{"id":193076,"date":"2021-06-06T11:00:24","date_gmt":"2021-06-06T11:00:24","guid":{"rendered":"https:\/\/theintercept.com\/?p=358707"},"modified":"2021-06-06T11:00:24","modified_gmt":"2021-06-06T11:00:24","slug":"senadores-estao-aprendendo-a-cortar-o-lero-lero-dos-negacionistas-na-cpi","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/radiofree.asia\/2021\/06\/06\/senadores-estao-aprendendo-a-cortar-o-lero-lero-dos-negacionistas-na-cpi\/","title":{"rendered":"Senadores est\u00e3o aprendendo a cortar o lero-lero dos negacionistas na CPI"},"content":{"rendered":"

Quando o mundo<\/u> estava at\u00f4nito com a ascens\u00e3o de presidentes de extrema direita em 2018, escrevi<\/a> sobre um artigo alem\u00e3o que dava dicas para jornalistas de como confront\u00e1-los. Um resumo delas: fa\u00e7a perguntas b\u00e1sicas e t\u00e9cnicas, e n\u00e3o d\u00ea espa\u00e7o para o proselitismo ideol\u00f3gico, que \u00e9 a \u00fanica arma de um extremista em um debate. Mantenha a conversa no campo t\u00e9cnico e n\u00e3o permita que ela caia para o debate moral, que \u00e9 a seara em que eles se sentem mais \u00e0 vontade. Todo extremista \u00e9, via de regra, um sujeito com intelectual limitado e invariavelmente se enrola com perguntas simples e t\u00e9cnicas.<\/p>\n

Durante um debate no primeiro turno da elei\u00e7\u00e3o daquele ano, o jornalista Reinaldo Azevedo fez uma pergunta das mais simples sobre d\u00edvida interna para Bolsonaro. O ent\u00e3o candidato ficou tenso, gaguejou e parecia estar \u00e0 beira de sofrer a mesma s\u00edndrome vasovagal que derrubou Pazuello na CPI. A resposta do candidato foi um ajuntamento de palavras aleat\u00f3rias que formavam frases desconexas e sem qualquer rela\u00e7\u00e3o com a pergunta.<\/p>\n

Foi essa a t\u00e1tica utilizada pelos senadores de oposi\u00e7\u00e3o na \u00faltima ter\u00e7a-feira na CPI da Covid durante o depoimento da m\u00e9dica negacionista Nise Yamaguchi, que recentemente se tornou a nova queridinha da extrema direita.<\/p>\n

Os senadores bolsonaristas estavam otimistas com o depoimento da doutora. Al\u00e9m de estar alinhada ao presidente, ela ostenta um belo curr\u00edculo na \u00e1rea m\u00e9dica. Os senadores governistas esperavam que isso fosse dar alguma credibilidade \u00e0s teses negacionistas, mas o que se viu foi o contr\u00e1rio. As pretensas explica\u00e7\u00f5es cient\u00edficas de Yamaguchi n\u00e3o resistiram ao escrut\u00ednio dos senadores oposicionistas que estavam afiados. Eles se focaram em quest\u00f5es b\u00e1sicas e t\u00e9cnicas, sem dar margem para o proselitismo negacionista.<\/p>\n

O ponto alto do constrangimento de Yamaguchi veio quando Otto Alencar, que tamb\u00e9m \u00e9 m\u00e9dico, fez uma pergunta simples: \u201cqual \u00e9 a diferen\u00e7a entre protozo\u00e1rio e v\u00edrus?\u201d. A m\u00e9dica, que defende fervorosamente a aplica\u00e7\u00e3o de um rem\u00e9dio para protozo\u00e1rio para combater um v\u00edrus, n\u00e3o soube responder. Otto emendou ent\u00e3o outra pergunta elementar: “a senhora sabe a que grupo pertence a covid-19?\u201d. Ela ficou nervosa, come\u00e7ou a murmurar e a folhear pap\u00e9is como se estivesse procurando uma resposta. Quando Yamaguchi tentou apelar para o enrolation, Otto n\u00e3o deixou o lenga-lenga negacionista florescer. Interrompeu a doutora e cobrou uma resposta para suas perguntas t\u00e9cnicas, mas, mais uma vez, ficou no v\u00e1cuo.<\/p>\n

Yamaguchi, que era apresentada pelo bolsonarismo como uma especialista no enfrentamento da pandemia, se mostrou uma profunda ignorante na \u00e1rea de infectologia. Uma pessoa completamente despreparada foi al\u00e7ada pelo governo Bolsonaro \u00e0 condi\u00e7\u00e3o de conselheira de alto n\u00edvel para assuntos relacionados \u00e0 pandemia. \u00c9 esse o tamanho do buraco em que nos encontramos.<\/p>\n

O relator emedebista Renan Calheiros perguntou qual a opini\u00e3o de Yamaguchi sobre as vacinas. Ela respondeu que a imuniza\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 o \u00fanico caminho para combater a pandemia, dando a entender que as vacinas t\u00eam o mesmo n\u00edvel de import\u00e2ncia que o famigerado tratamento precoce. O presidente Omar Aziz ent\u00e3o a interrompeu para pedir para o povo n\u00e3o acreditar nela: “n\u00e3o acreditem nela. Quem est\u00e1 nos vendo neste momento, n\u00e3o acredite nela. Tem que vacinar. A vacina salva. Tratamento precoce n\u00e3o salva. N\u00e3o vou fazer propaganda enganosa para a popula\u00e7\u00e3o brasileira. Eu tenho responsabilidades aqui, e a responsabilidade \u00e9 grande”. Um gola\u00e7o. Omar deixou claro que n\u00e3o haveria mais espa\u00e7o dentro da CPI para se contrariar um consenso cient\u00edfico. O tratamento precoce \u00e9 comprovadamente ineficaz e n\u00e3o se pode admitir que uma profissional m\u00e9dica trate um consenso cient\u00edfico como se fosse mera quest\u00e3o de opini\u00e3o.<\/p>\n

A senadora Eliziane Gama, do Cidadania do Maranh\u00e3o, perguntou se a m\u00e9dica j\u00e1 teria se vacinado. Ela respondeu que n\u00e3o p\u00f4de tomar a vacina por ser acometida de vasculite, uma doen\u00e7a autoimune. Pouco tempo depois, a Sociedade Brasileira de Reumatologia, a SBR, emitiu nota desmentindo: “(…) vasculites n\u00e3o representam, por si s\u00f3, qualquer contraindica\u00e7\u00e3o para receber qualquer vacina contra a covid-19″.<\/p>\n

Depois, a depoente disse para os senadores que foi integrante do Conselho Nacional de Secret\u00e1rios de Sa\u00fade, o Conass. Poucos minutos depois, o pr\u00f3prio Conass publicou nota <\/a>declarando que Yamaguchi n\u00e3o possui qualquer v\u00ednculo com a entidade. Confrontada com a nota, a doutora admitiu que n\u00e3o fez parte do conselho e, como se nada tivesse acontecido, alegou apenas que tem apre\u00e7o pelos secret\u00e1rios da entidade.<\/p>\n

As mentiras escabrosas foram muitas e n\u00e3o pararam por a\u00ed. A oncologista mentiu quando afirmou ter feito parte da cria\u00e7\u00e3o do comit\u00ea de crise do Minist\u00e9rio da Sa\u00fade para o enfrentamento da pandemia de H1N1 em 2009. Jos\u00e9 Gomes Tempor\u00e3o, o ministro da \u00e9poca, a desmentiu. Mentiu ao dizer que o estado do Amap\u00e1 tem uma das menores taxas de letalidade da doen\u00e7a do mundo gra\u00e7as ao uso do tratamento precoce. Mentiu ao citar um estudo de Nova York que comprovaria a inefic\u00e1cia do lockdown. Mentiu ao dizer que o governo mexicano recomenda uso de hidroxicloroquina. Mentiu quando disse que nunca teve encontros privados<\/a> com Jair Bolsonaro.<\/p>\n

As ag\u00eancias de checagem tiveram trabalho<\/a>. A doutora mente demais at\u00e9 mesmo para os altos padr\u00f5es bolsonaristas. Nem o festival de mentiras protagonizado por Pazuello na CPI foi t\u00e3o ostensivo.<\/p>\n

O depoimento de Yamaguchi foi uma derrota e tanto para o bolsonarismo. Senadores e outros pol\u00edticos governistas iniciaram ent\u00e3o uma campanha em defesa da m\u00e9dica, alegando que ela foi humilhada e desrespeitada pelos senadores de oposi\u00e7\u00e3o durante a CPI. Um grupo de m\u00e9dicos saiu em defesa da colega, incentivados<\/a> pelo presidente do Conselho Federal de Medicina, que est\u00e1 aparelhado por bolsonaristas<\/a>. Ele agitou uma rea\u00e7\u00e3o corporativista da classe ao gravar um v\u00eddeo <\/a>em que anuncia a publica\u00e7\u00e3o de uma mo\u00e7\u00e3o de rep\u00fadio em defesa do profissional m\u00e9dico, ao respeito e \u00e0 civilidade na CPI. A narrativa \u00e9 a de que toda a categoria m\u00e9dica estaria sendo desrespeitada na comiss\u00e3o. Mas quem de fato desrespeita a profiss\u00e3o de m\u00e9dico s\u00e3o os m\u00e9dicos que desrespeitam a ci\u00eancia.<\/p>\n

Os extremistas est\u00e3o sempre tentando tirar o debate na \u00e1rea t\u00e9cnica para lev\u00e1-lo para o campo moral. Yamaguchi foi humilhada sim, mas pela verdade dos fatos. Desrespeitada n\u00e3o foi em nenhum momento, muito pelo contr\u00e1rio. Os senadores a trataram com cordialidade a todo momento. Apenas tiveram a firmeza necess\u00e1ria para quem est\u00e1 investigando as responsabilidades de um crime contra a humanidade. Ficou claro que a doutora n\u00e3o tinha a menor condi\u00e7\u00e3o de se apresentar como conselheira do governo no combate \u00e0 pandemia.<\/p>\n

Um dia ap\u00f3s o depoimento de Yamaguchi, outra depoente m\u00e9dica, Luana Ara\u00fajo, aquela que foi chamada para trabalhar com Queiroga mas foi barrada por n\u00e3o estar alinhada \u00e0s loucuras negacionistas, classificou a defesa da cloroquina no tratamento precoce como uma \u201cdiscuss\u00e3o delirante, esdr\u00faxula, anacr\u00f4nica e contraproducente\u201d. S\u00e3o adjetivos feitos sob medida para o depoimento de Yamaguchi.<\/p>\n

A t\u00e1tica utilizada para desmascarar a falta de conhecimento t\u00e9cnico da m\u00e9dica bolsonarista pode ser um aperitivo para as elei\u00e7\u00f5es de 2022. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro pode at\u00e9 fugir dos debates, mas n\u00e3o vai poder ficar apenas naquele cercadinho em que todos os dias alimenta o seu gado. Vai ter que se expor, dar entrevistas e responder quest\u00f5es b\u00e1sicas e t\u00e9cnicas para quem ocupa o cargo de presidente. Esse \u00e9 um bom caminho para se enterrar o extremismo.<\/p>\n

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Eles se focaram em quest\u00f5es b\u00e1sicas e t\u00e9cnicas, sem dar margem para o proselitismo ideol\u00f3gico ou moral.<\/p>\n

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