofensivo”. No país em que o presidente e o vice chamam um torturador do estado de “herói”, é natural que um instrumento de tortura seja classificado como “menor potencial ofensivo”.

    Depois da nota mentirosa, a PRF informou que afastou os militares e que abrirá um “processo disciplinar para elucidar os fatos”. É como se as câmeras tivessem registrado policiais cometendo uma infração leve como jogar lixo na rua.

    Dissociar esses crimes cometidos pelo estado com a ascensão do bolsonarismo ao poder é impossível.

    Num país racista e cujo presidente foi eleito sob o lema do “bandido bom é bandido morto”, assassinatos de pretos rendem votos. Tanto Bolsonaro quanto o governador bolsonarista Cláudio Castro, ambos buscando a reeleição, aproveitaram a chacina em ano eleitoral para fidelizar a base eleitoral e atrair novos votos reacionários. Eles ignoraram as mortes de inocentes para passar a ideia de que são implacáveis contra o crime.

    O governador carioca pode se orgulhar pelo fato que as duas maiores chacinas da história do estado ocorreram sob a sua gestão, que mal completou um ano de duração. Segundo um levantamento do Instituto Fogo Cruzado e do grupo de estudos sobre a violência da Universidade Federal Fluminense, o Geni, durante esse ano de gestão do governo bolsonarista foram registradas 182 mortes em 39 chacinas no estado do Rio de Janeiro.

    Dissociar esses crimes cometidos pelo estado com a ascensão do bolsonarismo ao poder é impossível. Não que não houvesse abuso de violência policial antes de Bolsonaro. A cultura do ódio e a prática da necropolítica sempre estiveram entre nós. Mas agora os crimes cometidos por agentes públicos contam com a legitimação, o incentivo e a exaltação pública de um chefe de estado.

    Negar o recrudescimento do abuso policial nos últimos anos como consequência direta do triunfo do bolsonarismo é tapar o sol com a peneira. A presença de um homem que exalta a violência, a tortura e que não costuma cumprir leis na presidência da República autoriza o guarda da esquina a agir acima da lei.

    Hoje a cultura da morte é difundida a todo momento pelo presidente, seja negligenciando o combate à pandemia, seja exaltando publicamente chacinas cometidas por agentes do estado, seja pesando pretos em arrobas. O bolsonarismo virou sinônimo de desumanização. Genivaldo é mais uma vítima do bolsonarismo. Morreu asfixiado no país em que o presidente imita pessoas com covid morrendo sufocadas.

    The post Genivaldo e a câmara de gás: o projeto de morte que asfixia o Brasil appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.

  • BRASILIA, BRAZIL - DECEMBER 07: President of Brazil Jair Bolsonaro gestures during a meeting with businessmen promoted by the National Confederation of Industry (CNI) on December 07, 2021 in Brasília, Brazil. (Photo by Mateus Bonomi/Getty Images)

    Foto: Mateus Bonomi/Getty Images

    Enquanto todos os olhos estavam voltados para os gastos do casamento de Lula e para a nova ofensiva do presidente contra o STF, um escândalo de grandes proporções passou quase batido pelo noticiário. Uma reportagem de O Globo revelou que verbas do SUS estão sendo usadas para favorecer aliados de Bolsonaro.

    No ano passado, o Fundo Nacional de Saúde, FNS, distribuiu boa parte dos R$ 7,4 bilhões em emendas a redutos eleitorais de caciques do Centrão. Parte desses recursos é proveniente do orçamento secreto — o esquema criado pelo governo para distribuir verbas públicas de maneira sigilosa para obter apoio político do Centrão. Durante a maior crise sanitária do século, Bolsonaro abandonou todos os critérios técnicos na distribuição das verbas da Saúde para adotar critérios políticos, favorecendo seus aliados em ano eleitoral.

    A grande imprensa, que costumeiramente batiza os grandes escândalos com nomes pomposos, dessa vez não inventou nenhum. O batismo ficou por conta das redes sociais, que sacramentou o escândalo como Bolsolão do SUS. Pouco se repercutiu a reportagem de O Globo, e o assunto nem apareceu na capa dos grandes jornais no dia seguinte.

    Enquanto o país contabilizava centenas de milhares de mortes por covid-19, o presidente se preocupava com a sua reeleição. Para fidelizar a base aliada, Bolsonaro entregou o controle do orçamento da Saúde para políticos bolsonaristas. Assim, as prefeituras e governos comandados por seus aliados puderam mostrar serviço à população às vésperas do pleito de 2022.

    Sem seguir nenhum critério técnico, essa grana — usada para construir hospitais, comprar ambulâncias e bancar atendimentos médicos — foi distribuída de maneira desigual, favorecendo redutos dos aliados em detrimento dos redutos de adversários políticos do presidente.

    As emendas destinadas a Itaboraí, no Rio, por exemplo, comandada pelo prefeito bolsonarista Marcelo Delaroli, do PL, são muito maiores que as destinadas para Niterói, também no Rio, governada pelo pedetista Axel Grael. Itaboraí recebeu R$ 39 milhões, sendo quase metade via orçamento secreto. Já Niterói, cujo prefeito faz oposição ao presidente e que tem mais que o dobro da população de Itaboraí, recebeu apenas R$ 10 milhões.

    O Bolsolão do SUS foi um mecanismo utilizado para transformar o Fundo Nacional de Saúde em Fundo Eleitoral. Tudo isso em plena crise pandêmica.

    Tudo isso foi distribuído sob o comando do presidente da Câmara, Arthur Lira, do Progressistas, que foi quem definiu a cota a que cada bancada teria direito de enviar às suas cidades através do fundo. Segundo parlamentares ouvidos pelo O Globo, o líder de cada bancada “distribuía o montante entre os deputados ou senadores do grupo, que votam no Congresso de acordo com interesses do Planalto”. Depois disso, a liberação dos recursos é autorizada pelo chefe da Casa Civil — e chefão do Centrão — Ciro Nogueira, também do PP. Ele é quem dá a palavra final.

    Arthur Lira indicou R$ 149 milhões em emendas do relator através do fundo. Já a mãe de Ciro Nogueira, a senadora Eliane Nogueira, do PP, foi responsável por indicar R$ 174 milhões do orçamento secreto. Desse montante, R$ 80 milhões foram destinados para cidades do Piauí comandadas por aliados de Ciro e Bolsonaro. Ou seja, o controle do direcionamento das verbas da Saúde está nas mãos do PP, que hoje é o principal partido do Centrão. Na prática, o Bolsolão do SUS foi um mecanismo utilizado para transformar o Fundo Nacional de Saúde em Fundo Eleitoral. Tudo isso em plena crise pandêmica.

    A regra de distribuição de verbas é clara: quanto mais alinhado ao presidente, mais verbas o político receberá. Um dos maiores beneficiados, Marcelo Delaroli, o prefeito de Itaboraí citado acima, já foi integrante do governo Bolsonaro. Ele trabalhou ao lado de Onyx Lorenzoni na Casa Civil, onde cuidava da articulação política do governo. Ele tinha a função de fazer a interlocução entre o governo federal e estados e cidades.

    Deputado Hugo Leal PSD-RJ

    Deputado Hugo Leal, relator do orçamento, admitiu sem corar que verbas da Saúde viraram instrumento político.

    Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

    O deputado Hugo Leal, do PSD, relator do orçamento deste ano, admitiu com tranquilidade que o esquema se tornou um “instrumento de negociação” política. De maneira descarada e sem o menor pudor, ele afirmou que “o presidente do Brasil é Bolsonaro, mas quem manda é o PP”. Leal foi condenado em uma ação de improbidade (que ainda cabe recurso) quando presidiu o Detran-RJ.

    São Gonçalo, no Rio, figura no topo do ranking das cidades que mais recebeu com verbas do fundo. A região é reduto de Altineu Côrtes, do PL, líder do partido do presidente na Câmara. A cidade recebeu R$ 133 milhões em emendas particulares, quase tudo via orçamento secreto. A cidade do Rio de Janeiro, que tem uma população quase seis vezes maior, recebeu apenas R$ 14 milhões.

    Côrtes faz parte da tropa de choque bolsonarista na Câmara e sua família tem histórico em corrupção com verbas públicas voltadas para a Saúde. Quando foi secretário da Infância e Juventude do estado do Rio de Janeiro no governo de Rosinha Garotinho, Côrtes teve que pedir exoneração depois que seu pai e seu irmão foram presos na Operação Roupa Suja, desencadeada pela PF e MP. Eles foram condenados por liderarem uma quadrilha que fraudava licitações no estado do Rio para compra de insumos de remédios contra aids e contratação de serviços de lavanderia para uniformes hospitalares. Os parentes do então secretário Altineu Côrtes eram os principais comandantes de um cartel de empresas que se revezava na conquista de contratos do governo.

    Deputado Altineu Côrtes PL-RJ

    Da tropa de choque bolsonarista, o deputado Altineu Côrtes indicou verbas do FNS para seu parceiro, Capitão Nelson, prefeito de São Gonçalo.

    Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

    Como bom político do Centrão, Côrtes tem histórico em bajular quem está no poder. Em 2016, fez parte da tropa de choque de Temer e foi apontado pela Procuradoria-Geral da República como membro de uma “organização criminosa” que atuou para blindar o então presidente e seu antigo assessor Rodrigo Rocha Loures na denúncia por corrupção passiva. Agora, em seu gabinete em Brasília, Côrtes costuma empregar seus parentes e parentes de aliados políticos do seu curral eleitoral, como o pai do prefeito de Itaboraí, Marcelo Delaroli, e a mãe de Filippe Poubel, deputado de São Gonçalo.

    O principal beneficiado pelas verbas indicadas por Cortês foi o Capitão Nelson, prefeito de São Gonçalo, que agradeceu o deputado nas redes sociais, garantindo os dividendos político-eleitorais do companheiro. O Capitão Nelson também é gente boa. Ele foi citado no relatório final da CPI das Milícias, comandada por Marcelo Freixo em 2008. Segundo o relatório, o Capitão, ex-PM de São Gonçalo, seria suspeito de liderar um grupo paramilitar composto de policiais civis e militares que cobravam taxas de segurança de moradores da cidade e ofereciam serviços de TV a cabo clandestino, entre outras atividades próprias de milícias.

    O desdém com a saúde pública, principalmente a dos mais pobres, é uma das grandes marcas do governo Bolsonaro.

    Quando Capitão se elegeu prefeito, o ex-PM Fábio Soares Montibelo, indiciado pelo assassinato do irmão de Marcelo Freixo, celebrou a vitória do amigo postando uma foto dos dois nas redes sociais e legendou: “Fiz questão de dar um abraço no amigo e agora Prefeito de São Gonçalo, Capitão Nelson! Parabéns pela vitória! São Gonçalo confia em você!”. Durante a campanha, o presidente Jair Bolsonaro gravou vídeo pedindo voto para Nelson. Eleito, as primeiras ações do prefeito foram nomear o próprio filho como secretário municipal e extinguir a secretaria da Cultura. Capitão Nelson é o bolsonarismo em estado bruto.

    Não é a primeira farra feita com verbas da Saúde durante a pandemia. Segundo o TCU, o Ministério da Defesa desviou no ano passado mais de meio milhão de reais destinados à Saúde para comprar itens de luxo como filé mignon e picanha. Numa época em que havia gente fazendo fila em açougue para receber doação de osso, o governo Bolsonaro usava grana de um fundo emergencial para combate à pandemia para fazer um churrascada de primeira para as Forças Armadas.

    Não era de se esperar algo diferente vindo do governo cujo principal líder imitou de maneira debochada pessoas com falta de ar por conta da covid. Agora, às vésperas da eleição, descobre-se que a verba da Saúde está sendo “privatizada” pelos interesses eleitorais do bolsonarismo e servindo para beneficiar políticos da pior espécie. Enquanto isso, cidades que precisam de verba estão ficando sem porque seus administradores não comem na mão de Bolsonaro. O desdém com a saúde pública, principalmente a dos mais pobres, é uma das grandes marcas do governo Bolsonaro. O Bolsolão do SUS é só a ponta do iceberg.

    The post Bolsolão do SUS: dinheiro da saúde no bolso do Centrão appeared first on The Intercept.

    This post was originally published on The Intercept.