{"id":951550,"date":"2023-01-10T14:03:15","date_gmt":"2023-01-10T14:03:15","guid":{"rendered":"https:\/\/theintercept.com\/?p=418699"},"modified":"2023-01-10T14:03:15","modified_gmt":"2023-01-10T14:03:15","slug":"a-anistia-nos-trouxe-ate-a-barbarie-do-terrorismo-em-brasilia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/radiofree.asia\/2023\/01\/10\/a-anistia-nos-trouxe-ate-a-barbarie-do-terrorismo-em-brasilia\/","title":{"rendered":"A anistia nos trouxe at\u00e9 a barb\u00e1rie do terrorismo em Bras\u00edlia"},"content":{"rendered":"
\n\"O\n

O ent\u00e3o deputado Jair Bolsonaro vota na sess\u00e3o da C\u00e2mara dos Deputados o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.<\/p>\n

\nFoto: Alan Marques\/Folhapress<\/p><\/div>\n

Ningu\u00e9m tem d\u00favida<\/u> de que o momento-chave da posse de Lula no cargo m\u00e1ximo do Executivo federal foi protagonizado pelo grupo diverso<\/a> que subiu a rampa ao lado do presidente. Mas houve um fato especial\u00edssimo naquele dia \u2013 e que precisa ser reverberado conscientemente por todas e todos n\u00f3s: as centenas de pessoas gritando<\/a> “SEM ANISTIA” durante o discurso do presidente no Pal\u00e1cio do Planalto, uma semana antes de o pr\u00e9dio ser depredado em atos terroristas pr\u00f3-golpe.<\/p>\n

Sem anistia = sem perd\u00e3o institucional para os diversos crimes cometidos durante a administra\u00e7\u00e3o assassina de Jair Bolsonaro.<\/p>\n

Sem anistia = sem a possibilidade de deixarmos no esquecimento o sofrimento imenso causado pela m\u00e1quina de matar pretos, pobres, ind\u00edgenas, mulheres, florestas.<\/p>\n

N\u00e3o demorou para comentaristas e colunistas da imprensa comercial passarem tanto a tentar classificar o discurso como “n\u00e3o conciliador” (como fez a CNN depois que Lula falou em revogar a pol\u00edtica armamentista do ex-presidente), quanto cravar que o mandat\u00e1rio come\u00e7ou a governar de forma revanchista, como se tivesse sugerido uma “ca\u00e7a \u00e0s bruxas” (como lemos na coluna de Igor Gielow<\/a>, na Folha de S.Paulo).<\/p>\n

<\/div>\n

Se tem um mal que at\u00e9 hoje morde duramente nossos calcanhares, mal que nos lasca simb\u00f3lica e literalmente como sociedade, \u00e9 nosso antigo gosto por reconciliar o irreconcili\u00e1vel. Nossa Rep\u00fablica foi fundada sem que o estado e os ricos escravocratas se responsabilizassem pelos enormes contingentes de pessoas negras sem emprego e qualquer prote\u00e7\u00e3o social no p\u00f3s-aboli\u00e7\u00e3o, um pacto firmado<\/a> entre pol\u00edticos, militares e empres\u00e1rios de ent\u00e3o.<\/p>\n

Nosso p\u00f3s-ditadura militar fez o mesmo exerc\u00edcio de complac\u00eancia, colocando civis e agentes do governo na mesma balan\u00e7a e anistiando a todos<\/a>, como se os \u00faltimos n\u00e3o tivessem compromissos institucionais espec\u00edficos, dentre os quais, \u00e9 claro, a tortura e o assassinato nunca poderiam fazer parte. Mais recentemente, um Congresso inteiro tolerou e n\u00e3o cassou<\/a> um ent\u00e3o deputado que homenageou, sem qualquer constrangimento, justamente um torturador em plena casa legislativa.<\/p>\n

O resultado de todos esses pactos e sil\u00eancios, voc\u00eas j\u00e1 sabem: explodiu no domingo, quando acompanhamos uma maioria de pessoas brancas destruindo pr\u00e9dios na Pra\u00e7a dos Tr\u00eas Poderes enquanto posavam alegremente para fotos ao lado de policiais.<\/p>\n

A mesma imprensa que noticia as humilha\u00e7\u00f5es sofridas pela popula\u00e7\u00e3o azeita a m\u00e1quina que as produz.<\/blockquote>\n

Todos esses epis\u00f3dios e os acordos que vieram depois deles contaram com as pretensas objetividade e imparcialidade da imprensa brasileira, e parte dela j\u00e1 demonstrou a que veio nessa terceira administra\u00e7\u00e3o de Lula. Enquanto os tr\u00eas poderes eram quebrados \u00e0 base de trucul\u00eancia, burrice e financiamento golpista, o presidente decretou interven\u00e7\u00e3o federal no Distrito Federal e nomeou o jornalista Ricardo Cappelli para ficar \u00e0 frente da seguran\u00e7a p\u00fablica da regi\u00e3o.<\/p>\n

Em pouqu\u00edssimo tempo, a coluna Painel, da Folha, editada pelo jornalista F\u00e1bio Zanini, publicou: “Interventor federal em Bras\u00edlia foi presidente da UNE e levou Fidel para congresso”. Isso mesmo. Enquanto uma (nova) tentativa felizmente fracassada de golpe estava em curso, o foco escolhido para falar do nomeado foi sua liga\u00e7\u00e3o com um movimento estudantil nos anos 1990 e o apoio demonstrado naquela mesma d\u00e9cada a um ditador falecido em 2016. No m\u00ednimo, mesquinho e vulgar.<\/p>\n

Ah: \u00e9 bom lembrar que a mesma coluna, poucas horas ap\u00f3s Lula ter sido declarado legitimamente presidente na noite de 30 de outubro, procurou o criminoso Steve Bannon para ouvir suas platitudes e depois produzir a nota abaixo, cujo t\u00edtulo \u00e9 de uma irresponsabilidade atroz, incompat\u00edvel com quem diz fazer jornalismo profissional. O cheiro \u00e9 puro eau de golpismo com notas de deslumbre com as fontes do poder.<\/p>\n

\n\"\"\n

A Folha fez quest\u00e3o de chamar aten\u00e7\u00e3o \u00e0 perspectiva do extremista americano Steve Bannon, ex-estrategista de Trump, sobre a elei\u00e7\u00e3o democr\u00e1tica de Lula.<\/p>\n<\/div>\n

N\u00e3o \u00e9 problema algum jornais e jornalistas terem suas prefer\u00eancias ideol\u00f3gicas e apoiarem esta ou aquela corrente: o que nos fez falta, sempre, foi uma clareza maior sobre esses posicionamentos, quase sempre mantidos no arm\u00e1rio da falsa neutralidade. Mas a quest\u00e3o aqui \u00e9 a total incompatibilidade entre alimentar o autoritarismo e os ataques \u00e0 democracia e divulgar textos pretensamente laudat\u00f3rios \u00e0 \u00faltima.<\/p>\n

Mais ainda: o ponto \u00e9 a atualiza\u00e7\u00e3o do apoio da imprensa \u00e0 realiza\u00e7\u00e3o de pactos que sempre foram interessantes para uma minoria poderosa e terr\u00edveis para uma maioria que precisa arcar com os altos custos dessas concilia\u00e7\u00f5es.<\/strong><\/p>\n

Sabe a reforma trabalhista de 2017, t\u00e3o exaltada pela imprensa comercial e vendida por ela como a solu\u00e7\u00e3o para nos tirar do buraco da recess\u00e3o? Foi sob sua determina\u00e7\u00e3o que as mulheres, principalmente negras, passaram a ser ainda mais exploradas e precarizadas, como mostra esse ensaio acad\u00eamico<\/a> de 2020. As mesmas mulheres que s\u00e3o constrangidas de variadas formas no mercado de trabalho, como vimos recentemente no v\u00eddeo que mostrou uma caixa de supermercado de 69 anos urinando nas pr\u00f3prias cal\u00e7as<\/a> por n\u00e3o ter autoriza\u00e7\u00e3o de sua chefia para ir ao banheiro. A mesma imprensa que noticia essas humilha\u00e7\u00f5es azeita a m\u00e1quina que as produz.<\/p>\n

A obje\u00e7\u00e3o das mulheres<\/h3>\n

A hist\u00f3rica m\u00e1 vontade do jornalismo comercial brasileiro com o Partido dos Trabalhadores n\u00e3o pode servir de desculpa para que os necess\u00e1rios processos judiciais para punir crimes cometidos por Bolsonaro sejam rotulados de “revanchistas”. Isso \u00e9 um escracho n\u00e3o s\u00f3 com milh\u00f5es de pessoas direta ou indiretamente vitimizadas pelas pol\u00edticas de morte de Bolsonaro e seus chegados, a exemplo de Damares Alves e Milton Ribeiro, que largaram mulheres e crian\u00e7as \u00e0 pr\u00f3pria sorte. \u00c9 tamb\u00e9m acintoso para com a pr\u00f3pria legisla\u00e7\u00e3o brasileira e a Constitui\u00e7\u00e3o, tratadas como paninho de limpar t\u00e1bua de churrasco pelo evadido ex-presidente da Rep\u00fablica.<\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 porque a porrada n\u00e3o caiu sobre a cabe\u00e7a de voc\u00eas que ela n\u00e3o existiu ou foi sentida como afago, caros jornalistas, colunistas e diretores de reda\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Me refiro especificamente aqui aos colegas homens, porque \u00e9 importante iluminar uma quest\u00e3o a partir do g\u00eanero: enquanto muitos deles continuam irresponsavelmente a contemporizar os crimes de Bolsonaro e dos bolsonaristas e a sugerir pactos conciliat\u00f3rios, s\u00e3o as jornalistas mulheres, mesmo na imprensa comercial, que t\u00eam marcado o necess\u00e1rio contraponto nas coberturas. Profissionais que trabalham, inclusive, em ve\u00edculos com hist\u00f3rico de apoio a movimentos autorit\u00e1rios ditatoriais, a exemplo da Rede Globo<\/a>.<\/p>\n

Tratar a puni\u00e7\u00e3o de crimes cometidos por Bolsonaro como revanchismo \u00e9 um acinte aos milh\u00f5es vitimizados por suas pol\u00edticas de morte.<\/blockquote>\n

No mesmo domingo em que os terroristas destru\u00edram as instala\u00e7\u00f5es dos Tr\u00eas Poderes, a apresentadora Daniela Lima, da CNN Brasil, entrevistava o deputado do PP Ricardo Barros quando come\u00e7ou a ouvir dele uma absurda defesa dos terroristas. Barros ainda culpou o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes por ter “for\u00e7ado a confian\u00e7a nas urnas”. Honrando o que toda e todo profissional de imprensa que respeite seu bloquinho, caneta e compromisso p\u00fablico deve fazer, Lima interrompeu ao vivo o congressista: “Esse discurso que o senhor traz a\u00ed, de \u2018olha, impor a confian\u00e7a na urna\u2019, a confian\u00e7a na urna \u00e9 imposta pelos fatos, deputado. A irresponsabilidade ret\u00f3rica [de] gente que o senhor chama de jornalista, deputado, e que pedia guerra civil e que chamava de frouxa gente que n\u00e3o fosse para a rua… Jornalista, deputado, perd\u00e3o, somos eu e meus colegas que est\u00e3o nas ruas, muitos deles apanhando dos homens de bem, pessoas de fam\u00edlia que o senhor veio defender\u201d. (\u00cdntegra aqui<\/a>, no Observat\u00f3rio da TV).<\/p>\n

Como jornalista, professora e pesquisadora do campo, j\u00e1 tinha observado como o bolsonarismo causou um reposicionamento mais claro entre mulheres da imprensa que, de uma ou outra forma, o toleravam. N\u00e3o h\u00e1 mist\u00e9rio a\u00ed, uma vez que foram justamente elas as mais agredidas durante os quatro anos daquela lament\u00e1vel gest\u00e3o.<\/p>\n

Lembro-me que, em 2021, a jornalista da GloboNews Natuza Nery, ao ser continuamente interrompida pelo senador Marcos Rog\u00e9rio, do Uni\u00e3o Brasil, tamb\u00e9m lhe disse, ao vivo, que ele n\u00e3o faria com ela o que fazia com os e as colegas durante a CPI da Covid-19. Fl\u00e1via Oliveira<\/a>, da mesma emissora, \u00e9 outra presen\u00e7a important\u00edssima na produ\u00e7\u00e3o de contranarrativas produzidas muitas vezes pela pr\u00f3pria empresa que a abarca.<\/p>\n

Essas jornalistas, de diferentes espectros ideol\u00f3gicos, se aproximam de uma s\u00e9rie de outras profissionais e coletivos de imprensa que nunca baixaram a guarda para o fascismo tropical amplificado por Bolsonaro, a exemplo do Portal Catarinas<\/a>, G\u00eanero e N\u00famero<\/a>, Ag\u00eancia P\u00fablica<\/a>, Cynara Menezes<\/a>, As Cunh\u00e3s<\/a>, este Intercept<\/strong>, etc.<\/p>\n

Quem \u00e9 condescendente com os crimes de Bolsonaro e classifica suas investiga\u00e7\u00f5es como “ca\u00e7a \u00e0s bruxas” tamb\u00e9m chuta, de longe, os seus pr\u00f3prios colegas. Fomenta a malta que destruiu o patrim\u00f4nio p\u00fablico e agrediu e roubou pelo menos 10 profissionais de imprensa nos atos terroristas em Bras\u00edlia. Um rep\u00f3rter do jornal O Tempo teve uma arma pressionada contra sua cabe\u00e7a<\/a>, depois foi amea\u00e7ado com outra arma nas suas costas. Rep\u00f3rteres da Band, Folha, AFP, Poder 360, Reuters, Washington Post e TV Jornal e TV Guararapes relataram agress\u00f5es f\u00edsicas \u2013 as duas \u00faltimas ontem, em frente ao acampamento montado na frente do Comando Militar do Nordeste, na BR 232, em PE.<\/p>\n

Se o seu antipetismo ou sua f\u00e9 ultraliberal te faz achar que essas agress\u00f5es s\u00e3o acess\u00f3rios desimportantes em nosso pr\u00e9dio democr\u00e1tico, procure j\u00e1 ajuda profissional, colega.<\/p>\n

Em tempo: n\u00e3o existe bolsonarismo moderado. Quem faz ato contra resultado leg\u00edtimo nas urnas e chama interven\u00e7\u00e3o militar j\u00e1 \u00e9 golpista. Quem espanca, depreda, planeja bomba, \u00e9 terrorista. Todo bolsonarismo \u00e9 radical.<\/p>\n

Repito:<\/p>\n

Sem anistia = sem perd\u00e3o institucional pelos diversos crimes cometidos durante a administra\u00e7\u00e3o assassina de Jair Bolsonaro.<\/p>\n

Sem anistia = sem a possibilidade de deixarmos no esquecimento o sofrimento imenso causado pela m\u00e1quina de matar pretos, pobres, ind\u00edgenas, mulheres, florestas.<\/p>\n

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Pactos conciliat\u00f3rios interessantes para poucos e cru\u00e9is para a maioria contaram \u2013 e contam \u2013 com o apoio de parte da imprensa.<\/p>\n

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