{"id":147360,"date":"2021-05-03T15:01:15","date_gmt":"2021-05-03T15:01:15","guid":{"rendered":"https:\/\/theintercept.com\/?p=354592"},"modified":"2021-05-03T15:01:15","modified_gmt":"2021-05-03T15:01:15","slug":"advogados-da-uniao-que-ganham-ate-r-30-mil-por-mes-contrariam-a-lei-para-faturar-mais-fazendo-bicos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/radiofree.asia\/2021\/05\/03\/advogados-da-uniao-que-ganham-ate-r-30-mil-por-mes-contrariam-a-lei-para-faturar-mais-fazendo-bicos\/","title":{"rendered":"Advogados da Uni\u00e3o que ganham at\u00e9 R$ 30 mil por m\u00eas contrariam a lei para faturar mais fazendo bicos"},"content":{"rendered":"
U<\/span>m grupo de procuradores federais resolveu engordar seus sal\u00e1rios de at\u00e9 R$ 30 mil fazendo um \u201cbico\u201d. Empreendedores, eles viraram s\u00f3cios de uma franquia privada que faz media\u00e7\u00e3o e arbitragem de conflitos entre pessoas ou empresas. Isso tudo, apesar de a legisla\u00e7\u00e3o e de uma norma expressa da Advocacia-Geral da Uni\u00e3o, a AGU, proibirem esse tipo de atividade quando exercida por servidores respons\u00e1veis pela defesa do governo federal em tribunais.<\/p>\n A tal franquia \u00e9 a Cames Brasil. O nome vem de C\u00e2mara de Arbitragem e Media\u00e7\u00e3o Especializada. Como o pr\u00f3prio site da empresa diz, ela \u00e9 uma \u201cinstitui\u00e7\u00e3o que promove resolu\u00e7\u00e3o de conflitos fora do Poder Judici\u00e1rio\u201d.<\/p>\n Na pr\u00e1tica, funciona mais ou menos assim: uma empresa est\u00e1 pensando em processar uma outra, por exemplo. Esse processo pode levar anos tramitando por inst\u00e2ncias do Judici\u00e1rio, retardando a solu\u00e7\u00e3o do problema e comprometendo tanto a companhia autora da a\u00e7\u00e3o quanto a empresa que est\u00e1 sendo cobrada judicialmente.<\/p>\n Para evitar isso, as duas empresas decidem ent\u00e3o procurar uma esp\u00e9cie de \u201ctribunal privado\u201d. Ali, mediadores ou \u00e1rbitros avaliam as diverg\u00eancias entre as companhias se baseando nas leis e negociam uma sa\u00edda para o problema, ou \u201cjulgam\u201d o caso determinando mais rapidamente quem tem raz\u00e3o na disputa. Por isso, claro, esses profissionais ganham uma parcela do valor envolvido na causa entre as companhias.<\/p>\n Neste exemplo, o \u201ctribunal privado\u201d \u00e9 a tal c\u00e2mara de arbitragem, que poderia ser a Cames. Existem no pa\u00eds e no exterior outras c\u00e2maras deste tipo que intermediam a resolu\u00e7\u00e3o de problemas dos mais diversos, quase sempre entre grandes corpora\u00e7\u00f5es. O setor vem crescendo no Brasil e j\u00e1 movimenta bilh\u00f5es de reais.<\/p>\n Procuradores federais, vinculados \u00e0 AGU, sabem disso. E identificaram a\u00ed uma oportunidade de neg\u00f3cio, apesar de bem empregados, est\u00e1veis, com aposentadoria diferenciada, etc. Resolveram ent\u00e3o \u201cempreender\u201d, mesmo existindo uma lei federal de 2013 sobre conflito de interesses de servidores e outra de 2016 citando especificamente procuradores federais.<\/p>\n A Cames Brasil surgiu justamente em 2016. Hoje, tem 29 s\u00f3cios. Desses, pelo menos dez s\u00e3o procuradores federais ou advogados da Uni\u00e3o. H\u00e1 servidores da AGU fazendo bico na c\u00e2mara de arbitragem na Bahia, em S\u00e3o Paulo, no Rio de Janeiro e no Paran\u00e1. Fora os s\u00f3cios, a Cames conta hoje com 400 profissionais cadastrados para atuar na solu\u00e7\u00e3o de conflitos. A empresa n\u00e3o informou quantos deles s\u00e3o servidores da AGU. <\/p>\n Um dos fundadores da Cames \u00e9 o procurador federal Danilo Miranda. Ele ingressou na carreira p\u00fablica em 2004 e segue vinculado \u00e0 AGU, apesar de trabalhar atualmente no escrit\u00f3rio goiano do Ibama. L\u00e1, ele tem cargo comissionado e uma jornada de trabalho de 40 horas semanais. Seu sal\u00e1rio bruto ultrapassa os R$ 29 mil, segundo o Portal da Transpar\u00eancia do governo federal.<\/p>\n Miranda tamb\u00e9m \u00e9 uma esp\u00e9cie de porta-voz da Cames Brasil. D\u00e1 entrevistas divulgando o trabalho da franquia, escreve artigos em jornais falando sobre o mercado da media\u00e7\u00e3o e arbitragem no Brasil e no mundo e at\u00e9 preside o conselho fiscal do Conselho Nacional das Institui\u00e7\u00f5es de Media\u00e7\u00e3o e Arbitragem, o Conima, entidade que representa as entidades de media\u00e7\u00e3o e arbitragem no pa\u00eds.<\/p>\n Quem tamb\u00e9m \u00e9 s\u00f3cio da Cames \u00e9 o procurador federal Ronaldo Gallo. Ele ingressou na AGU em 2003. Hoje, trabalha na Superintend\u00eancia de Seguros Privados, a Susep, \u00f3rg\u00e3o que regula o trabalho de seguradoras do pa\u00eds. Em fevereiro, recebeu um sal\u00e1rio bruto de mais de R$ 27 mil. Recebeu ainda mais de R$ 9,8 mil em honor\u00e1rios advocat\u00edcios distribu\u00eddos conforme a mesma lei que estabeleceu as regras contra conflito de interesse no trabalho de servidores da AGU.<\/p>\n Os procuradores federais s\u00f3cios da Cames, ali\u00e1s, sempre souberam que o empreendedorismo deles poderia infringir a legisla\u00e7\u00e3o sobre esse tipo de conflito. Em janeiro de 2016, 11 membros da AGU entraram com um processo na comiss\u00e3o de \u00e9tica do \u00f3rg\u00e3o justamente para verificar se o trabalho na c\u00e2mara n\u00e3o seria incompat\u00edvel com a carreira p\u00fablica de defensor do governo federal. Naquela \u00e9poca, foi autorizado que os procuradores conciliassem seu trabalho como servidores com suas atividades privadas em media\u00e7\u00e3o, arbitragem e concilia\u00e7\u00e3o.<\/p>\n A autoriza\u00e7\u00e3o gerou uma enxurrada de pedidos de outros membros da AGU para que eles pudessem empreender ou trabalhar no setor privado, mesmo estando empregados no governo. Em 2018, o entendimento da comiss\u00e3o mudou: procuradores federais foram proibidos de mediar conflitos e\/ou de serem s\u00f3cios de empresas que atuam na \u00e1rea.<\/p>\n Foi dado ent\u00e3o um prazo para que eles se desligassem de seus neg\u00f3cios ou atividades privadas. Em janeiro de 2019, o limite era de 120 dias. Em junho, foram dados outros 60 dias para a descompatibiliza\u00e7\u00e3o. J\u00e1 no final de agosto, o prazo foi acrescido em outros 60 dias. N\u00e3o houve nova prorroga\u00e7\u00e3o.<\/p>\n