{"id":560334,"date":"2022-03-17T12:00:47","date_gmt":"2022-03-17T12:00:47","guid":{"rendered":"https:\/\/theintercept.com\/?p=390685"},"modified":"2022-03-17T12:00:47","modified_gmt":"2022-03-17T12:00:47","slug":"uber-99-rappi-e-ifood-tem-notas-pifias-em-avaliacao-sobre-trabalho-decente-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/radiofree.asia\/2022\/03\/17\/uber-99-rappi-e-ifood-tem-notas-pifias-em-avaliacao-sobre-trabalho-decente-no-brasil\/","title":{"rendered":"Uber, 99, Rappi e iFood t\u00eam notas p\u00edfias em avalia\u00e7\u00e3o sobre trabalho decente no Brasil"},"content":{"rendered":"

Aos 52 anos<\/u> e pai de uma filha, Pedro<\/a> fez do Uber sua principal fonte de renda. Ele passa at\u00e9 12 horas por dia no carro. As pausas s\u00e3o controladas: “Eu tenho metas. Se eu n\u00e3o trabalhar, n\u00e3o sou pago”, diz. Sem saber como funcionam os algoritmos que ditam os pre\u00e7os, ele fica ref\u00e9m do que a plataforma imp\u00f5e. \u00c9 obrigado a aceitar as promo\u00e7\u00f5es e impedido de cancelar corridas, mesmo que os passageiros se recusem a usar m\u00e1scara ou colocar os cintos de seguran\u00e7a. “A Uber se comporta como se o carro fosse deles. Mas \u00e9 meu”, ele declarou.<\/p>\n

Os problemas de Pedro com a Uber s\u00e3o cr\u00f4nicos \u2013 e, agora, quantific\u00e1veis. A empresa tirou nota 1 na primeira avalia\u00e7\u00e3o feita no Brasil dos pesquisadores do projeto Fairwork, que estabeleceram cinco crit\u00e9rios de “trabalho decente” para avaliar o funcionamento das empresas que operam na chamada “economia de plataforma”, caso de Uber, iFood, 99 e outras. O relat\u00f3rio in\u00e9dito, lan\u00e7ado hoje, d\u00e1 uma nota de 0 a 10 para crit\u00e9rios como sal\u00e1rio, condi\u00e7\u00f5es de trabalho e transpar\u00eancia. Pedro foi um dos entrevistados pelos pesquisadores.<\/p>\n

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Nessa edi\u00e7\u00e3o do relat\u00f3rio, a primeira feita no Brasil, foram avaliadas seis empresas \u2013 e a nota m\u00e1xima foi 2, colocando o pa\u00eds entre os piores lugares do mundo para os trabalhadores de plataformas.<\/p>\n

Rappi, GetNinjas e Uber Eats zeraram \u2013 isso significa que n\u00e3o pontuaram absolutamente nada nos crit\u00e9rios de “trabalho decente”. O Uber atingiu a m\u00edsera nota 1. O iFood e a 99, as empresas melhor avaliadas, conseguiram uma ris\u00edvel nota 2 \u2013 e isso depois de se movimentarem, ao saberem da exist\u00eancia do ranking, para cumprir alguns dos crit\u00e9rios levantados pelos pesquisadores.<\/p>\n

O projeto Fairwork foi criado por pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e da WZB Berlin Social Science Centre, da Alemanha. No Brasil, \u00e9 liderado por Rafael Grohmann e outros pesquisadores do Digilabour, grupo de pesquisa ligado \u00e0 Unisinos. O projeto avalia as empresas que operam no capitalismo de plataforma em cinco crit\u00e9rios diferentes. O primeiro \u00e9 a remunera\u00e7\u00e3o justa: os trabalhadores devem ser pagos de forma decente, respeitando os sal\u00e1rios m\u00ednimos e o custo de vida local. O segundo \u00e9 sobre as condi\u00e7\u00f5es de trabalho, como riscos \u00e0 sa\u00fade e seguran\u00e7a. Depois, contratos justos: os termos e condi\u00e7\u00f5es devem ser acess\u00edveis e compreens\u00edveis.<\/p>\n

H\u00e1 tamb\u00e9m o crit\u00e9rio de gerenciamento justo \u2013 ou seja, trabalhadores devem ser ouvidos e informados sobre as decis\u00f5es. O uso de algoritmos deve ser transparente, assim como os outros processos de inclus\u00e3o ou desligamento. Por fim, h\u00e1 o crit\u00e9rio de representa\u00e7\u00e3o: os trabalhadores precisam ser ouvidos, inclusive atrav\u00e9s de organiza\u00e7\u00f5es coletivas que devem ganhar o poder de negociar com as empresas.<\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 preciso muito esfor\u00e7o para saber porque as empresas se sa\u00edram t\u00e3o mal no Brasil.<\/p>\n

\n\"As\n

As notas p\u00edfias dos aplicativos no Brasil: resultado de remunera\u00e7\u00f5es indecentes, contratos nebulosos, falta de espa\u00e7o para reivindica\u00e7\u00f5es e de assist\u00eancia e prote\u00e7\u00e3o aos trabalhadores.<\/p>\n<\/div>\n

O m\u00ednimo do m\u00ednimo<\/h3>\n

No primeiro crit\u00e9rio, sobre a remunera\u00e7\u00e3o, s\u00f3 uma das empresas analisadas conseguiu comprovar que garante o pagamento de um sal\u00e1rio m\u00ednimo (R$ 1.212 hoje) aos trabalhadores: a 99. As outras n\u00e3o t\u00eam nenhuma base m\u00ednima de ganhos aos entregadores e prestadores de servi\u00e7os.<\/p>\n

Pol\u00edticas de assist\u00eancia \u00e0 sa\u00fade e acidentes e oferta de equipamentos de prote\u00e7\u00e3o garantiram \u00e0 Uber e \u00e0 99 a pontua\u00e7\u00e3o m\u00ednima no crit\u00e9rio de condi\u00e7\u00f5es de trabalho. Nas demais plataformas, os pesquisadores constataram que, al\u00e9m da dificuldade em conseguir equipamento de prote\u00e7\u00e3o, tamb\u00e9m h\u00e1 falta de infraestrutura b\u00e1sica como banheiros, \u00e1reas de descanso e \u00e1gua pot\u00e1vel. Tamb\u00e9m h\u00e1 riscos de acidentes e sa\u00fade, estresse e problemas psicol\u00f3gicos.<\/p>\n

A forma como os trabalhadores s\u00e3o contratados mostrou problemas em todas as plataformas analisadas. Em um primeiro momento, nenhuma delas tinha linguagem compreens\u00edvel e acess\u00edvel nos contratos. O iFood, ap\u00f3s ser contatado pelos pesquisadores, alterou seus termos e condi\u00e7\u00f5es, usando palavras mais acess\u00edveis, conseguindo uma pontua\u00e7\u00e3o m\u00ednima.<\/p>\n

Uma das maiores dificuldades, no entanto, \u00e9 o gerenciamento \u2013 um dos maiores problemas da \u00e1rea no Brasil, segundo os pesquisadores. Nenhuma plataforma oferece canal de comunica\u00e7\u00e3o, transpar\u00eancia em casos de cancelamento e pol\u00edticas antidiscrimina\u00e7\u00e3o. \u00c9 o caso dos motoristas que t\u00eam suas contas banidas e n\u00e3o s\u00e3o avisados, por exemplo. Al\u00e9m disso, as plataformas n\u00e3o oferecem uma pessoa \u2013 mas apenas rob\u00f4s e mensagens automatizadas \u2013 para dialogar com os trabalhadores.<\/p>\n

Um dos piores do mundo<\/h3>\n

Apesar de n\u00e3o terem o sal\u00e1rio m\u00ednimo garantido, no Brasil trabalhadores de plataformas costumam trabalhar mais de 44 horas semanais, segundo o relat\u00f3rio. O controle da carga hor\u00e1ria \u00e9 feito de forma automatizada, com algoritmos, que tamb\u00e9m definem a remunera\u00e7\u00e3o seguindo crit\u00e9rios que raramente s\u00e3o transparentes. Mas, para os pesquisadores, o uso de rob\u00f4s n\u00e3o tira a responsabilidade das empresas sobre os prestadores de servi\u00e7o. “O controle algor\u00edtmico sobre os trabalhadores pode ser reconhecido como equivalente ao controle exercido por um superior imediato”, escreveram os pesquisadores. Al\u00e9m disso, para eles, h\u00e1 indicadores nas leis trabalhistas de que muitos trabalhadores de plataformas poderiam, na verdade, ser caracterizados como empregados.<\/p>\n

A Justi\u00e7a do Trabalho, no entanto, tem um entendimento diferente. Uma pesquisa de 2020, feita com 432 decis\u00f5es judiciais, mostrou que s\u00f3 42% delas foram favor\u00e1veis aos trabalhadores. “As plataformas digitais t\u00eam usado estat\u00edsticas judiciais para prevenir a forma\u00e7\u00e3o de precedentes adversos que confirmem o status de empregados dos trabalhadores de plataformas”, escreveram os pesquisadores.<\/p>\n

A Fairwork j\u00e1 fez an\u00e1lises semelhantes em 26 pa\u00edses. Segundo a organiza\u00e7\u00e3o, os resultados brasileiros s\u00e3o semelhantes a de outros pa\u00edses latino-americanos, como Col\u00f4mbia e Chile, mas bem piores do que em outros continentes. Pa\u00edses norte-americanos, europeus e africanos t\u00eam empresas que atingiram a pontua\u00e7\u00e3o m\u00e1xima, o que mostra que n\u00e3o s\u00e3o metas imposs\u00edveis de serem alcan\u00e7adas.<\/p>\n

“\u00c9 uma situa\u00e7\u00e3o que vemos em v\u00e1rios pa\u00edses da Am\u00e9rica Latina. As plataformas de delivery normalmente t\u00eam pontua\u00e7\u00e3o baixa quando trabalham com prestadores de servi\u00e7o independentes, pagos por entrega”, me disse Tatiana L\u00f3pez Ayala, pesquisadora da Fairwork no WZB Berlin Social Science Centre.<\/p>\n

Na Alemanha, organiza\u00e7\u00e3o de trabalhadores fez sugirem leis que for\u00e7aram empresas a fornecer bicicletas, casacos e at\u00e9 internet m\u00f3vel.<\/blockquote>\n

Segundo ela, os resultados s\u00e3o piores justamente em locais a presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o \u00e9 feita por independentes, como no Brasil. Nesses casos, os trabalhadores n\u00e3o recebem nenhum tipo de equipamento, usam as pr\u00f3prias bicicletas, motos e carros no servi\u00e7o e precisam cobrir todos os custos relacionados a ele. “Mesmo se ganham mais de um sal\u00e1rio m\u00ednimo, especialmente quando trabalham muitas horas, \u00e9 muito inseguro. Porque em um m\u00eas podem ganhar mais de um sal\u00e1rio, mas no m\u00eas seguinte t\u00eam menos pedidos, ou custos s\u00e3o mais altos, como por exemplo com a gasolina, e n\u00e3o atingem o m\u00ednimo”.<\/p>\n

Na Alemanha, por exemplo, a situa\u00e7\u00e3o \u00e9 diferente. L\u00e1, empresas adotam medidas que as fazem chegar at\u00e9 a nota 9 no ranking. “A maioria dos trabalhadores t\u00eam um contrato regular, recebe f\u00e9rias e tem garantia de que receber\u00e1 pelo menos um sal\u00e1rio m\u00ednimo, mesmo que n\u00e3o tenha muitos pedidos”, me disse Ayala.<\/p>\n

A principal raz\u00e3o, para a pesquisadora, n\u00e3o est\u00e1 apenas na regula\u00e7\u00e3o mas, principalmente, na organiza\u00e7\u00e3o e consequente press\u00e3o dos trabalhadores. “Na Alemanha houve v\u00e1rios processos trabalhistas, pressionaram as plataformas e com isso surgiram leis que, por exemplo, for\u00e7aram as empresas a fornecer material de trabalho, como bicicletas, casacos e capas de chuva”, ela explicou. Em alguns casos, at\u00e9 mesmo os gastos com a internet m\u00f3vel, essencial para o trabalho, s\u00e3o cobertos.<\/p>\n

Na Alemanha, al\u00e9m de a justi\u00e7a ter estabelecido alguns padr\u00f5es m\u00ednimos em decis\u00f5es trabalhistas, os motoristas e entregadores de plataformas t\u00eam organiza\u00e7\u00f5es fortes e poder de barganha junto \u00e0s empresas. No Brasil, por enquanto, essa realidade est\u00e1 longe \u2013 a pesquisadora atribui ao clima pol\u00edtico, mas olhar para fora pode indicar caminhos para a mudan\u00e7a por aqui tamb\u00e9m. “A luta \u00e9 nas ruas e nos tribunais”, afirmou Ayala.<\/p>\n

No Brasil, segundo o relat\u00f3rio, algumas plataformas est\u00e3o fazendo mudan\u00e7as em suas pr\u00e1ticas baseadas em seu engajamento com a Fairwork. O iFood, por exemplo, incluiu em seu site uma atualiza\u00e7\u00e3o sobre as pol\u00edticas para garantir uma remunera\u00e7\u00e3o m\u00ednima aos entregadores. O comunicado entrou no ar no s\u00e1bado, cinco dias antes de o relat\u00f3rio ser publicado.<\/p>\n

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This post was originally published on The Intercept<\/a>. <\/p>","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

De 0 a 10, iFood e 99 levam nota 2, Uber, 1, e Rappi e Uber Eats, zero. Remunera\u00e7\u00e3o e condi\u00e7\u00f5es de trabalho est\u00e3o entre piores do mundo. <\/p>\n

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