{"id":490014,"date":"2022-01-29T09:30:34","date_gmt":"2022-01-29T09:30:34","guid":{"rendered":"https:\/\/theintercept.com\/?p=384686"},"modified":"2022-01-29T09:30:34","modified_gmt":"2022-01-29T09:30:34","slug":"entrevista-delirios-de-olavo-de-carvalho-aprofundam-ideias-surgidas-nos-quarteis-brasileiros","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/radiofree.asia\/2022\/01\/29\/entrevista-delirios-de-olavo-de-carvalho-aprofundam-ideias-surgidas-nos-quarteis-brasileiros\/","title":{"rendered":"Entrevista: \u2018Del\u00edrios de Olavo de Carvalho aprofundam ideias surgidas nos quart\u00e9is brasileiros\u2019"},"content":{"rendered":"

Em abril de 1989,<\/u> quatro anos ap\u00f3s a redemocratiza\u00e7\u00e3o e pouco mais de seis meses ap\u00f3s a promulga\u00e7\u00e3o da atual Constitui\u00e7\u00e3o brasileira, o Ex\u00e9rcito estava preocupado com uma nova amea\u00e7a interna. Em um relat\u00f3rio confidencial, o general S\u00e9rgio Augusto de Avellar Coutinho afirmou que, com a Lei da Anistia, os l\u00edderes subversivos voltaram ao pa\u00eds apoiados pela ala progressista da Igreja Cat\u00f3lica e estavam tentando dominar as institui\u00e7\u00f5es culturais e da educa\u00e7\u00e3o com o ide\u00e1rio marxista do fil\u00f3sofo italiano Antonio Gramsci.<\/p>\n

“Pretendiam, assim, criar uma contra-hegemonia social, viabilizando as transforma\u00e7\u00f5es que permitiriam a conquista do poder e a modifica\u00e7\u00e3o da estrutura vigente”, escreveu Coutinho. Em seguida, ele enumerou institui\u00e7\u00f5es de educa\u00e7\u00e3o que, supostamente, teriam sido criadas ou estavam sendo apropriadas<\/a> por esses agentes de esquerda subversivos, como o Centro de Educa\u00e7\u00e3o Popular do Instituto Sedes Sapientae e o Instituto Brasileiro de An\u00e1lises Sociais e Econ\u00f4micas, o Ibase.<\/p>\n

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Trecho de documento de 1989 do Centro de Informa\u00e7\u00f5es do Ex\u00e9rcito intitulado ‘A nova esquerda conduz o processo revolucion\u00e1rio’.<\/p>\n<\/div>\n

Para o general, intelectuais, artistas, economistas e ativistas, reunidos em torno da Igreja progressista, seriam a nova face do “movimento revolucion\u00e1rio marxista no Brasil”. Era o que a extrema direita americana vinha chamando<\/a> de “marxismo cultural”.<\/p>\n

Nessa perspectiva, a “nova esquerda”, municiada com as teorias gramscistas sobre como o estado e o poder dominante controlam o povo por meio das institui\u00e7\u00f5es culturais, educacionais e meios de comunica\u00e7\u00e3o, estaria investindo numa nova tentativa de tomada de poder. Desta vez, implodindo o sistema de dentro para fora e conquistando mentes e cora\u00e7\u00f5es para, enfim, emplacar a revolu\u00e7\u00e3o. Era uma estrat\u00e9gia, na vis\u00e3o militar, ainda mais perigosa do que a luta armada.<\/p>\n

Dez anos depois do relat\u00f3rio confidencial, Olavo de Carvalho publicou no Jornal da Tarde um texto<\/a> chamado “M\u00e1fia Gramsciana”. Nele, o ide\u00f3logo acusava um jornal de fazer propaganda ao veicular um caderno sobre Gramsci. A t\u00e1tica do gramscismo, para ele, era a “ocupa\u00e7\u00e3o de espa\u00e7os”, em que as vozes dissonantes seriam exclu\u00eddas para a doutrina reinar sozinha em um “consenso democr\u00e1tico”. O autor bradava contra a exclus\u00e3o dos liberais e conservadores no debate p\u00fablico, e alegava que havia apenas um debate entre gramscianos, que por sua vez impunham censura mental aos brasileiros enquanto posavam cinicamente de democr\u00e1ticos.<\/p>\n

Naquela \u00e9poca, Olavo come\u00e7ava a se consolidar como porta-voz do conservadorismo, popularizando a ideia de que o “marxismo cultural” havia se apossado das institui\u00e7\u00f5es. Assim, era preciso se opor a universidades, \u00edcones culturais, m\u00eddia e institui\u00e7\u00f5es educacionais, todas supostamente dominadas pelo ide\u00e1rio de esquerda.<\/p>\n

‘O que aparece como del\u00edrio olavista \u00e9, na verdade, um aprofundamento do pensamento que circulou e circula nos quart\u00e9is’.<\/blockquote>\n

Mas, tidas como revolucion\u00e1rias, as ideias de Olavo n\u00e3o eram novas. Elas j\u00e1 haviam sido sintetizadas em documentos militares na d\u00e9cada anterior e seguem influenciando as For\u00e7as Armadas at\u00e9 hoje, argumenta o historiador Lucas Pedretti, doutorando em hist\u00f3ria na Universidade Estadual do Rio de Janeiro e ex-pesquisador da Comiss\u00e3o da Verdade no estado.<\/p>\n

“O que aparece \u00e0s vezes como del\u00edrio olavista \u00e9, na verdade, um aprofundamento do pensamento que circulou e circula nos quart\u00e9is”, me disse Pedretti.<\/p>\n

O pesquisador questiona a divis\u00e3o entre a ala radical do governo \u2013 que segue Olavo de Carvalho mais de perto e influenciou, por exemplo, a nomea\u00e7\u00e3o de Abraham Weintraub para a Educa\u00e7\u00e3o e Ernesto Ara\u00fajo para as Rela\u00e7\u00f5es Exteriores \u2013 e os militares, supostamente “t\u00e9cnicos”. Para ele, a g\u00eanese do ide\u00e1rio anticomunista de Olavo est\u00e1 na Doutrina de Seguran\u00e7a Nacional, surgida no contexto da Guerra Fria, que tinha como objetivos a elimina\u00e7\u00e3o de inimigos internos, e no Orvil<\/a>, um documento que circulou entre militares do Ex\u00e9rcito nos anos 1980 e detalha as alegadas “novas t\u00e1ticas de domina\u00e7\u00e3o da esquerda” por meio do aparelhamento das institui\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

Pedretti considera que, ao longo dos anos 1990, as ideias de Olavo de Carvalho e o ide\u00e1rio das For\u00e7as Armadas se retroalimentaram. O ide\u00f3logo se aproveitava do reconhecimento e da proximidade com os militares para se reafirmar como intelectual anti-establishment. As For\u00e7as Armadas, por sua vez, tinham em Olavo um porta-voz para levar ideias at\u00e9 ent\u00e3o restritas aos quart\u00e9is a um p\u00fablico mais amplo.<\/p>\n

<\/div>\n

Olavo escreveu, por exemplo, colunas em defesa da ditadura militar no jornal O Globo no fim dos anos 1990, algo que seria inimagin\u00e1vel alguns anos antes \u2013\u00a0e que, em parte gra\u00e7as a ele, hoje se converteu numa tend\u00eancia forte e lucrativa. N\u00e3o \u00e0 toa, o fil\u00f3sofo recebeu em 1999, do Ex\u00e9rcito, a Medalha do Pacificador<\/a> \u2013\u00a0dois anos depois, tamb\u00e9m ganharia honraria semelhante da Aeron\u00e1utica. “Habitualmente indiferente a aplausos e homenagens, estou profundamente comovido com essa honra que a for\u00e7a terrestre me concedeu”, escreveria<\/a> Olavo.\u00a0Anos depois, j\u00e1 com Bolsonaro presidente e numa disputa por poder no governo, ele declararia guerra verbal \u00e0s For\u00e7as Armadas \u2013\u00a0e n\u00e3o ficaria sem resposta<\/a>.<\/p>\n

A penetra\u00e7\u00e3o em ambientes que v\u00e3o muito al\u00e9m de seus disc\u00edpulos fi\u00e9is \u00e9 um dos motivos para que as ideias de Olavo estejam fadadas a permanecer mesmo com sua morte. Apesar das rusgas com os militares terem gerado a crise que culminou com a sa\u00edda do general da reserva e hoje pol\u00edtico do Podemos Carlos Alberto dos Santos Cruz do governo, em 2019, Pedretti v\u00ea o ide\u00e1rio olavista embrenhado nas For\u00e7as Armadas, mesmo entre os setores tidos como “moderados”.<\/p>\n

\n\"O\n

O historiador Lucas Pedretti: ‘a ideia de marxismo cultural e gramscianismo apareceu dentro das For\u00e7as Armadas na abertura pol\u00edtica ap\u00f3s a ditadura’.<\/p>\n

\nFoto: Bira Soares<\/p><\/div>\n

Ao Intercept<\/b>, o pesquisador detalhou como o ide\u00e1rio militar se relaciona com Olavo \u2013 e como suas ideias se proliferaram nos \u00faltimos anos.<\/p>\n

Intercept \u2013 Voc\u00ea mencionou que as ideias que tornaram Olavo de Carvalho conhecido n\u00e3o eram dele. De onde v\u00eam, ent\u00e3o, esses conceitos de“<\/b>marxismo cultural“<\/b>, o “gayzismo” (que consolidou, depois, a persegui\u00e7\u00e3o \u00e0 chamada “ideologia de g\u00eanero”), gramscismo, entre outras ideias que ele popularizou?<\/b><\/p>\n

Lucas Pedretti \u2013<\/b> \u00c9 t\u00edpico do pensamento conspirat\u00f3rio uma hipersimplifica\u00e7\u00e3o da realidade para apresentar solu\u00e7\u00f5es f\u00e1ceis \u00e0 cria\u00e7\u00e3o de inimigos, pelos quais voc\u00ea consegue localizar a origem de todo mal. Voc\u00ea cria uma barreira moral que faz com que esses inimigos n\u00e3o perten\u00e7am \u00e0 humanidade, n\u00e3o sejam dignos de direitos humanos. Isso favorece o estabelecimento de ret\u00f3ricas do \u00f3dio.<\/p>\n

Nesse sentido, \u00e9 importante a gente lembrar, do ponto de vista espec\u00edfico dos militares, a influ\u00eancia daquilo que se chama de Doutrina de Seguran\u00e7a Nacional. \u00c9 um tipo de doutrina formulado nos anos 1950, a partir da Guerra Fria, de ideias que circularam entre os militares dos EUA. Essa doutrina enxergava como inimigos internos todos os setores da sociedade que carregavam quaisquer perspectivas sobre o Brasil, \u2013 sociais, econ\u00f4micas, pol\u00edticas e morais \u2013 que fossem distintas daquelas que os formuladores da doutrina entendiam como a correta, verdadeira.<\/p>\n

A Doutrina de Seguran\u00e7a Nacional partia da premissa de que o Brasil fazia parte do Ocidente crist\u00e3o, por conta de sua tradi\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica, de que seu alinhamento no contexto bipolar da Guerra Fria era com o mundo ocidental, capitalista.<\/p>\n

Ela previa a exist\u00eancia de certos objetivos gerais da na\u00e7\u00e3o formulados pelos pr\u00f3prios militares. Eles acreditavam que sabiam quais eram os verdadeiros interesses da p\u00e1tria, uma certa ideia de democracia representativa nos moldes liberais, certa ideia de tradi\u00e7\u00e3o crist\u00e3, numa perspectiva moralista muito forte. Diante desses objetivos nacionais permanentes, formulados pelos pr\u00f3prios militares, qualquer setor social que tivesse vis\u00f5es distintas \u2013 seja mais justi\u00e7a social ou uma organiza\u00e7\u00e3o pol\u00edtica institucional diferente \u2013 era apontado como inimigo interno.<\/p>\n

Por que esses conceitos s\u00e3o t\u00e3o delimitados pela cria\u00e7\u00e3o dos inimigos \u2013 a esquerda, os gays, os religiosos progressistas etc.?<\/b><\/p>\n

A cria\u00e7\u00e3o do inimigo no pensamento militar \u00e0 luz da Doutrina de Seguran\u00e7a Nacional \u00e9 muito forte. E essa doutrina seguiu influenciando os militares ao longo de toda a ditadura e depois da abertura pol\u00edtica. O que aconteceu \u00e9 que eles passaram a reposicionar o lugar do inimigo. Mas a l\u00f3gica por tr\u00e1s do pensamento segue a mesma: a cria\u00e7\u00e3o de um inimigo respons\u00e1vel por todo o mal. Agora n\u00e3o mais necessariamente pela for\u00e7a das armas, como foi com a guerrilha de esquerda, mas pela for\u00e7a da hegemonia cultural, os militares passam a identificar seus inimigos internos.<\/p>\n

Nesse cen\u00e1rio, ao longo dos anos 1980, 1990 e do in\u00edcio do s\u00e9culo 21, vai haver um deslocamento para a perspectiva de que o novo centro de atua\u00e7\u00e3o das esquerdas parte da ideia do politicamente correto. O politicamente correto se torna uma esp\u00e9cie de sin\u00f4nimo do marxismo cultural, e isso, por exemplo, est\u00e1 muito claro em uma entrevista do [general e ex-comandante-geral do Ex\u00e9rcito Eduardo] Villas B\u00f4as. Ele fala do politicamente correto como um inimigo a ser combatido. \u00c9 basicamente uma categoria de acusa\u00e7\u00e3o que, assim como o marxismo cultural, pode ser preenchida com qualquer coisa. O movimento feminista \u00e9 parte do politicamente correto. \u00c9 uma nova categoria de acusa\u00e7\u00e3o que ganha for\u00e7a no p\u00f3s-ditadura para situar a nova forma de atua\u00e7\u00e3o contra esses inimigos internos.<\/p>\n

Sempre nessa perspectiva: ele operaria por dentro das tradi\u00e7\u00f5es para destru\u00ed-las por dentro, acabar com as barreiras morais e militares que impediriam que o Brasil se tornasse uma p\u00e1tria comunista dominada pelos subversivos.<\/p>\n

Qual foi o contexto em que as For\u00e7as Armadas criaram e passaram a defender esses conceitos?<\/b><\/p>\n

A ideia de marxismo cultural e gramscianismo apareceu na abertura [pol\u00edtica ap\u00f3s a ditadura], quando as For\u00e7as Armadas come\u00e7aram a formular a vis\u00e3o de que as esquerdas tinham mudado sua estrat\u00e9gia: haviam abandonado a tentativa de tomada de poder pelas armas e come\u00e7aram a tentar a tomar o poder por dentro das institui\u00e7\u00f5es, da cultura. Portanto, o novo objetivo da esquerda seria a obten\u00e7\u00e3o da hegemonia cultural para a desestabiliza\u00e7\u00e3o do pa\u00eds e a constru\u00e7\u00e3o do comunismo. Foi nessa conjuntura que essas novas categorias de acusa\u00e7\u00e3o ganharam muita for\u00e7a para os militares enquadrarem essa nova forma de atua\u00e7\u00e3o das esquerdas.<\/p>\n

\n\"General\n

O general Eduardo Villas B\u00f4as, ex-comandante-geral do Ex\u00e9rcito e pe\u00e7a-chave na elei\u00e7\u00e3o de Bolsonaro: a entrevista autobiogr\u00e1fica dele \u00e9 cheia de cr\u00edticas ao ‘politicamente correto’.<\/p>\n

\nFoto: F\u00e1tima Meira\/Futura Press\/Folhapress<\/p><\/div>
\nVoc\u00ea publicou recentemente um artigo sobre o Orvil (a palavra “livro” lida ao contr\u00e1rio), enorme documento interno que circulou entre militares nos anos 1980 e que detalha essas estrat\u00e9gias. O que \u00e9 o Orvil?<\/b><\/p>\n

\u00c9 um documento que marca o ponto de inflex\u00e3o do pensamento militar sobre essa nova forma de atua\u00e7\u00e3o das esquerdas. O Orvil era uma tentativa militar de apresentar sua interpreta\u00e7\u00e3o n\u00e3o s\u00f3 da viol\u00eancia da ditadura \u2013 e, nesse sentido, \u00e9 um livro marcado pela reafirma\u00e7\u00e3o daquelas vers\u00f5es oficiais fantasiosas que marcaram o per\u00edodo, como o alegado su\u00edcidio de Vladimir Herzog<\/a> \u2013, mas tamb\u00e9m servir como uma esp\u00e9cie de contraponto ao “Brasil: Nunca Mais<\/a>“. Ele pretende dar uma nova interpreta\u00e7\u00e3o do papel das For\u00e7as Armadas na hist\u00f3ria do Brasil, principalmente como \u00faltimo basti\u00e3o a defender a democracia contra as esquerdas subversivas.<\/p>\n

E a\u00ed ele afirma, em s\u00edntese, que a hist\u00f3ria brasileira teria sido dominada por tr\u00eas grandes tentativas de tomada de poder pelos comunistas. Em 1935, com a chamada Intentona Comunista, a segunda delas com Jo\u00e3o Goulart, pr\u00e9-golpe de 64, e a terceira no contexto das guerrilhas urbanas nos anos 60 e 70. As For\u00e7as Armadas aparecem nessa leitura como o grande \u00f3bice \u00e0 vit\u00f3ria da esquerda. O Orvil detalha tamb\u00e9m uma quarta tentativa de tomada do poder, que por n\u00e3o ser pela via das armas seria a mais perigosa at\u00e9 ent\u00e3o.<\/p>\n

No livro, o termo marxismo cultural n\u00e3o aparece. E nem a perspectiva do gramscismo. Mas, em 1989, a gente j\u00e1 vai encontrar em relat\u00f3rios produzidos pelo Sistema Nacional de Informa\u00e7\u00f5es a mesma narrativa do Orvil, s\u00f3 que acrescida da justificativa supostamente te\u00f3rica para a forma de atua\u00e7\u00e3o das esquerdas. A figura-chave nesse processo \u00e9 um general chamado S\u00e9rgio Augusto Avelar Coutinho, que era o chefe do Centro de Informa\u00e7\u00f5es do Ex\u00e9rcito na \u00e9poca do Orvil, entre 85 e 88, quando esses relat\u00f3rios de intelig\u00eancia come\u00e7aram a circular.<\/p>\n

O Orvil coloca no centro das preocupa\u00e7\u00f5es da For\u00e7as Armadas, principalmente do Ex\u00e9rcito, essa quarta tentativa de tomada de poder, e os militares v\u00e3o seguir estudando esse tema a ponto de um ano depois do fim da produ\u00e7\u00e3o do Orvil estarem fazendo a rela\u00e7\u00e3o entre marxismo cultural, gramscismo e essa quarta tentativa de tomada de poder.<\/p>\n

E foi essa no\u00e7\u00e3o do gramscismo e busca pela hegemonia cultural que tornou Olavo de Carvalho c\u00e9lebre a partir dos anos 1990. O que eu tento apontar \u00e9 que essas ideias, que estavam circulando no pensamento pol\u00edtico americano conservador desde os in\u00edcio do anos 80, chegam no debate brasileiro via militar. O Olavo se tornou um c\u00e9lebre divulgador dessas ideias ao longo dos anos 90, mas ele n\u00e3o \u00e9 o precursor desse debate no Brasil.<\/p>\n

Qual \u00e9 a penetra\u00e7\u00e3o desse ide\u00e1rio entre os militares? Podemos dizer que \u00e9 a ideologia predominante nas For\u00e7as Armadas? E h\u00e1 diferen\u00e7a entre o passado e o presente?<\/b><\/p>\n

\u00c9 muito dif\u00edcil entender os conflitos intramilitares. Mas sabemos que um dos objetivos fundamentais do golpe de 1964 e da ditadura era concretizar um movimento que vinha acontecendo desde 1935, promover um expurgo dos comunistas e dos progressistas nas For\u00e7as Armadas. Porque at\u00e9 64 existiam tens\u00f5es, setores claramente progressistas e comunistas que disputavam a institui\u00e7\u00e3o por dentro, como Lu\u00eds Carlos Prestes.<\/p>\n

O golpe de 64 vem tamb\u00e9m para garantir que as For\u00e7as Armadas passem a ter uma coes\u00e3o ideol\u00f3gica e pol\u00edtica muito maior, fundada na Doutrina de Seguran\u00e7a Nacional e do perigo comunista. Ent\u00e3o, esse pensamento conservador conspiracionasta, profundamente anticomunista e profundamente antidemocr\u00e1tico em certos aspectos, certamente foi hegem\u00f4nico ao longo da ditadura. Aquela clivagem entre uma ala moderada e uma ala linha dura, que ficou c\u00e9lebre por exemplo nas an\u00e1lises do Elio Gaspari, n\u00e3o \u00e9 suficiente.<\/p>\n

Havia setores mais radicais nas For\u00e7as Armadas que estavam tentando impedir a abertura por meio de atentados terroristas, e havia o setor que encaminhou a abertura, mas n\u00e3o d\u00e1 para dizer que eles eram democrativos, ou n\u00e3o compartilhavam essa vis\u00e3o de mundo \u2013 pelo contr\u00e1rio. A quest\u00e3o \u00e9 que as disputas tinham a ver mais com t\u00e1tica e estrat\u00e9gia do que ideologia. Eles compartilham esse pensamento tamb\u00e9m. Mesmo o setor supostamente moderado era profundamente anticomunista, autorit\u00e1rio, atuava com base na Doutrina de Seguran\u00e7a Nacional. O que eles desejavam era fazer uma abertura capaz de institucionalizar certos aspectos da ditadura, enquanto outros n\u00e3o queriam nem a abertura do regime. No fundo, esses setores compartilhavam, por exemplo, a convic\u00e7\u00e3o de que a Lei de Anistia devia garantir a impunidade dos torturadores.<\/p>\n

‘\u00c9 muito dif\u00edcil encontrar diferen\u00e7as entre o passado e o presente na l\u00f3gica que orienta os militares’.<\/blockquote>\n

Esse tipo de pensamento continuou sendo dominante nas For\u00e7as Armadas durante a abertura. A gente sabe que o Brasil n\u00e3o promoveu nenhum tipo de reforma das For\u00e7as Armadas ap\u00f3s a ditadura, pelo contr\u00e1rio, elas atuaram de maneira muito forte durante a constituinte, seja com lobby nos corredores do Congresso ou com press\u00e3o aberta e amea\u00e7as expl\u00edcitas para garantir seus interesses na Constitui\u00e7\u00e3o de 1988. Entre eles, estava a manuten\u00e7\u00e3o da autonomia militar, da institui\u00e7\u00e3o como poder moderador, a manuten\u00e7\u00e3o das pol\u00edcias militares como for\u00e7as auxiliares, da Justi\u00e7a Militar, de uma certa autonomia sobre or\u00e7amento e a manuten\u00e7\u00e3o da Lei de Anistia.<\/p>\n

N\u00e3o h\u00e1 nenhuma mudan\u00e7a profunda na forma de pensar dos militares ao longo do regime democr\u00e1tico. N\u00e3o \u00e0 toa, com a crise pol\u00edtica de 2016, o golpe e a reapari\u00e7\u00e3o dos militares na pol\u00edtica, a gente teve um certo espelho daquela separa\u00e7\u00e3o entre moderados e linha dura da ditadura. Come\u00e7am a aparecer figuras da cena p\u00fablica que se apresentam como moderados. O Villas B\u00f4as foi visto durante muito tempo como um legalista. Hoje, o Santos Cruz se apresenta como essa figura supostamente moderada. E h\u00e1 uma ala de radicais, que seria representada por Bolsonaro, Augusto Heleno etc.<\/p>\n

Mas essa clivagem n\u00e3o encontra lastro na realidade do ponto de vista ideol\u00f3gico. Mesmo esses caras que aparecem como mais moderados s\u00e3o profundamente conservadores e anticomunistas, t\u00eam um pensamento profundamente autorit\u00e1rio e est\u00e3o se guiando por essas mesmas perspectivas ideol\u00f3gicas que est\u00e3o apresentadas no Orvil.<\/p>\n

Voc\u00ea v\u00ea as declara\u00e7\u00f5es do Villas B\u00f4as e o que tem ali \u00e9 o Orvil repaginado nessa acusa\u00e7\u00e3o do politicamente correto. \u00c9 muito dif\u00edcil encontrar diferen\u00e7as no passado e presente do ponto de vista da l\u00f3gica que orienta esses militares. O que tem s\u00e3o reenquadramentos, novas categorias que surgem para caracterizar o inimigo interno, a suposta amea\u00e7a subversiva, mas a forma encontrada para caracterizar esses inimigos continua sendo profundamente autorit\u00e1ria.<\/p>\n

\n\"(Washington,\n

Ernesto Ara\u00fajo, Olavo de Carvalho e Jair Bolsonaro em jantar na embaixada brasileira nos Estados Unidos, em 2019: a ascens\u00e3o ao poder de militares e olavistas.<\/p>\n

\nFoto: Alan Santos\/PR<\/p><\/div>\n

Como era a rela\u00e7\u00e3o de Olavo de Carvalho com os militares? Quem influenciava quem?<\/b><\/p>\n

Essa rela\u00e7\u00e3o se fortaleceu ao longo dos anos 1990 e tem muitos cap\u00edtulos que a gente n\u00e3o conhece. A gente sabe, por exemplo, que Olavo foi convidado pelos militares para promover e organizar pesquisas sobre a hist\u00f3ria militar, passou a proferir palestras no clube militar. Ao mesmo tempo, os livros<\/a> de S\u00e9rgio Augusto de Avelar Coutinho, autor do relat\u00f3rio em que h\u00e1 men\u00e7\u00f5es ao gramscismo, fazem men\u00e7\u00f5es a Olavo de Carvalho. Me parece que houve uma converg\u00eancia de interesses entre esses setores.<\/p>\n

O Olavo vinha tentando se afirmar como intelectual anti-establishment ao longo dos anos 90, e uma das caracter\u00edsticas que ele apresentava e mobilizava no debate para tentar se consolidar nesse lugar era uma certa ideia de que ele n\u00e3o tinha medo de dizer a verdade, de criar pol\u00eamica, enfrentar o establishment acad\u00eamico etc. Era muito marcante no seu pensamento e na sua forma de se colocar no debate p\u00fablico. Foi a partir dessa caracter\u00edstica que ele ganhou espa\u00e7o em jornais como O Globo, Folha, na imprensa hegem\u00f4nica, e passou a difundir suas ideias profundamente conservadoras e sua vis\u00e3o de mundo. Sendo um civil, supostamente um intelectual, pensador, talvez os militares tenham visto no Olavo uma figura que poderia expressar em ambientes mais amplos e legitimados, como a imprensa, os pontos de vista que j\u00e1 estavam sendo manifestados em c\u00edrculos restritos.<\/p>\n


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Como mostra o @pierolei<\/a> , a aproxima\u00e7\u00e3o entre o Ex\u00e9rcito e Olavo vai acontecer apenas na d\u00e9cada de 1990. O ex-astr\u00f3logo aproveita o AMPLO espa\u00e7o que a m\u00eddia hegem\u00f4nica lhe dava para difundir as ideias dos militares. Dentre elas, a defesa expl\u00edcita do golpe e da ditadura. pic.twitter.com\/jKPBCdINsC<\/a><\/p>\n

— Lucas Pedretti (@lpedrettil) January 25, 2022<\/a><\/p><\/blockquote>\n