{"id":669790,"date":"2022-05-24T19:30:38","date_gmt":"2022-05-24T19:30:38","guid":{"rendered":"https:\/\/theintercept.com\/?p=397871"},"modified":"2022-05-24T19:30:38","modified_gmt":"2022-05-24T19:30:38","slug":"militares-constrangeram-servidores-civis-a-validar-seu-projeto-de-nacao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/radiofree.asia\/2022\/05\/24\/militares-constrangeram-servidores-civis-a-validar-seu-projeto-de-nacao\/","title":{"rendered":"Militares constrangeram servidores civis a validar seu \u2018Projeto de Na\u00e7\u00e3o\u2019"},"content":{"rendered":"

Com a pompa e o ufanismo dos tempos da ditadura, um grupo formado basicamente por militares da reserva \u2013 inclusive gente que bate ponto no Pal\u00e1cio do Planalto, como o vice-presidente Hamilton Mour\u00e3o e seu poss\u00edvel sucessor Walter Braga Netto \u2013 lan\u00e7ou h\u00e1 alguns dias um documento intitulado Projeto de Na\u00e7\u00e3o<\/a>.<\/p>\n

Como o rep\u00f3rter Marcelo Godoy contou<\/a> no Estad\u00e3o, se trata de um amontoado de sandices espalhadas em meras 93 p\u00e1ginas. Ali se defende, por exemplo, acabar com \u201crestri\u00e7\u00f5es da legisla\u00e7\u00e3o ind\u00edgena e ambiental que se conclua serem radicais nas \u00e1reas atrativas do agroneg\u00f3cio e da minera\u00e7\u00e3o\u201d, a cobran\u00e7a pelo atendimento no Sistema \u00danico de Sa\u00fade e nas universidades federais e a \u201cdesideologiza\u00e7\u00e3o\u201d do ensino superior p\u00fablico.<\/p>\n

“Desideologiza\u00e7\u00e3o” a ser comandada, \u00e9 l\u00f3gico, por gente como o general de pijamas Luiz Eduardo Rocha Paiva, coordenador do “Projeto de Na\u00e7\u00e3o” e ex-presidente do f\u00e3-clube do torturador condenado Carlos Alberto Brilhante Ustra. Gente fina da melhor qualidade.<\/p>\n

O Intercept<\/strong> acompanha h\u00e1 quase um ano a elabora\u00e7\u00e3o do “Projeto de Na\u00e7\u00e3o” da turma que dorme sonhando que ir\u00e1 acordar em 13 de dezembro de 1968<\/a>. Em julho de 2021, contei aos assinantes da nossa newsletter semanal<\/a> que o general Val\u00e9rio Stumpf Trindade, comandante militar do Sul, mandou um coronel pedir \u2013 usando e-mail oficial do Ex\u00e9rcito<\/a> \u2013 que colaboradores de seu N\u00facleo de Estudos Estrat\u00e9gicos contribu\u00edssem com a o que viria a ser o “Projeto de Na\u00e7\u00e3o”. No grupo que recebeu o e-mail h\u00e1, inclusive, professores e acad\u00eamicos civis.<\/p>\n

Stumpf, um general de quatro estrelas que nasceu e fez boa parte da carreira no Sul do pa\u00eds \u2013 ou no Terceiro Reich, jarg\u00e3o interno usado para se referir a militares do Terceiro Ex\u00e9rcito, atual Comando Militar do Sul. Quando S\u00e9rgio Etchegoyen deixou o cargo de chefe do Estado-Maior do Ex\u00e9rcito para ser ministro do recriado Gabinete de Seguran\u00e7a Institucional de Michel Temer, logo chamaria Stumpf para ser seu bra\u00e7o direito.<\/p>\n

Etchegoyen, por sua vez, era chefe do Estado-Maior (esp\u00e9cie de n\u00famero dois do Ex\u00e9rcito) sob Eduardo Villas B\u00f4as, que ser\u00e1 lembrado pela hist\u00f3ria como o tuiteiro que amea\u00e7ou o Supremo Tribunal Federal na v\u00e9spera do julgamento de um habeas corpus que poderia dar a Luiz In\u00e1cio Lula da Silva o direito de disputar a elei\u00e7\u00e3o de 2018. Os dois s\u00e3o tamb\u00e9m amigos desde os primeiros anos da inf\u00e2ncia passada em Cruz Alta, Rio Grande do Sul.<\/p>\n

Quando Villas B\u00f4as perdeu o controle do pr\u00f3prio corpo, acometido pela terr\u00edvel esclerose lateral amiotr\u00f3fica, Etchegoyen tomou para si tamb\u00e9m o papel de cuidar da imagem e da biografia do amigo. E Villas B\u00f4as, como se sabe, lan\u00e7ou um instituto que leva o pr\u00f3prio nome para se manter influente mesmo na reserva.<\/p>\n

\u00c9 o Instituto Villas Boas quem deu alguma credibilidade ao “Projeto de Na\u00e7\u00e3o”, concebido originalmente por um pol\u00edtico varzeano de Curitiba e o novo neg\u00f3cio de Rocha Paiva, o Instituto Sagres. O aval do ex-comandante do Ex\u00e9rcito \u00e0 sandice foi o suficiente para que Hamilton Mour\u00e3o incumbisse, em setembro passado, o ent\u00e3o ministro do Turismo, o mau sanfoneiro e lobista anti-ind\u00edgena Gilson Machado, de \u201cpedir\u201d a seus funcion\u00e1rios que participassem da elabora\u00e7\u00e3o do “Projeto de Na\u00e7\u00e3o”. O of\u00edcio assinado por Mauro Fialho de Lima e Souza, assessor especial de Machado, foi bem pouco sutil a respeito: a participa\u00e7\u00e3o \u00e9 volunt\u00e1ria, por\u00e9m importante termos representatividade no Projeto<\/strong> (o grifo \u00e9 do documento original).<\/p>\n

Na lista de destinat\u00e1rios da mensagem estavam todos os \u00f3rg\u00e3os p\u00fablicos que, na balb\u00fardia administrativa do governo Bolsonaro, acabaram sob o guarda-chuva do Turismo, inclusive as secretarias de Cultura, do Audiovisual, da Economia Criativa e Diversidade Cultural, de Fomento e Incentivo \u00e0 Cultura, de Desenvolvimento Cultural e de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual. Servidores que deveriam cuidar do desenvolvimento da cultura brasileira sendo coagidos a dar legitimidade ao mundo dos sonhos de um grupo de militares.<\/p>\n

A nossa editora Tatiana Dias perguntou, via Lei de Acesso \u00e0 Informa\u00e7\u00e3o, se foi firmado algum tipo de acordo ou conv\u00eanio entre os autores do “Projeto de Na\u00e7\u00e3o” e o Minist\u00e9rio do Turismo. Resposta: n\u00e3o. Ou seja \u2013 tudo foi feito na base do “quem manda aqui sou eu”.<\/p>\n

Da\u00ed se v\u00ea que houve uma preocupa\u00e7\u00e3o de dar ao “Projeto de Na\u00e7\u00e3o” a legitimidade de um documento nascido de dentro da sociedade civil brasileira. Agora que conhecemos o conte\u00fado dele, conv\u00e9m levar a s\u00e9rio. Os personagens envolvidos s\u00e3o respons\u00e1veis por tirar a democracia dos trilhos nos \u00faltimos anos. E fizeram carreira numa corpora\u00e7\u00e3o especializada em golpes de estado, o Ex\u00e9rcito brasileiro.<\/p>\n

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Sem conv\u00eanio oficial, Mour\u00e3o, ministro do Turismo e comandante militar do Sul usaram servidores para legitimar um nonsense que deve ser levado muito a s\u00e9rio. <\/p>\n

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