{"id":783492,"date":"2022-08-27T15:00:50","date_gmt":"2022-08-27T15:00:50","guid":{"rendered":"https:\/\/theintercept.com\/?p=406012"},"modified":"2022-08-27T15:00:50","modified_gmt":"2022-08-27T15:00:50","slug":"rodrigo-nunes-no-caminho-para-o-fim-do-mundo-a-radicalidade-e-a-nossa-unica-saida","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/radiofree.asia\/2022\/08\/27\/rodrigo-nunes-no-caminho-para-o-fim-do-mundo-a-radicalidade-e-a-nossa-unica-saida\/","title":{"rendered":"Rodrigo Nunes: No caminho para o fim do mundo, a radicalidade \u00e9 a nossa \u00fanica sa\u00edda"},"content":{"rendered":"

<\/p>\n

\"\"<\/a> <\/p>\n

Foto: Rodrigo Sombra<\/p>\n

<\/div>\n

<\/p>\n

Sejamos, urgentemente e programaticamente, radicais:<\/u> o novo livro do fil\u00f3sofo Rodrigo Nunes, \u201cDo transe \u00e0 vertigem – ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transi\u00e7\u00e3o\u201d<\/a>, faz um chamado coletivo propondo novas a\u00e7\u00f5es frente ao cen\u00e1rio de caos imposto n\u00e3o somente pela extrema direita, mas antes pelo desmonte do mundo como conhecemos.<\/p>\n

Um dos intelectuais que mais tem contribu\u00eddo \u2013 dentro e fora da academia \u2013 com discuss\u00f5es que mesclam bolsonarismo, pol\u00edtica, an\u00e1lises internacionais e cultura pop, o professor da Pontif\u00edcia Universidade Cat\u00f3lica do Rio de Janeiro, a PUC-Rio, conversou comigo (durante duas horas, ent\u00e3o ainda ficou muita p\u00e9rola de fora) sobre nosso liberalismo oco, pobreza, sofrimento, performance e identidade, entre outros assuntos.<\/p>\n

Confira a entrevista:<\/p>\n

Fabiana Moraes \u2013 Um dos termos infelizes que surgiu novamente nos \u00faltimos anos \u00e9 “pobre de direita”. Me chama aten\u00e7\u00e3o porque revela um espanto que, na raiz, est\u00e1 atrelado a uma esp\u00e9cie de determinismo (se pobre, tem que ser de esquerda) e mesmo um desconhecimento sobre o pr\u00f3prio pa\u00eds, conservador h\u00e1 muito. Voc\u00ea fala no livro sobre o bolsonarismo ser um fen\u00f4meno que percorre diversas classes. Gostaria de lhe ouvir sobre esse assombro em rela\u00e7\u00e3o ao pobre direitista e se, na sua opini\u00e3o, se essa ado\u00e7\u00e3o bolsonarista interclasses tem matizes espec\u00edficas a partir de que estratos estamos falando?<\/strong><\/p>\n

Rodrigo Nunes \u2013<\/strong> Come\u00e7amos por esse \u00faltimo ponto do bolsonarismo como um fen\u00f4meno interclasse, que re\u00fane diferentes estratos em torno de algo como um projeto comum; uma alian\u00e7a de classe, que \u00e9 algo que tamb\u00e9m se pode dizer do lulismo, ali\u00e1s. Poder\u00edamos dizer que o lulismo foi uma alian\u00e7a de classes que funcionou de certa maneira como a \u00faltima tentativa de entregar as promessas da Nova Rep\u00fablica, a \u00faltima tentativa de entregar as promessas do processo de moderniza\u00e7\u00e3o, entendido como algo que geraria condi\u00e7\u00f5es de prosperidade para todo mundo, que geraria institui\u00e7\u00f5es responsivas, que superaria as rela\u00e7\u00f5es sociais arcaicas herdadas da sociedade escravocrata.<\/p>\n

Os governos do PT foram a \u00faltima tentativa, a \u00fanica coisa que o Brasil ainda n\u00e3o tinha tentado at\u00e9 aquele momento; e acho que d\u00e1 para dizer sem medo de errar que os governos do PT conseguem entregar mais do que qualquer governo at\u00e9 ent\u00e3o. Mas n\u00e3o entregam nem de longe tudo o que se esperava, o que gera uma sensa\u00e7\u00e3o de frustra\u00e7\u00e3o maior do que aquela gerada pelos donos tradicionais do poder: se nem o PT, que era a \u00fanica coisa que n\u00e3o t\u00ednhamos tentado at\u00e9 hoje, n\u00e3o conseguiu\u2026<\/p>\n

Por outro lado, em parte por conta do seu relativo sucesso, h\u00e1 uma crise social e pol\u00edtica que se abre porque tem uma parte da sociedade brasileira que se d\u00e1 conta de algo como “opa, entregar direitos para as pessoas implica perder alguns privil\u00e9gios”. A classe m\u00e9dia tem amea\u00e7ado o privil\u00e9gio da empregada dom\u00e9stica, o taxista tem amea\u00e7ado o privil\u00e9gio de fazer piadas sobre gays, o marido explorado no emprego e humilhado pela pol\u00edcia tem amea\u00e7ado os privil\u00e9gios na sua rela\u00e7\u00e3o com a mulher\u2026 Enquanto a economia est\u00e1 bem, as pessoas est\u00e3o trocando de carro, viajando, h\u00e1 empregos, isso n\u00e3o incomoda tanto. Mas h\u00e1 um ressentimento que se acumula e explode junto com a crise econ\u00f4mica em 2015. S\u00e3o ressentimentos muito diferentes em diferentes estratos da sociedade, mas que produzem um caldo de cultura do qual o bolsonarismo vai se alimentar.<\/p>\n

Sobre o “pobre de direita”: na verdade, a esquerda tende a ser extremamente inconsistente nesse ponto. Ora falamos como se a condi\u00e7\u00e3o social fizesse com que a pessoa tivesse necessariamente que ser de esquerda, ora dizemos coisas como “a popula\u00e7\u00e3o brasileira \u00e9 naturalmente conservadora”. Essa oscila\u00e7\u00e3o \u00e9 sintoma da frustra\u00e7\u00e3o e do medo da esquerda diante de algo que n\u00e3o era para ser um enigma, mas \u00e9: o fato que as pessoas n\u00e3o necessariamente identificam de maneira correta aqueles que nos parecem ser seus interesses objetivos.<\/p>\n

Isso se tornou um enigma porque durante muito tempo a esquerda acreditou num determinismo econ\u00f4mico bastante r\u00edgido: os trabalhadores, por conta da posi\u00e7\u00e3o que ocupam na sociedade, acabariam mais cedo ou mais tarde identificando os interesses objetivos que correspondem a essa posi\u00e7\u00e3o e, com isso, se juntariam \u00e0 esquerda que defendia esses interesses. Acontece que, entre o interesse objetivo e a atitude pol\u00edtica que as pessoas assumem, existe, por um lado, o modo como as rela\u00e7\u00f5es sociais molda a subjetividade dessas pessoas \u2013 de uma maneira que tende normalmente a facilitar a reprodu\u00e7\u00e3o dessas rela\u00e7\u00f5es \u2013; e, por outro lado, a pr\u00f3pria pol\u00edtica. Ou seja: chocar-se que haja pobres de direita equivale a chocar-se com o fato que existe pol\u00edtica, de que as estruturas sociais n\u00e3o determinam as pessoas a concordar automaticamente com aquilo que dizemos, e que, ao contr\u00e1rio, nossa tarefa pol\u00edtica \u00e9 justamente estabelecer di\u00e1logo com elas a fim de ajud\u00e1-las a identificar seus interesses objetivos da maneira que julgamos correta.<\/p>\n

Em 2018, mesmo preso, Lula liderava as pesquisas para presid\u00eancia. Depois, no auge do antipetismo, indicou um candidato que chegou ao segundo turno e obteve 45 milh\u00f5es de votos, apesar de ser ainda pouco conhecido nacionalmente. Foi uma elei\u00e7\u00e3o ainda com uma enorme absten\u00e7\u00e3o (quase 30 milh\u00f5es). Agora, Lula mant\u00e9m uma estabilidade de acima dos 42% na maioria das pesquisas. Mesmo assim, continuamos, academia e imprensa, com as luzes voltadas basicamente para Bolsonaro e o bolsonarismo. \u00c9 claro que \u00e9 fundamental estudar e analisar esses ambientes, mas n\u00e3o estamos deixando de entender melhor um outro fen\u00f4meno simult\u00e2neo que tamb\u00e9m fala muito sobre o Brasil?<\/strong><\/p>\n

A primeira coisa que essa pergunta permite fazer \u00e9 estender uma distin\u00e7\u00e3o que fa\u00e7o no come\u00e7o do livro, dizendo que nem todo eleitor de Bolsonaro \u00e9 bolsonarista, para outra que n\u00e3o fa\u00e7o explicitamente: quando eu falo em “petistas” no livro, n\u00e3o estou falando de eleitores do PT, estou falando das pessoas que, para al\u00e9m do voto no Lula e do PT, t\u00eam uma identifica\u00e7\u00e3o hist\u00f3rica com o partido e constituem sua base hist\u00f3rica. Aquela base que se manteve firme durante os governos petistas, quando muita gente saiu, ou que se afastou ap\u00f3s o Mensal\u00e3o e a Lava Jato, mas voltou a partir de 2015 com a amea\u00e7a de impeachment contra Dilma, ou mais tarde com a pris\u00e3o do Lula. Porque estes ataques, na verdade, serviram para refor\u00e7ar a ades\u00e3o ao partido: eu conhe\u00e7o pessoas extremamente cr\u00edticas aos governos do PT que, no momento em que o Lula se entregou \u00e0 pol\u00edcia, se tornaram petistas como jamais haviam sido em toda sua vida. Essa \u00e9 uma ades\u00e3o que vai muito al\u00e9m do voto e da lembran\u00e7a positiva daquilo que os governos Lula e Dilma realizaram.<\/p>\n

<\/p>\n

<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Do transe \u00e0 vertigem \u2013 Ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transi\u00e7\u00e3o\u00a0(Ubu Editora, 2022).<\/p>\n

<\/div>\n

<\/p>\n

Uma coisa que defendo no livro \u00e9 que, ao contr\u00e1rio do que se costuma pensar, as pessoas n\u00e3o se revoltam porque suas condi\u00e7\u00f5es se deterioraram para al\u00e9m de algum limite absoluto, mas porque elas pioraram significativamente em compara\u00e7\u00e3o com sua situa\u00e7\u00e3o anterior, a situa\u00e7\u00e3o em que elas esperavam estar ou a situa\u00e7\u00e3o em que aqueles em sua vizinhan\u00e7a se encontram. \u00c9 isso que nos permite entender algo como 2013: as pessoas foram \u00e0s ruas n\u00e3o porque fosse o pior momento na hist\u00f3ria do pa\u00eds (n\u00e3o era), mas porque a melhora que elas haviam experimentado nos anos anteriores havia aumentado suas expectativas, e havia \u00e1reas em que as coisas estavam come\u00e7ando a regredir e outras em que a vida n\u00e3o havia progredido na mesma propor\u00e7\u00e3o (transporte p\u00fablico, direito \u00e0 cidade, responsividade do sistema pol\u00edtico, viol\u00eancia policial).<\/p>\n

Com isso em mente, podemos entender esse fen\u00f4meno da resili\u00eancia do voto petista como o reverso, o outro lado da moeda daquilo que eu proponho no livro que seria o epicentro do bolsonarismo, o que chamo de baixa alta classe m\u00e9dia. O que eu quero designar com isso \u00e9 um segmento de pessoas com um consumo e condi\u00e7\u00f5es de consumo de classe m\u00e9dia, \u00e0s vezes at\u00e9 classe m\u00e9dia alta, mas que est\u00e1 sempre assombrada pelo risco da mobilidade social negativa, da perda de status. E o que acontece com essas pessoas nos governos do PT? Elas n\u00e3o deixaram de ganhar: trocaram de carro, viajaram, se deram bem como a maioria da popula\u00e7\u00e3o. Por\u00e9m, elas viram quem estava acima dela ficar muito mais rico, e elas viram os mais pobres que elas ficarem menos pobres. E ficando menos pobres, amea\u00e7arem por um lado a renda delas, porque fica mais caro contratar a empregada dom\u00e9stica, a cabeleireira, a manicure etc., servi\u00e7os aos quais essas pessoas tinham acesso a um pre\u00e7o muito baixo por conta das desigualdades sociais. E por outro lado, essa ascend\u00eancia de quem est\u00e1 abaixo deles come\u00e7a a \u201cmorder\u201d os marcadores de distin\u00e7\u00e3o social com os quais eles separavam. Justamente quem est\u00e1 assombrado pelo risco de cair precisa muito desses marcadores, tipo a exclusividade de poder ir \u00e0 Europa.<\/p>\n

A famosa queixa de que agora o porteiro vai a Paris\u2026<\/strong><\/p>\n

Exato. Enfim, tem essas pessoas que n\u00e3o deixaram de ganhar, mas sentiram que estavam ganhando menos, porque quem estava acima estava ganhando muito mais e quem estava abaixo estava chegando perto.<\/p>\n

Do outro lado, a gente tem a popula\u00e7\u00e3o sobretudo do Nordeste para quem algumas promessas b\u00e1sicas da moderniza\u00e7\u00e3o foram entregues durante os governos petistas.. Eles estavam partindo de um patamar muito mais baixo, onde se tinha uma situa\u00e7\u00e3o cr\u00f4nica de falta de \u00e1gua e luz el\u00e9trica, e a\u00ed, de repente, voc\u00ea tem cisternas e luz por toda parte e estava resolvido um problema de s\u00e9culos, que parecia imposs\u00edvel de resolver.<\/p>\n

Mas ficou faltando o terceiro fen\u00f4meno que voc\u00ea mencionou, que \u00e9 o abstencionismo, o crescimento da indiferen\u00e7a em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 pol\u00edtica. Acho que devemos l\u00ea-lo junto a esse caldo de cultura anti-sist\u00eamico do qual a extrema direita no mundo inteiro consegue se apropriar na segunda metade da d\u00e9cada passada. Algo que come\u00e7a a fermentar em 2008, quando havia ficado evidente que a economia mundial estava girando no vazio, que o crescimento da d\u00e9cada anterior havia sido uma grande bolha especulativa que havia estourado, e que as institui\u00e7\u00f5es democr\u00e1ticas agora estavam defendendo apenas os interesses do capital.<\/p>\n

E ainda teve antes setembro de 2001, com as torres g\u00eameas explodindo em Nova York e o crescimento global do “medo do outro”…<\/strong><\/p>\n

Sim, junto com uma explos\u00e3o da securitiza\u00e7\u00e3o, da vigil\u00e2ncia e da gest\u00e3o atrav\u00e9s do medo, de um estado de crise permanente. As pessoas sentem que tem alguma coisa de muito errado. Ficou escandalosamente claro para todo mundo que quem causou a crise n\u00e3o foi responsabilizado por ela, pelo contr\u00e1rio, o custo foi transferido para a popula\u00e7\u00e3o. Ent\u00e3o, as pessoas sentem que tem um problema s\u00e9rio de representa\u00e7\u00e3o pol\u00edtica, n\u00e3o faz diferen\u00e7a se \u00e9 esquerda ou direita, est\u00e1 todo mundo no bolso do mercado financeiro internacional.<\/p>\n

Isso gera um sentimento anti-sist\u00eamico que se expressa nesses movimentos do in\u00edcio da d\u00e9cada passada. Ainda que fossem movimentos muito diversos, muito confusos, Occupy, os indignados na Espanha, o in\u00edcio de Junho de 2013, a Primavera \u00c1rabe, etc. eram movimentos demandando mais igualdade econ\u00f4mica, democracia e responsividade. Esses movimentos s\u00e3o reprimidos e tamb\u00e9m encontram os seus pr\u00f3prios limites internos at\u00e9 o meio da d\u00e9cada; poder\u00edamos colocar como marco exatamente julho de 2015, que \u00e9 o momento da capitula\u00e7\u00e3o do Syriza<\/a> para a Troika<\/a>. E a partir de ent\u00e3o voc\u00ea tem o Brexit, a elei\u00e7\u00e3o de Trump, Bolsonaro\u2026 Ou seja, esse sentimento anti-sist\u00eamico acaba em parte apropriado pela extrema direita e, em outra parte, se convertendo num aumento do abstencionismo no mundo inteiro, muita gente desiste da pol\u00edtica, dizendo \u201cah isso a\u00ed n\u00e3o tem jeito mesmo\u201d.<\/p>\n

<\/p>\n

\"U.S.<\/a><\/p>\n

Rodrigo Nunes: elei\u00e7\u00e3o de Trump \u00e9 sintoma de como a extrema direita\u00a0surfou na onda\u00a0do movimento anti-sist\u00eamico\u00a0mundial.<\/p>\n

\nCr\u00e9ditos: Reuters\/Folhapress<\/p>\n

<\/div>\n

<\/p>\n

\u00c9 importante a gente nunca perder de vista quando discutimos a irracionalidade da extrema direita: ora, achar que tem alguma coisa de muito errado no nosso mundo hoje, achar que alguma coisa de muito extrema precisa ser feita para consertar o nosso mundo hoje, \u00e9 extremamente razo\u00e1vel. A humanidade est\u00e1, segundo nos informa nossa melhor ci\u00eancia, caminhando para a extin\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Sabemos disso h\u00e1, no m\u00ednimo, tr\u00eas d\u00e9cadas, e estamos h\u00e1 tr\u00eas d\u00e9cadas dizendo: “precisamos deixar que o mercado encontre uma solu\u00e7\u00e3o para isso”. E por tr\u00eas d\u00e9cadas o mercado foi incapaz de fazer isso, continuamos dependentes do petr\u00f3leo e enchendo a atmosfera de gases de efeito estufa, e nossos pol\u00edticos seguem falando de solu\u00e7\u00f5es de mercado como se essas n\u00e3o tivessem falhado e o tempo n\u00e3o estivesse correndo. O fosso da desigualdade econ\u00f4mica crescendo, nossas institui\u00e7\u00f5es se deteriorando, e a maior parte do debate p\u00fablico agindo como se apontar isso fosse extremismo.<\/p>\n

Achar que o mundo vai mal \u00e9 o diagn\u00f3stico correto. O que a extrema direita prescreve s\u00e3o solu\u00e7\u00f5es falsas, vers\u00f5es fantasiosas para nossos problemas, mas pelo menos ela reconhece que as pessoas t\u00eam raz\u00e3o de sentir um mal-estar diante do mundo \u2013 e isso \u00e9 justamente parte do apelo dela.<\/p>\n

Na sua opini\u00e3o, o surgimento do bolsonarismo \u00e9 t\u00e3o acachapante e atordoante que nos fez lidar com outro sentimento ainda pouco sublinhado nas disputas pol\u00edticas, o medo? Notas de rep\u00fadio com linguagem pouco direta, recados, n\u00e3o adjetiva\u00e7\u00e3o de “extrema direita”, uma carta pr\u00f3-democracia amplamente assinada s\u00f3 no fim do (espero) primeiro governo Bolsonaro. Como voc\u00ea v\u00ea esse fen\u00f4meno?<\/strong><\/p>\n

H\u00e1 um argumento da Angela Nagle no livro \u201cKill All Normies\u201d que poder\u00edamos resumir, de modo um pouco cruel, mas nem tanto, que basicamente afirma que a esquerda \u00e9 culpada pela radicaliza\u00e7\u00e3o que produz a extrema direita. Porque s\u00e3o as feministas, os LGBTQIA+, os negros, etc., nas redes sociais que v\u00e3o gerando essa rea\u00e7\u00e3o do outro lado.<\/p>\n

Acho que h\u00e1 tr\u00eas grandes problemas nessa afirma\u00e7\u00e3o. O primeiro \u00e9 explicar o inc\u00eandio a partir da fagulha em vez de olhar para o material inflam\u00e1vel: se as pessoas est\u00e3o se radicalizando, \u00e9 sobretudo por causa destes motivos maiores que discutimos. Se tudo andasse bem, os mesmos processos e mecanismos que levam milhares \u00e0 radicaliza\u00e7\u00e3o hoje dificilmente teriam o mesmo efeito.<\/p>\n

O segundo \u00e9 o seguinte. No caso dos EUA, a revers\u00e3o do Roe versus Wade \u00e9, na verdade, um jogo que a direita americana est\u00e1 jogando desde a d\u00e9cada de 70. Eles ganharam agora, mas eles come\u00e7aram a jogar no final da d\u00e9cada de 70, esses processos de polariza\u00e7\u00e3o assim\u00e9trica puxados pela direita nos EUA existem desde ali.\u00a0No caso do Brasil, os p\u00e2nicos morais e o discurso do anticomunismo come\u00e7am mais ou menos junto com as administra\u00e7\u00f5es petistas, porque naquele momento era um dos poucos jeitos de bater em governos que eram altamente populares<\/p>\n

<\/p>\n

No caso do Brasil, os p\u00e2nicos morais e o discurso do anticomunismo come\u00e7am mais ou menos junto com as administra\u00e7\u00f5es petistas, porque naquele momento era um dos poucos jeitos de bater em governos que eram altamente populares.”<\/span><\/p><\/blockquote>\n

<\/p>\n

Por que se antes o medo era o da propriedade ser roubada pelo PT, agora \u00e9 o p\u00e2nico \u00e9 que mudem o g\u00eanero do seu filho na escola.<\/strong><\/p>\n

\u00c9! E essas t\u00e1ticas funcionam, elas chamam aten\u00e7\u00e3o, atraem apoiadores, criam esse clima de urg\u00eancia de que a extrema direita se alimenta. O caso do MBL \u00e9 sintom\u00e1tico: ele nasce se diferenciando do resto da direita brasileira por ser liberal na economia e liberal nos costumes. Era a “direita transante”, toda aquela conversa do fundador, Pedro Ferreira, ex-DJ do Bonde do Rol\u00ea<\/a>. Mas a partir do caso da exposi\u00e7\u00e3o Queer Museum eles aderem a esses p\u00e2nicos morais porque eles veem que aquilo d\u00e1 certo.<\/p>\n

Ent\u00e3o, esse argumento da Angela Nagle esquece que esse jogo j\u00e1 est\u00e1 rolando numa escala temporal muito mais longa. No caso dos EUA, a gente pensa no \u201cTea Party\u201d, aqui no Brasil vale lembrar que o tal “kit gay” \u00e9 de 2010, quando essa explos\u00e3o do ativismo feminista, do ativismo LGBTQIA +, ainda era bastante incipiente. E o outro problema \u00e9 que, ao dizer “na minha pesquisa, os meus informantes dizem que se sentiram afrontados pelos excessos desses movimentos”, ela esquece que o limiar daquilo que as pessoas consideram afrontoso varia muito. Tem pessoas para quem um negro tomar o elevador social, um casal gay andar de m\u00e3os dadas j\u00e1 \u00e9 um “excesso”, uma “afronta”.<\/p>\n

Por outro lado, h\u00e1 um gr\u00e3o de verdade no que ela diz. Podemos ver isso aqui no Brasil: h\u00e1 uma escalada dos p\u00e2nicos morais e do racismo expl\u00edcito na direita, e essa escalada come\u00e7a a ser espelhada do outro lado, com feministas, LGBTQIA +, negros, ind\u00edgenas etc. subindo o tom tamb\u00e9m para responder. E isso conduz a um processo \u2013 e potencial armadilha \u2013 que eu chamo no livro de “radicaliza\u00e7\u00e3o identit\u00e1ria”. \u00c9 ela que abre espa\u00e7o para um uso bastante confort\u00e1vel do discurso sobre a chamada “polariza\u00e7\u00e3o pol\u00edtica”, ao qual eu dedico um cap\u00edtulo inteiro do livro, que lava suas m\u00e3os diante do crescimento da extrema direita dizendo “pois \u00e9, o problema \u00e9 que tanto esquerda quanto direita s\u00e3o muito radicais, s\u00e3o extremos que se equivalem”.<\/p>\n

Quando eu falo em radicaliza\u00e7\u00e3o identit\u00e1ria no livro, na verdade n\u00e3o estou me referindo aos movimentos ditos “identit\u00e1rios”. Estou falando de uma pr\u00e1tica pol\u00edtica em que “ser radical” se confunde com a performance da pr\u00f3pria identidade, isto \u00e9, com agir como quem diz \u201celes v\u00e3o ter que nos engolir\u201d. E esse \u00e9 um caminho no qual toda a esquerda entra a partir de 2014.<\/p>\n

Essa conversa de que os dois lados est\u00e3o se radicalizando \u00e9 uma miragem criada pelo fato de que a esquerda est\u00e1 radicalizando a sua identidade, que ela se afirma com cada vez mais for\u00e7a e \u00eanfase, mas n\u00e3o o seu programa. Pelo contr\u00e1rio: a esquerda est\u00e1 dizendo “tem que ir para a rua de camisa vermelha sim”, mas os seus partidos est\u00e3o caminhando cada vez mais para o centro.<\/p>\n

E por que isso que eu chamo de radicaliza\u00e7\u00e3o identit\u00e1ria seria uma armadilha? A resposta tem a ver com a primeira pergunta que voc\u00ea me fez. Primeiro, a op\u00e7\u00e3o por afirmar a pr\u00f3pria identidade contra a identidade do outro sup\u00f5e um abandono do trabalho pol\u00edtico do convencimento, da forma\u00e7\u00e3o de interesses. Se decidimos que esse trabalho tornou-se imposs\u00edvel, s\u00f3 resta o choque entre identidades: se eu n\u00e3o posso persuadir o outro (porque ele \u00e9 o que \u00e9, sem chance de mudar), o que me resta fazer \u00e9 afront\u00e1-lo e confront\u00e1-lo.<\/p>\n

A radicaliza\u00e7\u00e3o identit\u00e1ria frequentemente impede di\u00e1logos que deveriam e poderiam acontecer. Se eu decido que o outro \u00e9 um inimigo e s\u00f3 me resta afront\u00e1-lo com minha alteridade, a tend\u00eancia \u00e9 eu me confirmar como inimigo aos olhos dele, empurrando-o ainda mais na dire\u00e7\u00e3o contr\u00e1ria a mim. Isso n\u00e3o muda nada em rela\u00e7\u00e3o a quem j\u00e1 era meu inimigo, mas e aqueles que estavam no meio do caminho, que talvez estivessem em disputa?<\/p>\n

<\/p>\n

<\/div>\n

<\/p>\n

N\u00e3o estou defendendo uma respectability politics<\/em>, que todo mundo tem de ser bonzinho e bem comportado. Mas voc\u00ea tem que saber o que funciona com qual p\u00fablico, e no interior do ecossistema da esquerda \u00e9 preciso haver gente capaz de dialogar com os mais diversos p\u00fablicos. H\u00e1 momentos em que \u00e9 preciso decidir que o conte\u00fado da mensagem \u00e9 mais importante que esta ou aquela maneira de apresent\u00e1-la. N\u00f3s vamos brigar pelo direito de afirmar nossas identidades neste mundo, ou vamos lutar para criar um mundo onde essas identidades n\u00e3o precisem lutar para se afirmar? Se escolhemos a segunda op\u00e7\u00e3o, ent\u00e3o vamos precisar trazer gente diferente de n\u00f3s para o nosso lado, e para isso a capacidade de dialogar apesar das diferen\u00e7as \u00e9 essencial.<\/p>\n

Mas tem um ponto importante para a gente tamb\u00e9m iluminar a\u00ed: o MBL tamb\u00e9m n\u00e3o seria um movimento identit\u00e1rio? Fico pensando que a gente atribui a ideia de “identidade” \u00e0s esquerdas e \u00e9 preciso incluir a direita dentro dessa discuss\u00e3o.<\/strong><\/p>\n

No sentido em que estou usando a palavra identit\u00e1rio, eu incluiria a esquerda anti-identit\u00e1ria como identit\u00e1ria, porque nela tamb\u00e9m o que est\u00e1 em jogo \u00e9 a afirma\u00e7\u00e3o de uma identidade posta acima da capacidade de di\u00e1logo e a\u00e7\u00e3o pol\u00edtica. Inclusive \u00e9 perfeitamente poss\u00edvel que uma pessoa seja uma militante feminista, ou uma militante transg\u00eanera, ou uma militante negra, ind\u00edgena etc., e que n\u00e3o seja identit\u00e1ria neste sentido. H\u00e1 zilh\u00f5es de exemplos disso.<\/p>\n

H\u00e1 um discurso sobre as chamadas guerras culturais e a polariza\u00e7\u00e3o pol\u00edtica que descreve esses processos como se fossem uma coisa que surgissem do nada. Mas quando come\u00e7amos a pensar em escalas temporais mais longas, uma das coisas que eu me proponho a fazer no livro, percebemos que, se h\u00e1 um momento que se pode identificar como origem de muito daquilo que a gente viu da d\u00e9cada de 1980 para c\u00e1, \u00e9 a chamada estrat\u00e9gia sulista do Partido Republicano americano a partir da d\u00e9cada de 1960.<\/p>\n

O dom\u00ednio do Partido Republicano sobre o sul dos EUA, que hoje nos parece quase um dado da natureza, surge na verdade nessa \u00e9poca, quando o Partido Democrata, que fora historicamente o partido sulista, abra\u00e7a o movimento dos direitos civis. E essa \u00e9 uma luta pela inclus\u00e3o do “particular” no “universal”: o que os negros dizem \u00e9, “olha, n\u00f3s tamb\u00e9m somos cidad\u00e3os americanos, n\u00f3s devemos ser tratados como cidad\u00e3os americanos em p\u00e9 de igualdade aos cidad\u00e3os americanos brancos.” Neste momento em que o “particular” negro pede entrada no “universal” cidad\u00e3o americano, o branco, que at\u00e9 ent\u00e3o se confundia com o universal, se descobre uma identidade particular. E o Partido Republicano percebe que se abriu uma oportunidade pol\u00edtica \u00fanica para eles, porque agora h\u00e1 um mar de brancos no sul dos EUA profundamente ressentidos com esse progresso dos cidad\u00e3os negros.<\/p>\n

<\/p>\n

\"\"<\/a><\/p>\n

Rodrigo Nunes: MBL aderiu ao p\u00e2nico moral\u00a0quando percebeu que a estrat\u00e9gia rendia frutos.<\/p>\n

\nCr\u00e9ditos: Bruno Poletti (F)\/Folhapress<\/p>\n

<\/div>\n

<\/p>\n

A partir da\u00ed voc\u00ea entende muito o que acontece depois no governo Reagan, com o Trump etc. Muito do que acontece com a extrema direita hoje \u00e9 nesses mesmos termos, voc\u00ea tem um grupo “particular” que obt\u00e9m ganhos, aquele grupo que representava o universal se v\u00ea deixado para tr\u00e1s e, de repente, ele vira uma identidade particular tamb\u00e9m. O MBL \u00e9 o jovem, branco, urbano, “descolado” que, de repente, se viu como uma identidade particular diante do fato de que agora eu chego na mulher na festinha e ela \u00e9 feminista…<\/p>\n

Como pensar, ap\u00f3s a vit\u00f3ria de Bolsonaro, em boa parte embalada pela f\u00e9 em Paulo Guedes, o liberalismo brasileiro?<\/strong><\/p>\n

D\u00e1 para responder sobre o liberalismo brasileiro o mesmo que Gandhi disse quando perguntado o que pensava da civiliza\u00e7\u00e3o ocidental: seria uma \u00f3tima ideia. No Brasil, a elite urbana esclarecida nunca se distinguiu o suficiente da oligarquia rural, nem do ponto de vista sociol\u00f3gico, nem do ponto de vista da forma\u00e7\u00e3o de interesses, para que houvesse uma oposi\u00e7\u00e3o de fato entre liberalismo e conservadorismo. Assim, as cr\u00edticas e ideais liberais quase sempre funcionaram como enfeites de que se podia facilmente abrir m\u00e3o na hora de apoiar golpes, viradas de mesa, reformas regressivas. Os liberais brasileiros podem se esconder o quanto quiserem por tr\u00e1s da teoria liberal, mas n\u00e3o adianta: o hist\u00f3rico do “liberalismo realmente existente” no Brasil \u00e9 p\u00e9ssimo.<\/p>\n

No mundo todo, uma resposta \u00e0 crise de legitimidade do sistema global aberta pelo crash de 2008 foi um enrijecimento das ideias neoliberais, que se transformaram ainda mais num dogma cego, completamente imune \u00e0s evid\u00eancias emp\u00edricas, incapaz de produzir qualquer pensamento novo diante de um cen\u00e1rio altamente modificado. O neoliberalismo virou uma m\u00e1quina em que, qualquer que seja o input, o output sempre vai ser “cortar gastos sociais”, “cortar impostos dos mais ricos”, “menos prote\u00e7\u00e3o laboral”. N\u00e3o importa se o receitu\u00e1rio \u00e9 aplicado e n\u00e3o funciona, se ele n\u00e3o gera crescimento, se ele est\u00e1 criando um mal-estar social que contribui para o crescimento da extrema direita.<\/p>\n

Al\u00e9m disso, a defesa incondicional dos direitos individuais tem se tornado cada vez mais anti-social. Num mundo em que uns poucos podem cada vez mais, e os muitos s\u00e3o cada vez mais coagidos, dizer que voc\u00ea n\u00e3o pode impor nenhum limite \u00e0 liberdade de uns para fazer coisas que impactam a vida de outros beira a psicopatia.\u00a0\u00c9 defender a lei da selva e nada mais.<\/p>\n

<\/p>\n

“Num mundo em que uns poucos podem cada vez mais, e os muitos s\u00e3o cada vez mais coagidos, dizer que voc\u00ea n\u00e3o pode impor nenhum limite \u00e0 liberdade de uns para fazer coisas que impactam a vida de outros beira a psicopatia”.<\/p><\/blockquote>\n

<\/p>\n

A t\u00e3o estudada ficcionaliza\u00e7\u00e3o da vida nunca esteve t\u00e3o dispon\u00edvel atrav\u00e9s de recursos v\u00e1rios, do uso comum de filtros nas redes sociais, as cirurgias digitais nos rostos, o barateamento de procedimentos como botox etc. Simultaneamente, pipocam n\u00fameros de pessoas com fome ou em inseguran\u00e7a alimentar, empregos precarizados e o sofrimento. Como pensar no resultado da forja destas realidades imbricadas?<\/strong><\/p>\n

D\u00e1 para pensar em tr\u00eas maneiras de articular essas duas coisas, o sofrimento e a ficcionaliza\u00e7\u00e3o da vida. A primeira seria como fuga. Uma das coisas que sugiro na minha an\u00e1lise sobre negacionismo no livro, \u00e9 que, por mais que as narrativas da extrema direita sejam extremamente sombrias, macabras, elas ainda s\u00e3o melhores que os problemas reais que elas teriam de enfrentar se n\u00e3o estivessem dando ouvidos a elas. Que tudo esteja sendo governado por um compl\u00f4 secreto de bilion\u00e1rios ped\u00f3filos que querem instituir um governo global e tirar os seus direitos \u2013 algo assustador, um roteiro de filme do James Bond (ou talvez mais do Austin Powers) \u2013 ainda \u00e9 melhor que parar para pensar que podemos estar extintos dentro de alguns s\u00e9culos.<\/p>\n

Voc\u00ea n\u00e3o est\u00e1 negando que as coisas est\u00e3o mal, mas voc\u00ea est\u00e1 oferecendo uma vers\u00e3o mais trat\u00e1vel desses problemas. Ent\u00e3o se oferece uma vers\u00e3o ficcional mais simples de um problema real, mas infinitamente mais complicado e, portanto, tamb\u00e9m mais causador de sofrimento. Porque o sofrimento vem de saber que “olha, talvez isso n\u00e3o tenha solu\u00e7\u00e3o, talvez a gente simplesmente seja incapaz de resolver isso”.<\/p>\n

Uma segunda maneira de relacionar as duas coisas seria essa ficcionaliza\u00e7\u00e3o que serve como um instrumento de produ\u00e7\u00e3o de identidade. Num mundo em que est\u00e1 todo mundo sofrendo e desorientado, como uma luta de todos contra todos, esses suplementos ficcionais nos ajudam, eles oferecem pontos focais em torno dos quais as pessoas podem construir uma identidade comum e uma comunidade no entorno dessa identidade. O fen\u00f4meno da fandom<\/a> \u00e9 isso.<\/p>\n

Outra rela\u00e7\u00e3o que me ocorre \u00e9 ver como uma oportunidade. Todos esses meios de auto-ficcionaliza\u00e7\u00e3o num mundo financeirizado s\u00e3o uma maneira de atrair investimento. Oportunidades econ\u00f4micas, em sentido amplo, mas tamb\u00e9m oportunidades mais imediatas de voc\u00ea sair da condi\u00e7\u00e3o de sofrimento, porque \u00e0s vezes voc\u00ea n\u00e3o est\u00e1 interessado em ter ganhos materiais, \u00e0s vezes voc\u00ea est\u00e1 buscando aquele consolo psicol\u00f3gico do like.<\/p>\n

Nos \u00faltimos anos, tenho pensado bastante sobre como esse sofrimento intensificado pela pandemia \u2013 a perda de empregos, o achatamento dos mais pobres, aumento da morte de pessoas pretas \u2013 pode potencialmente nos modificar. Minha impress\u00e3o \u00e9 que esse sofrer se tornou mais insustent\u00e1vel, tamb\u00e9m porque mais “democratizado” e mais vis\u00edvel (nos sinais de tr\u00e2nsito, nas redes sociais). Como voc\u00ea v\u00ea essa quest\u00e3o? \u00c9 um excesso de otimismo da minha parte?<\/strong><\/p>\n

Diante de uma situa\u00e7\u00e3o que parece se deteriorar a cada dia, existe uma tenta\u00e7\u00e3o de imaginar que h\u00e1 um limite do qual n\u00e3o se pode passar, de que uma hora a realidade ir\u00e1 se impor, que chegaremos ao fundo do po\u00e7o. Mas uma coisa que a pandemia nos ensinou foi a elasticidade da nega\u00e7\u00e3o. N\u00e3o s\u00f3 o vi\u00e9s de confirma\u00e7\u00e3o de nossas cren\u00e7as nos permite ignorar uma massa acachapante de evid\u00eancias emp\u00edricas, como \u00e9 perfeitamente poss\u00edvel que, diante do sofrimento que a visibilidade do sofrimento alheio nos causa, n\u00f3s decidamos dobrar a aposta.<\/p>\n

Lembro de um caso no Rio, em que um homem que tinha perdido um familiar para o covid fincou cruzes na areia da praia e um aposentado bolsonarista atacou as cruzes. Para ele, a lembran\u00e7a do custo humano de sua escolha pol\u00edtica era uma agress\u00e3o a ser eliminada. Tendo dito isso, estamos atualmente vendo no mundo inteiro uma disparada dos indicadores de custo de vida, particularmente alimentos e combust\u00edveis, como n\u00e3o v\u00edamos h\u00e1 algum tempo \u2013 mais especificamente, desde antes do in\u00edcio da Primavera \u00c1rabe. Ou seja, os pr\u00f3ximos anos podem ser bem interessantes.<\/p>\n

The post Rodrigo Nunes: No caminho para o fim do mundo, a radicalidade \u00e9 a nossa \u00fanica sa\u00edda<\/a> appeared first on The Intercept<\/a>.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Nesta entrevista, o fil\u00f3sofo e autor do rec\u00e9m-lan\u00e7ado \u201cDo transe \u00e0 vertigem\u201d aborda diagn\u00f3stico e a\u00e7\u00f5es em um mundo \u00e0 beira do abismo.<\/p>\n

The post Rodrigo Nunes: No caminho para o fim do mundo, a radicalidade \u00e9 a nossa \u00fanica sa\u00edda<\/a> appeared first on The Intercept<\/a>.<\/p>\n","protected":false},"author":1956,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"closed","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[1],"tags":[],"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/radiofree.asia\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/783492"}],"collection":[{"href":"https:\/\/radiofree.asia\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/radiofree.asia\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/radiofree.asia\/wp-json\/wp\/v2\/users\/1956"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/radiofree.asia\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=783492"}],"version-history":[{"count":1,"href":"https:\/\/radiofree.asia\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/783492\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":783914,"href":"https:\/\/radiofree.asia\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/783492\/revisions\/783914"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/radiofree.asia\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=783492"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/radiofree.asia\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=783492"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/radiofree.asia\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=783492"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}