{"id":972804,"date":"2023-01-28T09:01:20","date_gmt":"2023-01-28T09:01:20","guid":{"rendered":"https:\/\/theintercept.com\/?p=420433"},"modified":"2023-01-28T09:01:20","modified_gmt":"2023-01-28T09:01:20","slug":"bolsonaro-recuperou-projeto-da-ditadura-militar-contra-os-yanomami-mao-de-obra-ou-extincao","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/radiofree.asia\/2023\/01\/28\/bolsonaro-recuperou-projeto-da-ditadura-militar-contra-os-yanomami-mao-de-obra-ou-extincao\/","title":{"rendered":"Bolsonaro recuperou projeto da ditadura militar contra os Yanomami: m\u00e3o de obra ou extin\u00e7\u00e3o"},"content":{"rendered":"
\n\"543723780-projeto-bolsonaro-yanomamis-wando\"\n

\n\nFoto: Herv\u00e9 Collart\/Getty Images<\/p><\/div>\n

J\u00e1 est\u00e1 claro<\/u> que a trag\u00e9dia vivida pelo povo Yanomami n\u00e3o \u00e9 meramente fruto da omiss\u00e3o do governo Bolsonaro. \u00c9 muito mais que isso. \u00c9 consequ\u00eancia da retomada de um projeto antigo das For\u00e7as Armadas que se iniciou nos primeiros anos da ditadura militar. Como bem lembrou Carla Jimenez na \u00faltima newsletter do Intercept<\/strong>, “a ditadura militar foi pr\u00f3diga em dizimar ind\u00edgenas em nome do progresso”.<\/p>\n

A Funai foi criada pelos militares tr\u00eas anos ap\u00f3s o golpe de 64 e foi comandada por militares guiados pelo lema da bandeira nacional: Ordem e Progresso. A pol\u00edtica indigenista da ditadura tinha como objetivo integrar o ind\u00edgena ao “mundo civilizado”. Em 1970, durante o governo M\u00e9dici, o regime militar comandou o Plano de Integra\u00e7\u00e3o Nacional<\/a>, com objetivo de expandir as fronteiras internas do pa\u00eds, abrir rodovias e criar novas cidades. Para isso foi necess\u00e1rio perseguir, prender, torturar e assassinar lideran\u00e7as ind\u00edgenas que lutavam pelos seus territ\u00f3rios. Em 1972, o general Ismarth de Ara\u00fajo, superintendente da Funai, disse<\/a> que \u201c\u00edndio integrado \u00e9 aquele que se converte em m\u00e3o de obra\u201d. Os ind\u00edgenas que se rebelaram contra esse projeto acabaram mortos.<\/p>\n

O ex-capit\u00e3o do Ex\u00e9rcito Jair Bolsonaro, que sempre foi reconhecidamente um deputado vagabundo, trabalhou bastante contra os povos ind\u00edgenas \u2014 especialmente contra o povo Yanomami \u2014 durante sua passagem pelo parlamento. O ent\u00e3o deputado atuou<\/a> incansavelmente pela extin\u00e7\u00e3o da etnia. Em 1992, ele apresentou um decreto legislativo que previa a extin\u00e7\u00e3o da reserva Yanomami, que tinha sido demarcada no ano anterior. O projeto foi arquivado, mas Bolsonaro tentou emplac\u00e1-lo em outras quatro oportunidades. Em um dos seus discursos no plen\u00e1rio em defesa do decreto, Jair Bolsonaro disse: \u201ca cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a cavalaria norte-americana, que dizimou seus \u00edndios no passado e hoje em dia n\u00e3o tem esse problema no pa\u00eds\u201d.<\/p>\n

<\/div>\n

A ascens\u00e3o do bolsonarismo ao poder possibilitou a continua\u00e7\u00e3o desse projeto militar. Assim como na ditadura, a pol\u00edtica indigenista do governo Bolsonaro oferece duas op\u00e7\u00f5es aos povos ind\u00edgenas: a integra\u00e7\u00e3o for\u00e7ada ou a extin\u00e7\u00e3o. As cenas de homens, mulheres e crian\u00e7as Yanomami subnutridos, com os ossos do corpo inteiro aparecendo, retrata o sucesso da retomada desse projeto. A desnutri\u00e7\u00e3o e a fome s\u00e3o consequ\u00eancia direta da ocupa\u00e7\u00e3o de seus territ\u00f3rios por garimpeiros ilegais. A garimpagem na regi\u00e3o impede o povo Yanomami de exercer suas atividades produtivas b\u00e1sicas.<\/p>\n

N\u00e3o me recordo de uma trag\u00e9dia mais anunciada do que essa. Durante os \u00faltimos quatro anos, o avan\u00e7o do garimpo ilegal e a sa\u00fade dos povos ind\u00edgenas foram assuntos de destaque no debate p\u00fablico nacional. Reportagens e \u00f3rg\u00e3os p\u00fablicos como o Minist\u00e9rio P\u00fablico Federal, o STF<\/a> e a Corte Interamericana de Direitos Humanos<\/a> alertaram sobre a gravidade da situa\u00e7\u00e3o. Desde o primeiro ano de governo Bolsonaro, o MPF fez pelo menos oito recomenda\u00e7\u00f5es<\/a> relacionadas \u00e0 falta de aten\u00e7\u00e3o b\u00e1sica de sa\u00fade nas terras Yanomami.<\/p>\n

\n\"mourao_darioyanomami_\"\n

Deputada Jo\u00eania Wapichana e Dario Yanomami em reuni\u00e3o com o Vice-Presidente Hamilton Mour\u00e3o. <\/p>\n

\nFoto: Divulga\u00e7\u00e3o\/Planalto<\/p><\/div>\n

Em 2020, o MPF fez o primeiro alerta ao governo sobre a fome dos Yanomami em Roraima. O \u00f3rg\u00e3o determinou que a Sesai, a Secretaria Especial da Sa\u00fade Ind\u00edgena, deveria providenciar a compra de alimentos para abastecer a comunidade. Absolutamente nada foi feito. Claro, durante o governo Bolsonaro a Sesai serviu ao projeto iniciado no regime militar. Nesse per\u00edodo, ela foi comandada por militares<\/a> sem nenhuma experi\u00eancia em sa\u00fade ind\u00edgena. O primeiro a assumir a pasta foi o coronel do Ex\u00e9rcito Robson Santos da Silva. Depois, foi a vez de outro coronel: Reginaldo Ramos Machado, amigo pessoal de Jair Bolsonaro<\/a>. Ambos comandaram a destrui\u00e7\u00e3o da estrutura de atendimento da pasta. Cargos e departamentos importantes do \u00f3rg\u00e3o foram encerrados<\/a>. Mecanismos de controle e participa\u00e7\u00e3o social como os Conselhos Distritais de Sa\u00fade Ind\u00edgena (Condisi) e o Conselho Nacional de Pol\u00edtica Indigenista (CNPI) foram extintos. A fome dos Yanomami \u00e9 resultado de uma pol\u00edtica muito bem planejada pelas For\u00e7as Armadas e pelo governo Bolsonaro.<\/p>\n

A garimpagem na regi\u00e3o impede o povo Yanomami de exercer suas atividades produtivas b\u00e1sicas.<\/blockquote>\n

As digitais dos militares est\u00e3o impregnadas em todos os pontos da trag\u00e9dia vivida pelos Yanomami. O ex-vice-presidente e hoje senador Hamilton Mour\u00e3o presidiu por tr\u00eas anos o Conselho Nacional da Amaz\u00f4nia Legal. O general n\u00e3o convidou ningu\u00e9m da Funai e do Ibama para integrar o conselho. Escolheu 19 militares da sua confian\u00e7a. A fun\u00e7\u00e3o desse conselho \u00e9 prestar assist\u00eancia aos povos ind\u00edgenas da regi\u00e3o, mas Mour\u00e3o e os militares fingiram n\u00e3o ver o descalabro. Em entrevista ao Jornal da Globo<\/a>, a lideran\u00e7a D\u00e1rio Kopenawa contou que conversou pessoalmente com Mour\u00e3o em julho de 2020. A principal reivindica\u00e7\u00e3o foi a retirada dos garimpos ilegais de ouro instalados no territ\u00f3rio ind\u00edgena. O garimpo nessa regi\u00e3o \u00e9 comandado maci\u00e7amente por empresas clandestinas ligadas ao contrabando e ao crime organizado<\/a>. General Mour\u00e3o ouviu o pedido dos Yanomami, publicou foto com Kopenawa e n\u00e3o tomou absolutamente nenhuma provid\u00eancia.<\/p>\n

A reivindica\u00e7\u00e3o n\u00e3o foi atendida, pelo contr\u00e1rio. Os militares bolsonaristas atuaram para legalizar a garimpagem no territ\u00f3rio dos Yanimami. No fim do governo Bolsonaro, antes de apagar as luzes, o general da reserva Augusto General Heleno, ex-ministro do Gabinete de Seguran\u00e7a Institucional, o GSI, autorizou o garimpo de ouro em \u00e1rea pr\u00f3xima \u00e0 Terra Ind\u00edgena Yanomami.<\/p>\n

A pessoa agraciada com a autoriza\u00e7\u00e3o \u00e9 uma garimpeira que j\u00e1 cumpriu pena por tr\u00e1fico de drogas e j\u00e1 foi acusada pelo Minist\u00e9rio P\u00fablico por recepta\u00e7\u00e3o de pneus roubados. Essa \u00e9 a pol\u00edtica da “ordem e progresso” beneficiando diretamente uma garimpeira com hist\u00f3rico de envolvimento com o crime em detrimento da sa\u00fade de povos ind\u00edgenas. Trata-se de um epis\u00f3dio bastante representativo da hipocrisia que integra a ess\u00eancia do bolsonarismo.<\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 que os militares simplesmente permitiram a garimpagem em \u00e1rea ind\u00edgenas. Eles atuaram em conluio com os garimpeiros. Militares do S\u00e9timo Batalh\u00e3o de Infantaria da Selva por exemplo, chegaram a ter um grupo de WhatsApp<\/a> com garimpeiros da regi\u00e3o Yanomami para poder avis\u00e1-los sobre eventuais a\u00e7\u00f5es desencadeadas ali. Esse \u00e9 apenas um exemplo. H\u00e1 uma pororoca de outros que mostram como os ataques dos militares contra os povos ind\u00edgenas. Vejamos algumas manchetes que pipocaram no notici\u00e1rio nos \u00faltimos tempos: “Militares que dirigiram Ibama ignoraram plano de socorro a povo Yanomami”<\/a>;
\n
“Em \u00e1udio, militares na Funai prometem atropelar Ibama e liberar garimpo em terras ind\u00edgenas”<\/a>; “Relat\u00f3rio aponta militares comprados pelo garimpo na TI Yanomami no in\u00edcio da gest\u00e3o Bolsonaro”<\/a>; “Tenente do Ex\u00e9rcito, coordenador da Funai fala em ‘meter fogo’ em \u00edndios isolados no AM”<\/a>; “Na cidade mais ind\u00edgena do Brasil, Ex\u00e9rcito ocupa e domina vida civil”<\/a>; “Militar da Funai \u00e9 acusado de desviar patrim\u00f4nio de ind\u00edgenas Mura”<\/a>; “Militares arrendam ilegalmente terras ind\u00edgenas para latifundi\u00e1rios”<\/a>.<\/p>\n

N\u00e3o \u00e9 que os militares simplesmente permitiram a garimpagem em \u00e1rea ind\u00edgenas. Eles atuaram em conluio com os garimpeiros.<\/blockquote>\n

A ministra dos Povos Ind\u00edgenas S\u00f4nia Guajajara iniciou uma desmilitariza\u00e7\u00e3o da Funai. J\u00e1 foram demitidos 43 militares que boicotavam a prote\u00e7\u00e3o dos povos ind\u00edgenas. Esse \u00e9 o come\u00e7o de um longo processo necess\u00e1rio para reconstruir o \u00f3rg\u00e3o. \u00c9 urgente que o pa\u00eds puna severamente os militares e todos aqueles que encamparam esse projeto de dizima\u00e7\u00e3o dos povos ind\u00edgenas desenhado durante a ditadura militar. Trata-se de um crime de lesa humanidade. As For\u00e7as Armadas precisam ser enquadradas para que n\u00e3o tentem retomar esse projeto no futuro. N\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel mais ver uma importante institui\u00e7\u00e3o da democracia brasileira trabalhando diretamente pela destrui\u00e7\u00e3o dos povos origin\u00e1rios, enquanto atua em conluio com garimpeiros, golpistas e terroristas.<\/p>\n

\u00c9 preciso que fique claro que o genoc\u00eddio sofrido pelos Yanomami n\u00e3o foi um mero caso de incompet\u00eancia e omiss\u00e3o de um governo, mas um projeto de governo dos militares.<\/p>\n

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Os \u00f3rg\u00e3os de prote\u00e7\u00e3o aos ind\u00edgenas foram aparelhados por militares com a inten\u00e7\u00e3o de favorecer o garimpo.<\/p>\n

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