{"id":89019,"date":"2021-03-23T04:15:18","date_gmt":"2021-03-23T04:15:18","guid":{"rendered":"https:\/\/theintercept.com\/?p=349223"},"modified":"2021-03-23T04:15:18","modified_gmt":"2021-03-23T04:15:18","slug":"nos-escandalizamos-com-a-fome-mas-sabotamos-as-possiveis-solucoes","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/radiofree.asia\/2021\/03\/23\/nos-escandalizamos-com-a-fome-mas-sabotamos-as-possiveis-solucoes\/","title":{"rendered":"Nos escandalizamos com a fome, mas sabotamos as poss\u00edveis solu\u00e7\u00f5es"},"content":{"rendered":"
O Brasil \u00e9 aquele pa\u00eds<\/u> que tem horror \u00e0 fome, \u00e0 ideia da fome, \u00e0 possibilidade da fome. N\u00e3o suporta pensar na sua proximidade: sabe que ela devasta o corpo, a dignidade, a vida. Mas o Brasil \u00e9 tamb\u00e9m o pa\u00eds que est\u00e1 totalmente acostumado \u00e0 sua presen\u00e7a, seja de forma real ou mediada: ela est\u00e1 no rapaz circulando perto dos carros e segurando um cartaz pedindo comida; na crian\u00e7a magra vista na mat\u00e9ria da revista; na campanha de arrecada\u00e7\u00e3o de alimento que mostra a fam\u00edlia, de prefer\u00eancia nordestina, em frente a um casebre.<\/p>\n
Os sentimentos circulam entre a revolta e uma desmobilizadora resigna\u00e7\u00e3o: repetimos que aquilo precisa ser combatido, que \u00e9 \u201cuma vergonha\u201d, que \u201co governo devia dar um jeito\u201d, que \u201cesse \u00e9 o Brasil\u201d. Todo esse horror geralmente tem um destino: no fim, a fome dos outros \u00e9 um problema dos outros \u2013 a n\u00e3o ser que ela sirva para nos entreter, para respaldar reportagem especial ou para apresentador da Globo mostrar \u201ca mis\u00e9ria\u201d em rede nacional e assim posar de salvador da p\u00e1tria. Falo j\u00e1 a respeito.<\/p>\n
O fato \u00e9 que depois de passar algum tempo meio fora de moda, a falta de comida no prato voltou bombando ao notici\u00e1rio e \u00e0 vida nacional. Os motivos s\u00e3o diversos, mas aqui podemos sintetiz\u00e1-los: chegamos a mais de 39,9 milh\u00f5es de pessoas vivendo na mis\u00e9ria (renda de at\u00e9 R$ 89 por m\u00eas) e mais de 11 milh\u00f5es em situa\u00e7\u00e3o de inseguran\u00e7a alimentar, segundo o\u00a0 IBGE e Minist\u00e9rio da Cidadania<\/a>. \u00c9 um aumento de tr\u00eas milh\u00f5es de pessoas com fome nos \u00faltimos cinco anos. Esses n\u00fameros est\u00e3o desatualizados: neles n\u00e3o est\u00e1 inclu\u00edda a popula\u00e7\u00e3o de rua nem os \u00faltimos impactos da covid-19 no pa\u00eds. Consequentemente, voltamos ao Mapa da Fome<\/a> do qual sa\u00edmos somente em 2014, durante o governo Dilma.\u00a0A regi\u00e3o Nordeste concentra <\/a>quase metade (47%) da pobreza brasileira.<\/p>\n Um \u00faltimo e n\u00e3o menos importante motivo: a fome e a pobreza como t\u00f3picos relacionados ao retorno de Lula \u00e0 corrida presidencial em 2022.<\/p>\n Quero tratar desse \u00faltimo caso, j\u00e1 que ele est\u00e1 diretamente relacionado aos anteriores: falar nos governos petistas \u00e9 evocar o Bolsa Fam\u00edlia, o maior programa de transfer\u00eancia condicionada de renda do mundo<\/a> (em n\u00famero absoluto de pessoas assistidas). E falar no Bolsa Fam\u00edlia \u00e9, tamb\u00e9m, uma boa oportunidade para n\u00f3s, os n\u00e3o famintos, analisarmos a nossa rela\u00e7\u00e3o tantas vezes c\u00ednica com a pobreza e a fome, tratadas como se fossem entidades sobre as quais falamos, lemos e nos entretemos, mas sobre as quais n\u00e3o nos responsabilizamos efetivamente.<\/p>\n A fome como esp\u00e9cie de Netflix n\u00e3o confessado.<\/p>\n