{"id":320872,"date":"2021-09-22T04:34:54","date_gmt":"2021-09-22T04:34:54","guid":{"rendered":"https:\/\/theintercept.com\/?p=370346"},"modified":"2021-09-22T04:34:54","modified_gmt":"2021-09-22T04:34:54","slug":"ratinho-jr-converte-escolas-em-mini-quarteis-no-parana","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/radiofree.asia\/2021\/09\/22\/ratinho-jr-converte-escolas-em-mini-quarteis-no-parana\/","title":{"rendered":"Ratinho Jr. converte escolas em mini quart\u00e9is no Paran\u00e1"},"content":{"rendered":"

O governador do Paran\u00e1,<\/u> Ratinho J\u00fanior, do PSD, abra\u00e7ou de vez o projeto bolsonarista de implanta\u00e7\u00e3o de escolas c\u00edvico-militares pelo pa\u00eds<\/a>. Disposto a transformar o estado que governa no maior laborat\u00f3rio brasileiro dessa pol\u00edtica educacional da extrema direita<\/a>, o pol\u00edtico, filho do apresentador de TV e empres\u00e1rio Ratinho, empurra a convers\u00e3o de col\u00e9gios em miniquart\u00e9is goela abaixo de professores e alunos. De quebra, dificulta o acesso ao ensino a estudantes com algum tipo de defici\u00eancia, mostrando que est\u00e1 alinhado \u00e0s ideias segregacionistas do ministro da Educa\u00e7\u00e3o, Milton Ribeiro.<\/p>\n

No come\u00e7o de setembro deste ano, pais e alunos tiveram uma mostra de como esse modelo de escola, com PMs\u00a0trabalhando como educadores, pode funcionar: o Minist\u00e9rio P\u00fablico do Paran\u00e1 denunciou um policial da reserva que trabalhava como monitor de uma escola c\u00edvico-militar em Imbituva<\/a>, no interior do estado, depois que ele interrompeu uma aula para tirar da sala um estudante que tinha feito um desenho de uma folha de maconha em sua carteira. Segundo o MP, o policial agrediu o adolescente com um soco na nuca e o amea\u00e7ou dizendo que \u201cj\u00e1 tinha matado v\u00e1rios e que ele n\u00e3o iria fazer diferen\u00e7a\u201d.<\/p>\n

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Mas Ratinho J\u00fanior se esfor\u00e7ava para tornar seus miniquart\u00e9is realidade desde setembro do ano passado<\/a>. No dia 14, o governador enviou \u00e0 Assembleia Legislativa do Paran\u00e1, a Alep, um projeto de lei para instituir o programa de educa\u00e7\u00e3o militarizada no estado. A proposta tramitou em regime de urg\u00eancia e foi aprovada em sess\u00f5es remotas no dia 29 do mesmo m\u00eas \u2013 15 dias ap\u00f3s ser apresentada.<\/p>\n

Uma semana depois, em 6 de outubro, o governador sancionou a lei proposta por ele mesmo<\/a>. No dia 26, anunciou que 216 das cerca de 2 mil escolas<\/a> da rede estadual de ensino haviam sido escolhidas para integrar o programa c\u00edvico-militar.<\/p>\n

A lei previa a realiza\u00e7\u00e3o de uma consulta p\u00fablica com a vota\u00e7\u00e3o de pais, alunos maiores de 18 anos, professores e funcion\u00e1rios para a confirma\u00e7\u00e3o ou rejei\u00e7\u00e3o da convers\u00e3o de cada escola. Um dia depois de Ratinho J\u00fanior divulgar a lista e sem tempo para qualquer debate entre a comunidade escolar, a\u00a0elei\u00e7\u00e3o\u00a0come\u00e7ou. Em plena pandemia do novo coronav\u00edrus, enquanto \u00f3rg\u00e3os de sa\u00fade recomendavam o isolamento social, ela foi realizada de forma presencial, com vota\u00e7\u00e3o aberta e terminou assim que o qu\u00f3rum m\u00ednimo de votantes foi atingido em cada escola.<\/p>\n

\u201cO professor que era contra o modelo c\u00edvico-militar tinha que deixar registrada sua op\u00e7\u00e3o em frente ao seu nome para qualquer um ver. O temor de repres\u00e1lia era grande\u201d, explicou a secret\u00e1ria-geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educa\u00e7\u00e3o P\u00fablica do Estado do Paran\u00e1, Vanda Bandeira Santa<\/span>.<\/p>\n

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Por conta disso e alegando tamb\u00e9m que o programa paranaense de escolas c\u00edvico-militares era contra pilares educacionais previstos na Constitui\u00e7\u00e3o, o sindicato chegou a recorrer \u00e0 justi\u00e7a para tentar anular a consulta p\u00fablica. O Minist\u00e9rio P\u00fablico do Paran\u00e1 tamb\u00e9m tentou suspend\u00ea-la<\/a>, reclamando da falta tempo para discuss\u00e3o do programa na comunidade escolar. Nenhuma das a\u00e7\u00f5es surtiu efeito.<\/p>\n

Em 5 de novembro, a Secretaria de Educa\u00e7\u00e3o do Paran\u00e1 anunciou que a consulta p\u00fablica havia sido conclu\u00edda<\/a>. Das 216 escolas indicadas pelo governo para virarem c\u00edvico-militares, 186 aprovaram o novo modelo. Em 25, a convers\u00e3o foi rejeitada, e em outras cinco n\u00e3o houve qu\u00f3rum suficiente para uma decis\u00e3o.<\/p>\n

A divulga\u00e7\u00e3o da lista dos col\u00e9gios onde o modelo c\u00edvico-militar havia sido aprovado, entretanto, acabou revelando um problema para os planos de Ratinho J\u00fanior. Uma parte deles n\u00e3o atendia aos requisitos estabelecidos na lei do programa de educa\u00e7\u00e3o c\u00edvico-militar proposta pelo governador e aprovada com urg\u00eancia pelos deputados.<\/p>\n

A lei determinava que somente munic\u00edpios com mais de 10 mil habitantes poderiam ter uma escola estadual c\u00edvico-militar. Indicava ainda uma lista de crit\u00e9rios que deveriam ser integralmente cumpridos pela escola para que ela fosse inclu\u00edda no novo programa educacional do governo: alto \u00edndice de vulnerabilidade social, baixo fluxo escolar e baixos \u00edndices de rendimento escolar.<\/p>\n

O governador, ent\u00e3o, resolveu agir. No dia 8 de janeiro, em pleno recesso parlamentar, ele enviou um novo projeto de lei \u00e0 Alep<\/a>, alterando a legisla\u00e7\u00e3o sancionada por ele mesmo h\u00e1 pouco mais de tr\u00eas meses. A nova proposta flexibilizava as exig\u00eancias para inclus\u00e3o de escolas no programa c\u00edvico-militar. Na pr\u00e1tica, ignorava a popula\u00e7\u00e3o dos munic\u00edpios e ainda autorizava que col\u00e9gios que cumprissem apenas um dos tr\u00eas crit\u00e9rios anteriormente listados pudessem ter uma educa\u00e7\u00e3o militarizada.<\/p>\n

Deputados estaduais paranaenses foram convocados a comparecer em sess\u00f5es extraordin\u00e1rias para votar o novo projeto a pedido do governador. Aprovaram a proposta no dia 14<\/a>, menos de uma semana depois de ela ter sido encaminhada ao parlamento.<\/p>\n

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Ratinho J\u00fanior se esfor\u00e7a para tornar seus miniquart\u00e9is realidade. Apesar da pandemia, sua proposta para permitir a militariza\u00e7\u00e3o das escolas teve vota\u00e7\u00e3o presencial, tramitou em regime de urg\u00eancia e foi aprovada 15 dias ap\u00f3s ser apresentada.<\/span><\/p>\n

\nFoto: Rodrigo Felix Leal\/Ag\u00eancia de Not\u00edcias do Paran\u00e1<\/p><\/div>\n

Ideb maior na marra<\/h3>\n

A corrida por miniquart\u00e9is de Ratinho J\u00fanior est\u00e1 em linha com o ministro Ribeiro \u2013 que no fim de agosto criticou o que ele chamou de \u201cinclusivismo\u201d<\/a> no sistema p\u00fablico de educa\u00e7\u00e3o brasileiro. Segundo ele, h\u00e1 1,3 milh\u00e3o de crian\u00e7as com defici\u00eancia estudando em escolas p\u00fablicas. Desse total, cerca 150 mil t\u00eam um \u201cum grau de defici\u00eancia que \u00e9 imposs\u00edvel a conviv\u00eancia\u201d. Por isso, acrescentou Ribeiro, o governo federal est\u00e1 \u201ccriando salas especiais para que essas crian\u00e7as possam receber o tratamento que merecem e precisam\u201d.<\/p>\n

A Pol\u00edtica Nacional de Educa\u00e7\u00e3o Especial, a PNEE, institu\u00edda em 2008, recomenda que crian\u00e7as com defici\u00eancia frequentem o ensino regular e tenham acesso \u00e0 educa\u00e7\u00e3o \u201csem nenhum tipo de discrimina\u00e7\u00e3o\u201d. Em setembro de 2020 \u2013 ou seja, durante a gest\u00e3o de Ribeiro na Educa\u00e7\u00e3o \u2013, a PNEE foi alterada por decreto indicando a prefer\u00eancia por \u201cescolas especiais\u201d ou \u201cturmas especiais\u201d para alunos com defici\u00eancia. Esse decreto, no entanto, foi suspenso em dezembro por decis\u00e3o liminar do Supremo Tribunal Federal, o STF.<\/p>\n

Durante essas idas e vindas, Ratinho J\u00fanior avan\u00e7ou \u2013 ainda que lentamente \u2013 com seu projeto de converter 197 escolas p\u00fablicas paranaenses ao modelo c\u00edvico-militar. E isso j\u00e1 significa fechar a porta dessas escolas a estudantes com algum tipo de necessidade especial.<\/p>\n

Escolas c\u00edvico-militares, assim como quart\u00e9is, n\u00e3o aceitam pessoas com defici\u00eancia entre os seus. Tamb\u00e9m n\u00e3o t\u00eam turmas no per\u00edodo noturno, nem de Educa\u00e7\u00e3o para Jovens e Adultos, o EJA.<\/p>\n

No caso do Paran\u00e1, a exclus\u00e3o \u00e9 proposital. Segundo professores, profissionais da educa\u00e7\u00e3o e parlamentares com quem conversei, ela faz parte de um projeto do governo estadual em al\u00e7ar, nem que seja \u00e0 for\u00e7a, o estado ao primeiro lugar do ranking nacional do Ideb, o \u00cdndice de Desenvolvimento da Educa\u00e7\u00e3o B\u00e1sica. Ele \u00e9 calculado com base na frequ\u00eancia e percentual de aprova\u00e7\u00e3o de estudantes de escolas p\u00fablicas e em avalia\u00e7\u00f5es de aprendizado.<\/p>\n

Tradicionalmente, alunos do per\u00edodo noturno t\u00eam \u00edndices de evas\u00e3o mais elevados<\/a>, o que tende a reduzir o Ideb. Al\u00e9m disso, por geralmente trabalharem durante o dia e n\u00e3o terem dedica\u00e7\u00e3o exclusiva ao estudo, esses estudantes tamb\u00e9m tendem a ter uma performance pior em avalia\u00e7\u00f5es de aprendizado<\/a>.<\/p>\n

\u201cTirando esses alunos das escolas, o Ideb tende a melhorar\u201d, diz o deputado estadual e presidente da Comiss\u00e3o de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Paran\u00e1, a Alep, Tadeu Veneri, do PT, que acompanha a situa\u00e7\u00e3o das escolas no estado. \u201cMas \u00e9 essa a educa\u00e7\u00e3o que queremos? Excluir para sermos primeiro de um ranking?\u201d<\/p>\n

Em dezembro, o governo tamb\u00e9m publicou uma instru\u00e7\u00e3o normativa reduzindo \u00e0 metade a carga hor\u00e1ria dedicada a Artes, Sociologia e Filosofia em todas as escolas estaduais. O corte abriu espa\u00e7o para a inclus\u00e3o de Educa\u00e7\u00e3o Financeira no quadro de hor\u00e1rio dos estudantes<\/p>\n

Isso tamb\u00e9m n\u00e3o \u00e9 \u00e0 toa, diz Santa, do sindicato. O desempenho em Matem\u00e1tica e Portugu\u00eas t\u00eam mais peso no Ideb. Com mais uma disciplina de c\u00e1lculo, o rendimento dos alunos em avalia\u00e7\u00f5es tende a subir, ajudando Ratinho J\u00fanior a atingir sua meta.<\/p>\n

Nas escolas c\u00edvico-militares do Paran\u00e1, \u00e9 claro, o tempo dedicado a aulas de Matem\u00e1tica e Portugu\u00eas tamb\u00e9m ser\u00e1 maior do que o normal na rede estadual de ensino. O motivo? Ideb.<\/p>\n

Nem policiais se animam<\/h3>\n

Mesmo oficialmente em vigor, o programa de escolas c\u00edvico-militares do Paran\u00e1 ainda n\u00e3o deslanchou. <\/span> Surgiu um novo problema: o baixo interesse de policiais militares e bombeiros da reserva em trabalhar nos col\u00e9gios convertidos<\/a>.<\/p>\n

Esses militares t\u00eam import\u00e2ncia capital no projeto de Ratinho J\u00fanior. S\u00e3o eles que v\u00e3o integrar a dire\u00e7\u00e3o de escolas militarizadas e tamb\u00e9m trabalhar como monitores nessas institui\u00e7\u00f5es, zelando principalmente pela disciplina de alunos \u2013 ou a impondo \u00e0 for\u00e7a, como denunciou o MP<\/span>.<\/p>\n

A Secretaria Estadual de Seguran\u00e7a P\u00fablica abriu 806 vagas para interessados em trabalhar nas escolas. S\u00f3 979 policiais se inscreveram. Desses, apenas 542 foram aprovados \u2013 ou seja, 264 a menos que o necess\u00e1rio para atender \u00e0 necessidade do estado. N\u00e3o h\u00e1, portanto, militares suficientes para tocar o programa de militariza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

No come\u00e7o de setembro, das 197 escolas inclu\u00eddas no programa c\u00edvico-militar, s\u00f3 53 estavam convertidas<\/a>. O problema? Falta de contingente militar para trabalhar nas institui\u00e7\u00f5es de ensino.<\/p>\n

Independentemente da falta de interessados e do questionamento judicial, o treinamento dos militares aprovados para trabalharem nas escolas come\u00e7ou no fim de mar\u00e7o. O ministro Milton Ribeiro chegou a dar uma palestra por videochamada aos militares, em que teceu loas aos planos de Ratinho J\u00fanior. A maior parte das aulas ministradas, por\u00e9m, trata mesmo de regras de disciplina de estudantes.<\/p>\n\n\n