{"id":25185,"date":"2021-02-03T20:14:54","date_gmt":"2021-02-03T20:14:54","guid":{"rendered":"https:\/\/theintercept.com\/?p=343836"},"modified":"2021-02-03T20:14:54","modified_gmt":"2021-02-03T20:14:54","slug":"prefeitura-de-manaus-ignora-avisos-de-pesquisadores-sobre-3a-onda-de-covid","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/radiofree.asia\/2021\/02\/03\/prefeitura-de-manaus-ignora-avisos-de-pesquisadores-sobre-3a-onda-de-covid\/","title":{"rendered":"Prefeitura de Manaus ignora avisos de pesquisadores sobre 3\u00aa onda de covid"},"content":{"rendered":"
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No dia 21 de janeiro,<\/u> o bi\u00f3logo Lucas Ferrante, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amaz\u00f4nia, o Inpa, avisou pessoalmente o prefeito de Manaus, David Almeida, do Avante, sobre o risco iminente de uma terceira onda de contamina\u00e7\u00e3o pela covid-19 na capital do Amazonas. Foi uma reuni\u00e3o r\u00e1pida, de menos de 30 minutos. Acompanhado de tr\u00eas assessores, o prefeito chegou a sinalizar que poderia adotar o lockdown para salvar vidas. Mas o discurso logo mudou, e o aviso do cientista foi ignorado.\u00a0<\/p>\n

Ele e outros sete pesquisadores elaboraram um modelo epidemiol\u00f3gico a partir das taxas de transmiss\u00e3o da nova variante do v\u00edrus no Amazonas, a reinfec\u00e7\u00e3o por perda de imunidade apresentada em pacientes ap\u00f3s seis meses e os cen\u00e1rios de vacina\u00e7\u00e3o e isolamento social do estado. O estudo, que ser\u00e1 publicado em uma revista cient\u00edfica de renome internacional e que est\u00e1 em fase de revis\u00e3o, sinaliza a necessidade urgente de lockdown em Manaus e aponta para uma terceira onda de contamina\u00e7\u00e3o mais longa e que, potencialmente, pode causar mais mortes do que a observada em 2020.<\/p>\n

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O aviso dos pesquisadores pode parecer repetitivo; como tem sido a postura das autoridades. Em agosto, o grupo de cientistas j\u00e1 havia publicado um artigo na Nature Medicine<\/a>, uma das principais revistas cient\u00edficas do mundo, prevendo\u00a0 a segunda onda que agora atinge o Amazonas. Foram tachados de alarmistas.<\/a><\/p>\n

A diretora-presidente da Funda\u00e7\u00e3o de Vigil\u00e2ncia em Sa\u00fade do Amazonas, Rosemary Costa Pinto, que esteve em pelo menos tr\u00eas reuni\u00f5es em que a segunda foi alertada, foi uma das pessoas que negou as orienta\u00e7\u00f5es<\/a> dos especialistas. Em 22 de janeiro, ap\u00f3s Ferrante avisar o prefeito de Manaus sobre a terceira onda, Rosemary morreu<\/a>, aos 61 anos, de covid.<\/p>\n

O estado, que viu pacientes morrerem em hospitais devido \u00e0 falta de oxig\u00eanio, teve em janeiro um aumento de 632% na m\u00e9dia m\u00f3vel<\/a> de mortes por covid-19, maior aumento no pa\u00eds. Na \u00faltima semana de 2020, a m\u00e9dia di\u00e1ria de \u00f3bitos pela doen\u00e7a foi de 19 pessoas. No domingo, 31 de janeiro, foram 139 mortes. Exatamente como Ferrante e os pesquisadores previram \u2013 e avisaram \u2013 as autoridades.<\/p>\n

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No novo estudo, que envolve, al\u00e9m de pesquisadores do Inpa, cientistas das universidades federais de Minas Gerais, Amazonas, S\u00e3o Jo\u00e3o del-Rei e uma aposentada do Instituto Butantan, a previs\u00e3o \u00e9 ainda mais dura: uma terceira onda poder\u00e1 se arrastar at\u00e9 2022, e ter\u00e1 Manaus como epicentro mundial. \u201cSe n\u00e3o for tomada nenhuma iniciativa, como ocorreu no passado, a terceira onda ser\u00e1 mais longa e matar\u00e1 muito mais gente. A alternativa \u00e9 lockdown com mais de 90% de isolamento e vacina\u00e7\u00e3o de toda popula\u00e7\u00e3o de Manaus\u201d, diz Ferrante.<\/p>\n

\u201cNa \u00e9poca [da publica\u00e7\u00e3o do primeiro estudo], fomos desacreditados e nenhuma medida mais racional foi tomada. Acertamos data, hora e local da segunda onda\u201d, reclama o cientista. Por quest\u00e3o de confidencialidade, o pesquisador n\u00e3o pode divulgar mais detalhes antes da publica\u00e7\u00e3o do novo artigo, mas adianta que uma das previs\u00f5es \u00e9 a alta taxa de interna\u00e7\u00e3o. \u201cAs interna\u00e7\u00f5es n\u00e3o ser\u00e3o muito maiores, mas ocorrer\u00e3o de forma cont\u00ednua e mais prolongada\u201d, explicou em entrevista ao Intercept<\/b>.<\/p>\n

An\u00e1lises divulgadas no dia 13 de janeiro pela Funda\u00e7\u00e3o de Vigil\u00e2ncia em Sa\u00fade do Amazonas apontaram que a nova cepa do v\u00edrus, descoberta em dezembro<\/a> , j\u00e1 \u00e9 respons\u00e1vel por 91% dos casos de infectados no estado. Segundo Ferrante, a nova cepa n\u00e3o \u00e9 causadora da segunda onda, mas \u201ccausada pela segunda onda\u201d. Para ele, chega a ser ing\u00eanuo achar que a nova variante est\u00e1 apenas em Manaus, quando ela j\u00e1 circula\u00a0 em outras regi\u00f5es <\/a>e mesmo em outros pa\u00edses, o que torna o caso da capital do Amazonas um exemplo do que o Brasil pode vir a enfrentar se nenhuma atitude for tomada.\u00a0<\/p>\n

Segundo o pesquisador, quanto mais tempo se leva para reduzir a circula\u00e7\u00e3o do v\u00edrus, maior ser\u00e1 o n\u00famero de novas muta\u00e7\u00f5es que ir\u00e3o surgir. \u201cOu se fecha toda Manaus agora ou Wilson Lima [governador] e o presidente Bolsonaro ser\u00e3o respons\u00e1veis pelo impacto de mais contamina\u00e7\u00f5es e mortes na rep\u00fablica e no mundo\u201d.<\/p>\n

Os pesquisadores analisaram tamb\u00e9m o primeiro caso de reinfec\u00e7\u00e3o em Manaus. Segundo eles, a imunidade natural ap\u00f3s a contamina\u00e7\u00e3o, que impediria que uma pessoa pegasse covid-19 novamente, n\u00e3o \u00e9 duradoura como se imaginava. Em seis meses, as pessoas infectadas j\u00e1 podem apresentar perda de imunidade. Quem foi infectado pela primeira cepa do v\u00edrus, com origem em Wuhan, na China, tamb\u00e9m n\u00e3o est\u00e1 imune \u00e0 nova variante em circula\u00e7\u00e3o, ainda de acordo com os cientistas.<\/p>\n

Em janeiro, o Brasil foi denunciado para a Comiss\u00e3o Interamericana de Direitos Humanos, a CIDH, por viola\u00e7\u00f5es ao direito \u00e0 vida, sa\u00fade e integridade<\/a>, al\u00e9m da falta de oxig\u00eanio e insumos hospitalares em meio \u00e0 pandemia. Ferrante tamb\u00e9m \u00e9 autor de um dos pedidos de impeachment contra o presidente, tendo como base estudo publicado pela revista Science<\/a>, que aponta o negacionismo de Bolsonaro diante da pandemia e a divulga\u00e7\u00e3o de informa\u00e7\u00f5es enganosas sobre uso da cloroquina e isolamento social.\u00a0<\/p>\n

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Na \u00faltima semana, o governador Lima, do PSC, reeditou as normas de isolamento social no estado e, mais uma vez, desconsiderou as previs\u00f5es dos cientistas: as novas regras limitaram hor\u00e1rios de funcionamento de estabelecimentos comerciais, mas n\u00e3o promoveram a redu\u00e7\u00e3o esperada de circula\u00e7\u00e3o das pessoas pela capital Manaus, por exemplo. Setores como a ind\u00fastria operam praticamente de forma ininterrupta, e o transporte coletivo foi ampliado, ao contr\u00e1rio do que indicam os cientistas.<\/p>\n

J\u00e1 a vacina\u00e7\u00e3o no estado continua vacilante, como em todo o pa\u00eds. At\u00e9 esta quarta-feira, 2, o estado do Amazonas tinha vacinado um pouco mais de 63,5 mil pessoas<\/a>, ou seja, 1,5% da popula\u00e7\u00e3o. Questionei o governo do estado sobre a possibilidade de ado\u00e7\u00e3o de um lockdown.<\/i> Me responderam que \u201cneste momento, o decreto de restri\u00e7\u00e3o de circula\u00e7\u00e3o de pessoas por um per\u00edodo de 24 horas, permitindo o funcionamento apenas de servi\u00e7os essenciais em hor\u00e1rios tamb\u00e9m restritos, foi considerada a melhor medida a ser adotada na fase atual de enfrentamento da pandemia\u201d.<\/p>\n

Sobre a previs\u00e3o dos cientistas a respeito da terceira onda da pandemia, o governo tergiversou e n\u00e3o respondeu, declarando somente que \u201cos esfor\u00e7os\u201d est\u00e3o voltados para o cen\u00e1rio atual, que mostra a presen\u00e7a da nova variante do v\u00edrus na maioria dos casos de novas infec\u00e7\u00f5es.\u00a0<\/p>\n

Logo ap\u00f3s o encontro com Ferrante, em 21 de janeiro, o prefeito de Manaus, David Almeida, chegou a declarar<\/a> que poderia adotar lockdown. <\/i>Mas ao ser novamente questionado sobre o assunto, mudou de ideia e descartou a ado\u00e7\u00e3o das medidas indicadas pelos pesquisadores. \u201cA prefeitura n\u00e3o pode falar em lockdown, essa \u00e9 uma decis\u00e3o do governador do Amazonas\u201d, nos informou o prefeito via assessoria de imprensa.<\/p>\n

Sobre a vacina\u00e7\u00e3o em massa, o argumento \u00e9 que \u201cn\u00e3o h\u00e1 vacina suficiente\u201d. \u201cA prefeitura est\u00e1 vacinando seguindo o Plano Nacional de Operacionaliza\u00e7\u00e3o da Vacina\u00e7\u00e3o contra a Covid-19, elaborado pelo Minist\u00e9rio, no qual est\u00e3o estabelecidos os grupos priorit\u00e1rios. N\u00e3o h\u00e1 condi\u00e7\u00f5es de falar sobre vacina\u00e7\u00e3o em massa apenas em Manaus porque n\u00e3o h\u00e1 vacina suficiente no mundo\u201d.<\/p>\n

J\u00e1 o governo federal, que atuou para evitar ado\u00e7\u00e3o de lockdown <\/i>no Amazonas<\/a>, tamb\u00e9m se mostra pouco interessado em conter o avan\u00e7o do v\u00edrus no estado. Bolsonaro chegou a declarar a n\u00e3o compet\u00eancia do governo federal para levar oxig\u00eanio para o Amazonas.\u00a0<\/p>\n

Enquanto isso, Espanha, Alemanha, Portugal, Reino Unido e os Estados Unidos proibiram voos vindos do Brasil, citando justamente o descontrole da pandemia por aqui e, em especial, a nova cepa do v\u00edrus de Manaus.<\/p>\n

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Se n\u00e3o adotar lockdown, a capital ser\u00e1 o epicentro da covid-19 no mundo e criadouro de novas cepas ainda mais perigosas do v\u00edrus.<\/p>\n

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